Amor sem restrições: Minha esposa me devolveu as cores do mundo que a deficiência me roubou
A matéria abaixo foi publicada no Jornal da AME edição nº 70.
Por Maria Isabel da Silva
A frase que intitula esta matéria foi pronunciada pelo psicólogo Naziberto Lopes de Oliveira, casado com a economista e auditora Elizabeth Marinho. Ele, cego, e ela sem deficiência. Essa parceria romântica cada vez mais compõe o cenário de relacionamentos afetivos, em que pessoas com e sem deficiência se encontram, se enamoram e descobrem que juntas se completam.
O psicanalista Fabiano Puhlmann Di Girolamo explica que a afetividade é uma palavra que remete ao aspecto emocional do ser humano. “Os afetos, os sentimentos, as emoções a tudo aquilo que nos afeta é o conjunto de nossas reações emocionais ao relacionamento de nossa individualidade com o mundo que nos envolve”, explica. Assim como todas as pessoas experimentam vivências afetivas; da mesma forma, as pessoas com deficiência experimentam os sentimentos como os demais. “Pessoas com deficiência física, auditiva, visual e intelectual são plenas de afeto, interagem nos relacionamentos com sentimentos e pensamentos únicos”, destaca.
Como alimentar um grande amor
Pessoas ficam surpresas ao ver casal com deficiência
Amor sem limites: casal com deficiência supera obstáculos e desafios
EXPRESSÃO DA AFETIVIDADE
Puhlmann esclarece que as pessoas com deficiência, assim como todos, expressam sua afetividade por meio dos canais sociais disponíveis: música, arte, dança, etc. A expressão afetiva é intermediada pelo corpo, por exemplo: os músculos faciais expressam os sentimentos, os ombros em movimento podem ser interpretados como desdém, um desviar de olhos pode representar timidez; as pessoas com deficiência auditiva são extremamente expressivas e as pessoas com deficiência visual apresentam grande sensibilidade às expressões musicais. Quem apresenta deficiência intelectual encontra uma porta aberta para a expressão afetiva pela dança. Ele destaca que pessoas com deficiência física, em geral, têm grande capacidade de expressão dos afetos pela literatura, graças a capacidade de imaginação e criatividade treinada diariamente para contornar as limitações físicas.
O psicanalista atribui o relacionamento de pessoas com e sem deficiência a aspectos favoráveis como acessibilidade e comunicação. “Enamoramento, paixão e amor são vivenciados em relacionamentos de pessoas com deficiência entre si e de pessoas com e sem deficiência. O flerte, o namoro e o casamento são a ordem e não a exceção”, ressalta, acrescentando que envolvimento afetivo é sinônimo de maturidade afetiva.
Fabiano Puhlmann fala por experiência, pois ele próprio tem deficiência física e é casado com uma pessoa sem deficiência. “Na minha experiência de casamento tenho percebido que o mais importante em um relacionamento é amar o parceiro, fazendo concessões, adaptações e sempre crescendo juntos, sabendo que se relacionar com alguém é sempre um desafio diário. Conquiste e seja conquistado, reconquiste e seja reconquistado pelo menos uma vez a cada nova onda emocional”, observa.
ENCONTRO MÁGICO
O psicólogo que abre esta matéria, Naziberto Lopes de Oliveira, é cego e destaca que a deficiência não desconecta o ser humano de sua humanidade e, assim sendo, não o separa dos sentimentos comuns a todos os seres humanos: amor, ódio, medo, ira, etc.
Muitas vezes, o preconceito da sociedade em relação a quem tem deficiência e o próprio isolamento em que se encerram essas pessoas podem levar a afetividade dessas pessoas a dois extremos: mais exacerbada ou embotada. Naziberto explica: “isso acontece não em virtude da deficiência, mas sim, em virtude da falta de contato com um outro ser humano, necessário a todos”.
Sua esposa, Elizabeth Marinho, também tem um irmão com deficiência intelectual. Para ela, pessoas com deficiência expressam sua afetividade como qualquer outra pessoa, com a expectativa de serem aceitas pelo que são. “Em geral, são mais sinceras, como por exemplo, meu irmão, que tem deficiência intelectual severa, é bastante transparente em seus sentimentos e não demonstra afetividade só para agradar”, afirma.
Beto, como é conhecido entre os amigos, acredita que seja mais comum hoje pessoas com deficiência se relacionarem em virtude de maior exposição, por estarem saindo mais às ruas. “Seus direitos como cidadãos estão sendo mais respeitados. As questões de acessibilidade e transporte público estão possibilitando com que estes encontros aconteçam com mais freqüência”, observa.
Sua esposa concorda. “Tenho visto mais casais por aí, conversando em Libras (Língua Brasileira de Sinais), na companhia de um cão-guia ou alguém utilizando uma bengala ou cadeira de rodas. Acho uma pena que tanta gente, mesmo querendo companhia, esteja só. Imagino que depende de as pessoas se abrirem mais umas com as outras e expressarem seus desejos, conversarem sem ‘escudos’”.
Quando Beto adquiriu a deficiência estava começando um novo namoro. Uma queda gerou a perda total da visão. No período que se seguiu, a parceira virou mais “enfermeira” do que companheira. “Virei um verdadeiro porre durante o período de readaptação, desacreditado de mim mesmo e de toda e qualquer possibilidade futura de ser boa companhia para alguém”. Casou-se e o casamento durou três anos. Após a separação, Beto experimentou relacionamentos com pessoas com e sem deficiência, sempre de curta duração.
“Até que surgiu a pessoa que me fez confiar novamente em um relacionamento estável e duradouro”, destaca, adjetivando de “encontro mágico”, em Parati, um encontro casual em que os laços foram se estreitando e a mágica acontecendo. “Existem pessoas tão incríveis, como a Beth, que se fazem visíveis de todas as formas. Ela simplesmente me devolveu as cores do mundo que a cegueira havia me roubado”.
Unidos há cinco anos, a esposa revela a “receita” da boa relação. “Conheço muitos casais em que não há uma deficiência física ou sensorial presente, mas que não conseguem afinar suas manias, seus jeitos e formas de pensar. Para uma relação dar certo é preciso boa vontade, dedicação, paciência, cuidado de ambas as partes um com o outro e com a própria relação e acima de tudo muito amor. Não dá para descuidar!”, afirma.
Beth acrescenta que o relacionamento com uma pessoa cega é extremamente comum, não há nada de diferente. “Muitas vezes me esqueço que ele não enxerga, até porque ele é muito ativo, faz tudo em casa, substitui lâmpadas, conserta tudo o que quebra, sobe no telhado, instala os equipamentos eletrônicos (e os coloca para funcionar), ajuda com as tarefas domésticas, enfim… Faz muito mais do que os maridos de muitas amigas minhas”.
REENCONTRO
Para o matemático Marco Pellegrini, a expressão da afetividade é o resultado da elaboração interna que fazemos da realidade a nossa volta. “Para vivenciar de forma positiva a disposição do outro em relacionar-se é preciso estar inteiro, de bem com a vida. Toda pessoa com ou sem deficiência, classe social ou credo pode estabelecer um relacionamento sadio”.
Tetraplégico em função de arma de fogo, reencontrou Márcia, a atual esposa, após um período de afastamento, caminhos distintos e a adolescência marcada por um longo namoro. Casaram-se com outras pessoas, veio o acidente com Pellegrini e o reencontro em festa de amigos. Há sete anos compartilham o cotidiano.
Segundo Pellegrini, as restrições físicas incomodam nas situações de lazer e social, e são agravadas, muitas vezes, pela ausência de acessibilidade. Mesmo assim saem com freqüência. “Tenho convicção que contar com adaptações tecnológicas para ter autonomia no exercício de atividades básicas como atender o telefone, a porta, mudar o canal da TV e outras, é de fundamental importância para a relação”, destaca.
Essas experiências mostram que, mais que restrições físicas, intelectuais, visuais ou auditivas o maior obstáculo para o encontro e reencontro da afetividade ainda é o preconceito e o desconhecimento em relação a quem tem deficiência.
Bom dia !!
Estou muito feliz com esta matéria, eu sou casada tenho um esposo abençoado e maravilhoso, dois filhos lindos, eu sou portadora de deficiência fisica não tenho a mão esquerda, e graças a DEUS, eu superei um trauma vivido pela infância, onde fui muito excluida por amigos e paqueras, mas DEUS é tão belo, que prepara tudo na hora certa, me capacitou, me deu uma familia linda, e atualmente faço aula de violoncelo e estou indo bem, meu esposo me apoia em tudo e torce para eu concluir a faculdade de fisioterapia. Agradeço por tudo até aqui . Bjos
Linda sua história, Keila!
Desejo muitas felicidades a você e sua família!
Muito interessante essa matéria,eu sou cadeirante, mais não namoro ninguém porque tenho vergonha de dizer que uso fraldas. Eu gostaria de saber como faço se for ter algo mais íntimo com alguém?