Deficiência FísicaEducação Inclusiva

Relação entre a imagem corporal e deficiência física. Uma pesquisa bibliográfica

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Caro leitor,

O artigo abaixo foi extraído do site efeportes. O texto foi escrito pelos pesquisadores Prof. Ms. Maria Luiza Tanure Alves* e Prof. Dr. Edison Duarte**.

RESUMO

Imagem CorporalAs pessoas com deficiência física apresentam uma interrupção brusca no processo de desenvolvimento da imagem corporal. Esta sofre grandes mudanças, necessitando de adaptações. Nosso estudo consistiu na realização de um levantamento bibliográfico sobre o tema, no período de 1990 a 2003, com a respectiva análise e interpretação dos resultados, através da estruturação de fichamentos com as principais idéias de cada autor. Nosso objetivo nesse estudo foi compilar e analisar os principais trabalhos sobre o tema, servindo como subsidio para os profissionais de educação física ou outros que atuam ou venham a atuar com essa população. A deficiência física causa uma mudança perceptual no corpo do indivíduo que, aliada a mudanças em suas relações sociais, modifica sua imagem corporal. A deficiência traz para a pessoa sentimentos depreciativos com relação ao seu próprio corpo, acarretando modificações no modo como este percebe e interage com os outros e o mundo.

INTRODUÇÃO

De acordo com a literatura específica observa-se que a construção da imagem corporal é um processo contínuo e dinâmico presente em toda vida. É com ela que a pessoa se apresenta e interage com o mundo e com os outros. Na sua construção estão envolvidos vários aspectos (fisiológicos, afetivos, sociais) que a todo o momento estão interagindo entre si, por isso a necessidade de analisá-la na sua forma ampla e não restringindo-a a apenas um de seus aspectos. Seu desenvolvimento se dá a partir das interações sociais estabelecidas durante toda a vida, refletindo a história de um corpo, suas vivências e seu caráter único. Entende-se por imagem corporal a representação mental do corpo próprio (Schilder, 1994).

Os sentidos da diferença
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As relações sociais construídas exercem um papel fundamental durante o desenvolvimento da imagem corporal. As percepções e sentimentos que nossos contatos sociais nos proporcionam modificam o modo como nos vemos. As alterações que ocorrem no corpo por doenças, agravos ou outros distúrbios, comprometem a imagem corporal. As modificações na percepção corporal decorrente de alterações físicas ou psicológicas causam modificações na imagem corporal, alterando a auto-imagem e as interações com o meio e com os outros. A deficiência física caracteriza-se principalmente pela perda de motricidade e sensibilidade nas partes do corpo localizadas abaixo do nível lesionado. Aliada a essas limitações, dependendo do tipo de deficiência física presente pode haver complicações no estado de saúde da pessoa que vão desde disfunções vesicais e sexuais até a formação de úlceras de pressão. Estas alterações corporais modificam completamente a maneira como o deficiente encara e utiliza seu corpo durante suas tarefas cotidianas e em suas relações sociais.

A deficiência física adquirida (decorrente depois do nascimento) causa uma mudança abrupta na imagem corporal do deficiente físico. Ele se vê de um dia para o outro, com a imagem corporal alterada, e em vista disso precisa reestruturá-la. O seu processo de desenvolvimento inclui tarefas difíceis como a de incorporar a cadeira de rodas a sua imagem e a tarefa de aprender a interagir com as imagens corporais de pessoas que não possuem deficiência física. Sua construção deve respeitar essa nova condição.

A pessoa com deficiência física durante seu processo de reabilitação tem a tarefa de redescobrir seu corpo. Esse processo de redescobertas inclui a vivência de suas limitações e o conhecimento de novas capacidades, sendo necessário a aceitação dessas condições pelo mesmo para que assim ele consiga se reestruturar para o retorno ao convívio familiar e social.

O estudo da imagem corporal pelos profissionais da área de educação física e outros traz uma mudança da perspectiva em relação à pessoa com deficiência. Ampliamos nossa capacidade de entendê-los e de entrar em contato, possibilita-nos um trabalho capaz de fornecer um “reconhecimento” da imagem corporal em sua nova condição. Auxilia-nos na valorização das diferenças e reconhecimento da singularidade de cada ser. Para tanto, o termo deficiência corresponde a “qualquer restrição ou perda na execução de uma atividade, resultante de um impedimento, na forma ou dentro dos limites considerados como normais para o ser humano” (Cidade, 2002).

Nosso objetivo com este trabalho foi o de agregar o maior número possível de informações da literatura científica, sendo estes artigos, teses, dissertações e livros, sobre imagem corporal em pessoas com deficiência física, servindo assim como subsídio para os profissionais da área de educação física e outros que trabalhem com esta população.

Esta pesquisa foi financiada pelo PIBIC/CNPQ.

MATERIAL E MÉTODOS

Segundo Turtelli (2003) o presente estudo corresponde a análise e interpretação de dados obtidos em pesquisa do tipo bibliográfica. Desta forma, a base desta pesquisa consistiu no estudo de livros, artigos especializados, dissertações e teses, o que possibilitou o acesso e manipulação de informações relevantes para reflexão sobre as relações entre imagem corporal e deficiência física.

O levantamento bibliográfico foi realizado em bases de dados disponíveis via internet. Restringimos o período de levantamento bibliográfico dos livros, dissertações, teses e artigos em periódicos de 1990 a 2003. Este período é considerado de grande relevância já que corresponde ao aumento do interesse da comunidade científica sobre o tema, bem como é capaz de proporcionar uma visão dos trabalhos atuais desenvolvidos. Anteriormente a este período selecionamos apenas os trabalhos dos autores mais relevantes para o tema de nossa pesquisa. Ao todo foram pesquisados 5 bases de dados digitais a) Bases de dados da ERL – WebSpirs; b) Bases de dados da bireme; c) Base de dados Dedalus; d) Base de dados Acervus; e) Base de dados Athena.

A busca bibliográfica nas bases de dados citadas foi realizada nos computadores das bibliotecas setoriais da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. A base de dados WebSpirs é acessível apenas para pesquisadores e instituições conveniados, enquanto as bases Bireme, Dedalus, Acervus e Athena são de acesso livre.

Os materiais bibliográficos selecionados foram adquiridos nas bibliotecas setoriais da Unicamp. Os artigos selecionados não encontrados nas bibliotecas da Unicamp foram pedidos a outras universidades brasileiras, pelo sistema COMUT.

A pesquisa foi realizada em todas as bases de dados por assunto. Foram utilizadas como palavras-chaves “Imagem corporal”, “deficiente físico”, “lesões da medula espinhal” e “paraplegia”. Os cruzamentos das palavras-chaves foram empregados de acordo com a necessidade de língua portuguesa ou inglesa pela base de dados.

Após o levantamento bibliográfico o material foi estudado através da realização de fichamentos, que objetivavam abranger todas as informações relevantes para o estudo da imagem corporal em relação à deficiência física, bem como sínteses das principais idéias de cada texto pesquisado. A elaboração dos fichamentos com as principais idéias de cada texto objetivou uma posterior correlação entre os diversos autores. O cruzamento dos resultados e conclusões apresentados por cada estudo possibilitou uma visão abrangente sobre os caminhos que as pesquisas sobre imagem corporal e deficiência física vêm seguindo. Assim, pode-se observar os pontos falhos sobre o assunto e também novos questionamentos para possíveis estudos futuros. A seguir serão exibidas as principais idéias defendidas pelos autores selecionados, a correlação entre os mesmos, seus métodos utilizados, bem como seus pontos falhos.

RESULTADOS

A primeira busca de trabalhos realizada resultou em um pequeno número de trabalhos. Ao todo foram encontrados 68 estudos sobre o tema. No entanto, apenas alguns desses trabalhos encontrados realmente tratavam do tema. A maioria dos estudos trazidos relacionam-se com outros temas referentes à deficiência física, temas estes que não dizem respeito à imagem corporal da pessoa com deficiência física, apesar de apresentarem o termo imagem corporal em seus resumos. Um outro motivo que podemos citar para que alguns dos trabalhos fossem descartados é a sua não inclusão no período determinado de 1990-2003. Vale ressaltar que foi realizada a leitura de trabalhos anteriores a esse período de autores relevantes para o tema de nossa pesquisa. Como critérios de seleção dos trabalhos utilizamos a presença das palavras–chaves escolhidas no resumo.

A escassez de resultados alcançados durante esse primeiro levantamento nos impeliu a realizar uma nova pesquisa bibliográfica. Esta foi realizado através da análise das referências bibliográficas apresentadas nos trabalhos selecionados pela busca nas bases de dados via internet. A análise dessas referências nos trouxe um número maior de artigos, dissertações e teses, que possibilitou uma visão ampla sobre o tema.

Observa-se que as pesquisas realizadas na área nos revelaram a existência de muitas lacunas a serem preenchidas. Este é um tema pouco estudado e na maioria das vezes é associado com a análise dos aspectos psicológicos e as reações emocionais apresentadas pela pessoa com deficiência física, limitando-se à compreensão de aspectos como a auto-estima, autoconceito, entre outros.

De acordo com Santana (2003), autoconceito corresponde a percepção que a pessoa tem a seu respeito, sendo esta um processo psicológico e uma variável importante para o comportamento do mesmo. Com relação à auto-estima, esta diz respeito à forma como nos sentimos a cerca de nós mesmos e nossas reações aos eventos do cotidiano. A auto-estima é determinada pelo autoconceito, podendo ser considerada como seu componente avaliador. Assim, observa-se a estruturação de um entendimento sobre a imagem corporal do paraplégico associada com a elucidação dos fatores envolvidos na auto percepção de sua condição e também em suas reações psicológicas ao trauma.

O tema imagem corporal, em um grande número de pesquisas, é mencionado de forma indireta, sendo empregado como sinônimo dos termos “autoconceito”, “auto-imagem” e “auto percepção”. Nota-se a ausência de um consenso sobre o conceito de imagem corporal. São empregados conceitos sobre o tema de diversos autores, porém autores como Schilder (1994) não são mencionados. A menção do conceito de imagem corporal de Schilder (1994) apresenta-se de suma importância para pesquisadores que almejam estudar o tema, visto que o autor apresenta-se como referência internacional sobre o tema. Seu trabalho é considerado um clássico servindo de subsídio para demais pesquisas realizadas.

DISCUSSÃO

Segundo French e Phillips (1991), através de um trabalho de revisão de literatura, relata que as alterações na imagem corporal do lesado medular tem início com a devastação e interferência em seus planos para o futuro. Assim, a deficiência física acarreta para a pessoa uma série de mudanças sociais, físicas e psicológicas que alterarão o modo como o deficiente vê o seu corpo. A deficiência traz para o indivíduo um novo corpo, com novas habilidades, capacidades e limitações. Assim há a necessidade do estabelecimento de um processo de reconhecimento desse novo corpo.

Fischer e Cleveland (1958 apud Shontz, 1990) afirmam que as experiências corporais têm como função principal nos fornecer um limite pessoal que separe o eu, como entidade psicológica interna, do mundo externo. Assim Shontz (1990) descreve que nossas experiências corporais tem 7 funções, sendo realizadas em 4 níveis. As funções de nossas experiências corporais são:

Registro sensorial e processador de informações sensoriais, sendo essencial para todas as percepções, aprendizagem e memórias;

Instrumento para a ação;

Fonte de necessidades, tendências e reflexos;

Estímulo para o self; onde o termo “self” significa por si próprio, de si mesmo. (SANTANA, 2003)

Estimulo social;

Instrumento de expressão;

Mundo privado.

As experiências corporais têm como objetivo atender cada uma das funções citadas e estas podem estar dentre os seguintes níveis (podem estar relacionadas com mais de um nível):

1. Esquema Corporal

Este nível de experiência corporal está relacionado com a percepção do corpo como um objeto no espaço. Assim a percepção neste nível possibilita informações sobre a localização de estímulos na superfície corporal e a localização das partes do corpo no espaço. Também nos informa experiências agradáveis e desagradáveis.

2. Eu corporal

Aqui as experiências são elaborações do esquema corporal. Em sua maioria elas estão relacionadas com a identidade da pessoa, onde ela estabelece julgamentos, como bom ou mal, desejável ou indesejável e moral ou imoral, entre as variadas experiências vivenciadas.

3. Corpo fantasiado

Neste nível temos as representações corporais. Temos aqui as variadas imagens que fazemos de nosso corpo, como nas experiências que vivenciadas pelo corpo como uma máquina ou um animal.

4. Conceito corporal

Este nível relaciona-se com o conhecimento que estruturado sobre o corpo. Sendo este adquirido em sua maior parte através da educação recebida que de experiências diretas. Este conhecimento é expresso em desenhos, descrições de partes e funções do corpo, entre outros.

Imagem CorporalShontz (1990) afirma que um bom conceito corporal é utilizado para a promoção da saúde e do bem-estar, embora não seja essencial para sobrevivência. No entanto, no caso das pessoas com deficiência física um bom conceito corporal é fundamental para sua saúde, já que é com este conhecimento que o lesado medular será capaz de estabelecer os cuidados necessários para o bom funcionamento corporal. Para a compreensão dos efeitos causados pela deficiência física em cada pessoa é fundamental que sejam analisados as mudanças provocadas nos vários níveis e funções da experiência corporal. As alterações na imagem corporal acarretadas pela deficiência física são produto das mudanças ocorridas nas experiências corporais do mesmo. Deve-se compreender as modificações ocorridas nas funções e níveis da experiência corporal para que entendamos as mudanças encontradas na imagem corporal. Sendo assim, não há uma imagem corporal característica para a pessoa com deficiência física.

Com a deficiência física a pessoa pode apresentar algumas tendências comportamentais, porém estas não podem ser homogeneizadas para todos. Para Rosillo e Fogel (1971, apud Beeken, 1978), além das alterações nas experiências corporais, são vários os fatores que influenciam no modo como esse indivíduo irá adaptar-se à lesão. Os principais fatores envolvidos são a aparência física (principalmente nas mulheres), a vergonha, o conflito de valores com as pessoas próximas importantes, e a importância delegada ao funcionamento físico. Como se pode observar, todos esses fatores estão relacionados com níveis e funções da experiência corporal já mencionados. Assim notamos que a vivência corporal, ou seja, a experienciação do próprio corpo é essencial para a manutenção de uma imagem corporal de qualidade.

Beeken (1978), através de pesquisa do tipo revisão de literatura, descreve que as lesões medulares causam as grandes distorções na imagem corporal, já que a pessoa não incorpora as mudanças advindas com a deficiência de forma gradual. O modo como cada lesado medular irá responder e reestruturar-se frente a essas alterações variam de acordo com alguns fatores. Dentre eles está a imagem corporal anterior ao trauma, sendo esta fundamental para a estruturação do conhecimento sobre esse novo corpo.

Um outro ponto importante no processo de reestruturação da imagem corporal da pessoa com deficiência física diz respeito à cultura em que este está inserido. De acordo com o trabalho de revisão bibliográfica realizado por Saravanan et al (2001), os valores e conceitos relacionados à deficiência física estabelecidos pela cultura de uma sociedade influenciam sobremaneira o modo como o lesado medular irá reagir a essa condição. No entanto, devemos entender que os valores impostos por uma sociedade apenas influenciam nesse complexo processo de reconstrução da imagem corporal, não estabelecendo reações ou comportamentos rígidos para todas as pessoas.

Para o autor, a cultura ao qual a pessoa com deficiência física está inserida será responsável pelos julgamentos, as expectativas apresentadas frente ao tratamento, a aceitação as terapias propostas e a presença ou ausência de alguns comportamentos. Cada cultura estabelece significados diferentes para a deficiência física, interferindo no modo cada um a encara. Sendo assim, a pessoa com deficiência física terá como eixo esse conceitos e valores para a estruturação do seu novo eu, de sua nova identidade.

Segundo Montanari (1998), a instituição de reabilitação freqüentada pela pessoa com deficiência física também é grande responsável pelo estabelecimento dos valores e conceitos atribuídos à deficiência. Esses parâmetros valorativos, assim como os estabelecidos pela cultura social, atuariam modificando não só a identidade social, mas também as relações sociais que esse indivíduo participa. Esses valores e conceitos exprimem a forma como a instituição de reabilitação vê a desigualdade e a diferença. A autora realizou seu trabalho através de entrevistas semi-estruturadas, a partir de roteiro temático para direcionamento dos depoimentos, em um grupo de jovens com deficiência física. Seu objetivo foi o de analisar a identidade social do jovem deficiente, bem como identificar sua percepção corporal e o lugar da reabilitação na sua vida.

Bracken, Shepard e Webb (1981), descrevem que a personalidade anterior ao trauma também exerce uma grande influência nas reações apresentadas frente à deficiência. Nesse sentido devemos compreender que este aspecto estaria relacionado com o significado que cada pessoa carrega sobre o seu corpo. Os sentimentos estabelecidos com o corpo certamente influenciam nas reações da pessoa frente a um trauma corporal.

Os autores realizaram o trabalho através da coleta de dados médicos dos sujeitos desde sua primeira hospitalização, bem como pela realização de entrevistas com os médicos responsáveis, fisioterapeutas, enfermeiros, e todos os outros profissionais envolvidos no processo de reabilitação do lesado medular. Também foram realizadas entrevistas com o lesado medular com objetivo de obter informações sobre seu estado psicológico e sua condição sócio-demográfica. Para a realização das entrevistas foi utilizado um questionário validado desenvolvido particularmente para o estudo.

De maneira geral podemos observa-se que todos os aspectos que influenciam a forma como cada um encara o trauma estão relacionados com as funções e níveis da experiência corporal citados por Shontz (1990). Assim são as alterações na experiência corporal que norteiam o processo de reestruturação do novo eu.

A importância delegada para cada uma das funções da experiência corporal influencia nesse processo. O modo como a pessoa com deficiência física incorpora sua nova condição é único, dependente dos valores e conceitos formados durante sua história de vida. Porém, a pessoa com deficiência física pode, durante esse processo, apresentar algumas tendências comportamentais em comum. Entre essas temos a depressão e ansiedade. (BEEKEN, 1978) Nesse sentido compreende-se depressão como um episódio onde a pessoa encontra-se com humor diminuído, redução da energia e diminuição nas atividades. Sua capacidade de diversão, interesse e concentração encontra-se reduzida, bem como é comum a queixa de cansaço após qualquer esforço mínimo. Com relação à ansiedade esta diz respeito a sintomas variáveis, mas que em geral incluem nervosismo persistente, tensão muscular, palpitações, entre outros. (CID-10, 1992)

Encontra-se também distorções nos julgamentos das distâncias entre as diversas partes do corpo. Como conseqüência desses comportamentos temos baixo níveis de autoconceito e auto-estima. No entanto, a observação de tais características pode estar associada com episódios de dor e na maioria dos casos está intimamente vinculada com o nível de contato social que o deficiente físico apresenta. A pessoa com deficiência física que participa ativamente de relações sociais, sejam estas familiares, profissionais e amorosas, dificilmente apresentam os aspectos mencionados. Nesse sentido, a presença e participação de uma parceira ou parceiro durante o processo de reabilitação parece ter grande relevância. O apoio social recebido pelo deficiente é de grande importância para a reconstrução de sua identidade (Beeken, 1978).

A presença de tais características tem sido mencionadas como integrantes de um processo de reabilitação do deficiente constituído por 4 estágios comportamentais. Estas correspondem à fase de choque, negação, reconhecimento e adaptação. A fase de choque tem lugar logo após os primeiros cuidados médicos após a deficiência física e corresponde a um estado de confusão onde o paciente não consegue perceber a magnitude do acontecido. Nesta fase a pessoa interrompe seu vínculo com o mundo exterior, numa tentativa inconsciente de proteger sua imagem corporal, mantendo-a integra.

Na fase de negação, a pessoa começa a perceber sua condição, porém de forma distorcida com tendência a negar sua lesão. Costuma agir de forma passiva aos tratamentos e indicações médicas. Com relação à fase de reconhecimento, nesta a pessoa começa a tomar consciência da sua real situação, porém devido a essa conscientização podem ocorrer episódios de depressão frente às grandes mudanças ocorridas. É nessa fase que a pessoa com deficiência física começa a experimentar as mudanças da sua própria imagem. Já na fase de adaptação, o mesmo começa a agir ativamente em seu processo de reabilitação, e sente-se recompensado por isso. Também começa a reconhecer os benefícios do processo de reabilitação.

A ocorrência de tais comportamentos é considerada normal pelos autores defensores de tal teoria, porém a reabilitação do deficiente associada à presença de tais estágios tem sido bastante desacreditada. Isto ocorre porque a abordagem do processo de reabilitação da pessoa com deficiência física em fases pré-estabelecidas e com caráter rígido não possibilita o reconhecimento das necessidades individuais. Assim, tais estágios impossibilitam que o deficiente vivencie seu corpo como único e que também seja encarado pelos profissionais envolvidos nesse processo como ser único com suas própria reações e emoções (GALVIN e GODFREY, 2001).

Para Shontz (1990), as reações negativas com relação ao trauma não podem ser generalizadas, ou seja, o impacto da deficiência não é sempre negativo. A pessoa com deficiência física pode encarar a deficiência como algo positivo em sua vida. Gorman, Kennedy e Hamilton (1998), afirmam que estes podem descrever-se como sendo mais compreensivos e populares. A presença de sentimentos positivos colabora para que o deficiente apresente uma boa imagem corporal de si mesmo, aliada à presença de bons níveis de autoconceito e auto-estima.

CONCLUSÃO

A escassez de estudos nessa área demonstra as grandes lacunas que ainda precisam ser solucionadas. A leitura dos trabalhos selecionados aponta, a partir de uma visão abrangente sobre a atual situação das pesquisas nesse campo, alguns questionamentos importantes para o entendimento da imagem corporal da pessoa com deficiência física. Nesse sentido, ainda são necessários estudos relacionados com métodos avaliativos da imagem corporal de deficientes físicos, estudos interessados em pesquisar a forma como o deficiente constrói sua imagem corporal com a ausência de sensações e percepções das partes localizadas abaixo do nível lesionado, entre outros.

A deficiência física não traz para o deficiente uma imagem corporal característica. Com a lesão a pessoa precisa vivenciar suas perdas dentro dos aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais. Há a necessidade da experienciação das alterações no funcionamento orgânico assim como suas conseqüências para as variadas atividades cotidianas. Será apenas com a vivência de seu corpo que o deficiente poderá estruturar sua nova identidade. O modo como o trauma irá afetar sua imagem corporal está intimamente relacionado com o prejuízo causado nos níveis e funções da experiência corporal. Os valores e conceitos sobre o seu corpo e seu funcionamento trazidos pela pessoa interferem sobremaneira o modo como a pessoa irá reconstruir sua imagem corporal. Sendo assim, a personalidade e a imagem corporal anterior ao trauma exercem um papel relevante nesse processo.

De forma geral, será o prejuízo causado na capacidade do corpo em atender as funções da experiência corporal que irão causar os maiores impactos para a reconstrução e desenvolvimento da imagem corporal da pessoa com deficiência física. Este precisa vivenciar suas perdas de modo equilibrado para que assim não desenvolva comportamentos prejudiciais para o seu convívio em sociedade e para a execução de suas atividades básicas.

Além dos profissionais de saúde envolvidos no processo de reabilitação, é importante que o profissional de educação física também tenha um entendimento sobre este tema. Essa compreensão possibilita que esse profissional proporcione para seus alunos lesados medulares experiências positivas capazes de promover um ‘reconhecimento dessa imagem corporal em sua nova condição. As atividades propostas devem possibilitar experiências para o deficiente onde ele possa descobrir as formas como o seu novo corpo poderá atender as necessidades de suas experiências corporais.

*Doutoranda em Atividade Física Adaptada Mestrado em Atividade Física, Adaptação e Saúde pela Faculdade de Educação Física – UNICAMP
**Graduação em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1976) Mestrado em Biologia e Patologia Buco Dental pela Universidade Estadual de Campinas (1984) Doutorado em Anatomia Humana pela Universidade de São Paulo (1988) Atualmente é professor associado da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

REFERÊNCIAS

Beeken, J. E. Body Image changes in Plegia. Journal of Neurosurgical Nursing v. 10, 20-22, 1978.

Bracken, M. B., Shepard, M. J., Webb, S. B. Psychological Response to acute Spinal Cord Injury: an epidemiological study. Paraplegia v. 19, 271-83, 1981.

CID -10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados á Saúde/ Organização Mundial de Saúde. 10 rev. SP: Editora da universidade de São Paulo, 2000.

Cidade, R. E. A. Introdução à educação Física e ao Desporto para Pessoas Portadoras de Deficiência. Curitiba: Ed. UFPR, 2002

French, J. K., Phillips, J. A. Shattered Images: Recovery for the SCI Client. Rehabilitation Nursing v.16, 134-36, 1991.

Galvin, L. R., Godfrey, H. P. D. The Impact of Coping on emotional Adjustment to Spinal Cord Injury (SCI): review of the literature and application of a stress appraisal and coping formulation. Spinal Cord v. 39, 615-627, 2001.

GORMAN C.; KENNEDY P.; HAMILTON L. R. Alterations in self-perceptions following childhood onset of spinal cord injury. Spinal Cord, vol. 36, pp. 181-185, 1998.

Lianza, S. Medicina de Reabilitação.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985.

Montanari, P. M. Do Limite da Deficiência à Superação na Vida: jovens, portadoras de deficiência física. 1998. Dissertação de mestrado- Faculdade de Saúde pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

Santana, V. H. Avaliação do Autoconceito e a Atividade Física. 2003. Dissertação de Mestrado- Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

Saravanan, B. et al. Re-examing the psychology of Spinal Cord Injury: a meaning centered approach from cultural perspective. Spinal Cord v. 39, 323-26, 2003.

Schilder, P. A Imagem do Corpo: As Imagens Construtivas da Psique. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Shontz, F. C. Body Image and Physical Disability. In: Cash, TF, Pruzinsky, T. Body Images: Development, Deviance, and Change. New York: The Guildford Press, 1990.

Turtelli, L. S.; Tavares, M. C. G. C. F.; Duarte, E. Caminhos da Pesquisa em Imagem Corporal na sua Relação com o Movimento. Revista Brasileira de Ciência do Esporte v. 25, n.1, 2003.

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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