No Estado de S. Paulo: "Ford acusada de contratar 'falsos' deficientes"
Empresa foi multada em R$ 400 milhões por contratações irregulares em Tatuí (SP).
A Ford do Brasil foi condenada a pagar indenização de R$ 400 milhões por contratação irregular de funcionários terceirizados, supostamente deficientes, na unidade de Tatuí, interior de São Paulo, onde mantém um centro de desenvolvimento e pista de teste de automóveis. A sentença, em primeira instância,é do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região e cabe recurso.
Assinada no dia 20, a sentença do juiz Marcus Menezes Barberino estabelece ainda a recontratação, desta vez diretamente pela Ford, de 280 funcionários antes terceirizados e que estão afastados desde agosto. A montadora tem prazo de 60 dias para iniciar a recontratação, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.
A ação envolve também a Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência (Avape), que prestou o serviço de terceirização para a montadora. Segundo o TRT, a entidade é beneficiada pela isenção de tributos federais por ter como atividade a inserção no mercado de pessoas deficientes, mas nenhum dos funcionários que estava na Ford tem necessidades especiais.
“O caso retrata a violação de direitos socioeconômicos de trabalhadores contratados por pessoa interposta e a violação a direitos constitucionais voltados à dignidade humana, além de proporcionar a precarização do contrato de trabalho”, diz Bruno Ament, procurador do Ministério Público do Trabalho de Tatuí, que moveu a ação em 2011.
A Ford mantinha convênio com a Avape desde 2000. Ao usar esse tipo de mão de obra terceirizada, estava isenta de recolher direitos trabalhistas previdenciários e, segundo o Ministério Público, agiu de má-fé, além de pagar salários inferiores ao dos contratados diretos.
Em nota, a montadora informou que “o processo ainda encontra-se sub judice. Por este motivo, não se pronunciará neste momento, pois aguarda uma solução final por parte dos órgãos competentes”.
Pela decisão do juiz Barberino, que cita em sua sentença de 48 páginas a história do “fordismo” e dados do balanço financeiro da matriz da Ford, a multa equivale a R$ 200 milhões a título de reparação aos bens constitucionais e socioeconômicos violados pelas requeridas e a R$ 200 milhões para “reparação pelo dumping social”.
O valor será revertido à comunidade de Tatuí para ser aplicado em políticas de inserção de pessoas com deficiência, ao Fundo Estadual de Direitos Difusos e ao Fundo Nacional de Promoção aos Direitos Difusos e Coletivos. Se perder a ação, a empresa também terá de arcar com R$ 8 milhões de custos do processo.
A multa é dirigida à Ford e à Avape – que encerrou atividades em Tatuí no ano passado, após a liminar que determinou o afastamento dos funcionários contratados irregularmente. Seus bens estão indisponíveis mas, no entendimento do Ministério, a multa deverá ser assumida pela Ford, também condenada a realizar publicidade informando sobre “o dano causado pela venda de gente, o dano à dignidade da pessoa humana,e aos bens constitucionais protegidos como o direito ao trabalho”.
Obscura
Em nota, a Avape afirmou que “a sentença, de primeira instância e, portanto, sujeita a recurso, é obscura, contraditória e com valor absurdo. Por isso, está entrando na Justiça com embargos de declaração”.
A Avape, organização não governamental criada em 1982, informou ter seis unidades em São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Taubaté e São José dos Campos e que realiza cerca de 800 mil atendimentos por ano. Diante da multa e da interdição dos bens, disse que não terá condições de continuar operando essas unidades. No site da Avape constam parcerias com empresas como Mercedes Benz, Peugeot, General Motors, Volkswagen, IBM, Petrobrás e Vivo, além de OAB-SP e Governo de São Paulo.
Na Ford em Tatuí, 75% de funcionários terceirizados
No grupo de 280 funcionários contratados pela Ford por meio da Avape estão montadores, mecânicos e motoristas (de testes). A ação cita que a montadora declara ter 800 empregados em Tatuí, mas apenas um quarto deles estão em sua folha de pagamentos. Os demais são terceirizados pela Avape e outras empresas.
O juiz Marcus Menezes Barberino cita exemplos de salários pagos aos terceirizados, como um motorista que recebia R$ 691,52 por mês, enquanto o piso dos trabalhadores sindicalizados era de R$ 950. Além de ter declarado a indisponibilidade do patrimônio da Avape, ele pede a extinção da entidade assim que a ação for concluída.
Fonte: Rede Saci