O Rendimento do Trabalho das Pessoas com Deficiência no Brasil
Além de uma participação restrita no mercado de trabalho, quando consideradas todas as formas de ocupação (inclusive as informais e precárias), os trabalhadores com deficiência também se deparam com um nível de rendimento médio mais baixo em relação aos demais.
Vinicius Gaspar Garcia*
Apenas recentemente os inquéritos oficiais, no âmbito do trabalho e ocupação, passaram a incluir nos seus registros dados e informações relativas às pessoas com deficiência. Durante muito tempo, de maneira geral, este contingente populacional, formado por indivíduos com diferentes níveis de limitação física, sensorial (auditiva ou visual) e/ou cognitiva (mental), foi visto como “incapaz” ou “inválido”, apartado, assim, dos circuitos de produção de trabalho e geração de renda.
O amadurecimento civilizatório e o avanço dos recursos disponíveis – tanto na esfera médica como em termos tecnológicos e de acessibilidade – permite hoje que a sociedade enxergue estas pessoas de outra forma e, simultaneamente, que elas exerçam uma gama variada de atividades produtivas. Este processo de inclusão no trabalho é fundamental para auto-estima (não só das pessoas com deficiência) e também do ponto de vista prático, pois gera renda que pode ser usada para, de certa forma, minimizar as seqüelas da deficiência e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Abaixo-assinado contra a redução de cotas para pessoas com deficiência; Participe e divulgue!
Análise dos primeiros resultados do Censo IBGE sobre pessoas com deficiência
Falta humanização das empresas na aplicação da lei de cotas
Infelizmente, conforme já discutimos em textos anteriores, o acesso ao trabalho, particularmente ao mercado formal, ainda é relativamente restrito para as pessoas com deficiência (mesmo com instrumentos de ação afirmativa – cotas –voltadas para esta finalidade). Problemas de acessibilidade, aspectos da legislação, baixo nível de instrução e a permanência de condutas discriminatórias são alguns fatores que contribuem para esta participação limitada no mercado formal, havendo um grande número de pessoas com deficiência na condição de inativos ou exercendo ocupações informais.
Mas qual é a situação, em termos de rendimentos, daqueles que conseguem trabalhar? Assim como ocorre para os demais trabalhadores, aqueles que estão no mercado formal auferem remuneração média superior àquela do contingente informal. Mas é interessante observar que, se pelos dados RAIS, que captam só o mercado formal, as pessoas com deficiência recebem no mesmo patamar ou até um pouco mais do que os demais trabalhadores, existem grandes disparidades nas informações de rendimento disponíveis no Censo Demográfico, colocando as pessoas com deficiência numa posição desfavorável.
Pelos dados da RAIS, na média entre 2007 e 2011, os postos de trabalho exercidos por pessoas com deficiência geraram um rendimento mensal de R$ 1.741. Este valor é “puxado para cima” pela renda média das pessoas com deficiência auditiva, que foi de R$ 1.984 no mesmo período. As pessoas com deficiência física auferiram um valor médio de R$ 1.690 e aqueles com deficiência visual de R$ 1.734. As pessoas com deficiência intelectual (mental), pouco representativas no total de vínculos formais, receberam, em média, apenas R$ 764 (por estarem concentrados em ocupações mais simples).
No conjunto, sobressai dos dados da RAIS que o rendimento médio dos vínculos exercidos por pessoas com deficiência, de R$ 1.741, é 6,2% maior do que a média observada para os postos de trabalho ocupados pelos trabalhadores sem deficiência, que é R$ 1.638. Essa constatação, num primeiro momento, sugere que aqueles (poucos) trabalhadores com deficiência que conseguem ingressar no mercado formal o fazendo em condições favoráveis, pelo menos em termos da remuneração obtida.
Entretanto, os dados que podem ser extraídos do Censo Demográfico mostram uma situação distinta. Deve-se, de início, que diferentemente de RAIS, cuja base é formada pela declaração anual dos empregadores junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, no Censo do IBGE temos a auto-declaração do entrevistado quanto a sua condição de ocupação e os rendimentos recebidos.
A tabela abaixo apresenta o rendimento médio total e segundo posição na ocupação dos trabalhadores (ocupados) com e sem deficiência, a partir dos dados do Censo de 2010.
Tabela – Rendimento médio do trabalho principal segundo posição na ocupação e condição de deficiência– Brasil 2010.
Como os dados do Censo consideram também formas de ocupação mais precárias e fora do mercado formal – como o ocupado por conta-própria e o ocupado sem carteira assinada – é evidente que o rendimento médio total, para ambas as populações, será inferior aquele observado na RAIS. De fato, para os ocupados com deficiência o rendimento médio é de R$ 852; para os demais trabalhadores, sem deficiência declarada, de R$ 1.245.
O que chama atenção é a diferença significativa entre eles, já que o rendimento médio dos ocupados com deficiência é 32% menor do que dos trabalhadores sem deficiência. Tal resultado decorre de uma situação duplamente desfavorável para os ocupados com deficiência, pois: a) eles estão proporcionalmente mais concentrados nas posições precárias de ocupação (49,3% são trabalhadores por conta própria ou não têm carteira de trabalho assinada; percentual que é de 40,1% para os ocupados sem deficiência); b) nas mesmas posições da ocupação, os trabalhadores com deficiência recebem, em média, menos que os demais (por exemplo: dentre aqueles com carteira assinada, o rendimento médio dos ocupados com deficiência é de R$ 1.077; e de R$ 1.263 para os demais).
Portanto, além de uma participação restrita no mercado de trabalho, quando consideradas todas as formas de ocupação (inclusive as informais e precárias), os trabalhadores com deficiência também se deparam com um nível de rendimento médio mais baixo em relação aos demais. Trata-se de mais um indicador a ser levado em conta nas discussões que envolvem a inserção deste segmento populacional no mundo do trabalho.
OBS.: agradeço ao colega e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Dr. Alexandre Gori Maia, pela obtenção dos dados na base do Censo de 2010.
* – Pesquisador – Faculdades de Campinas –Facamp. Conselho Consultivo – CVI-Campinas. Diretor de Relações Institucionais do CVI-Brasil