Visões de um cadeirante
Por Sonia Dezute
Eu sou um ser planetário porque meu corpo faz parte do meio ambiente, mas não sou pensada neste meio ambiente. A cada barreira arquitetônica, a cada adaptação feita só para cumprir papéis, percebo o quanto tenho razão. Os valores sociais de uma cidade são refletidos na sua arquitetura, portanto podemos interpretar, através dessa ideia, o total desprezo que ela nos dá.
Vejo vagas para carros de motoristas deficientes sendo ocupadas por aqueles a quem não é pertinente. Ouço os guardiões das praças, logradouros e ruas justificando a falta de fiscalização, mas ao mesmo tempo me advertindo por atrapalhar o estacionamento reservado para as motos, mas tendo motos estacionadas nas vagas destinadas a mim. Vejo as guias rebaixadas sempre longe da porta do motorista porque quem planeja essas obras acredita que a pessoa com deficiência estará acompanhada por um motorista e não que ela própria o seja. Vejo as portas dos comércios e departamentos públicos com degraus intransponíveis para as rodas de uma cadeira. Vejo-me passar por constantes constrangimentos quando preciso digitar a senha de acesso do cartão de crédito e não poder alcançar a máquina que está colada bem acima de minha cabeça – enquanto a fila quer andar sinto-me obrigada a burlar a segurança e passar minha senha para terceiros.
Muitas vezes não tenho o direito de usar os banheiros disponíveis nos estabelecimentos porque estes não têm acesso para cadeirantes ou quando tem, é um banheiro unisex, universalizado como se minha condição não me desse o direito de ter meu próprio sexo. Vejo-me desapropriada do direito de estudar porque as escolas não adaptam com competência suas dependências; as rampas não tem a inclinação que me permita exercitar meu direito de ir e vir sozinha. Isso é muito comum em todo órgão publico; a alma do sistema se sente lavada mesmo sem haver disponibilizado adaptações que representem seus verdadeiros objetivos.
Vejo-me invisível diante dos altos balcões de atendimento quando sequer sou enxergada e ouvida pela atendente do outro lado. Vejo-me retida no direito de ser mãe quando não posso socorrer meus filhos porque a segurança dos hospitais acredita que duas vagas apertadas ou bem longe da entrada de acesso do pronto socorro resolvem o problema de cumprir a lei de acessibilidade. Vejo o descaso de bancos que tem vagas reservadas para motorista deficientes, mas não praticam nenhum critério resguardando-as para quem realmente interessa.
Busco apoio dos que compartilham das mesmas necessidades que eu e não encontro eco. Será que sou a única cadeirante consumidora, cliente de banco, dona de casa, mãe de família, estudante, público, fã, espectadora, motorista, cristã, paciente, freguesa, eleitora? Cadê todo mundo?
Gostaria de dizer que o relevo de nossa cidade não nos impede o manifesto de nossa cidadania e de nos comportarmos como agentes políticos e planetários que somos.
Fico indignada mesmo é quando vejo sorrisos compreensivos ou palavras de pseudo-apoio nessa minha jornada insólita, quando o que realmente falta é competência, competência essa que possibilitaria a pessoa com deficiência fazer parte da paisagem de cada cidade.
Querida
Ninguém está nem aí com ninguém, o mundo é mau, mas os jatinhos dos coronéis têm que ser da melhor qualidade.
Aqui onde moro temos muitos deficientes, como a cidade é pequena, onde todo mundo se conhece é mais fácil ajudar.
Existe também o outro lado do cadeirante que acha que não precisa de ninguém, passei a maior vergonha em frente a um supermercado tentando ajudar um cadeirante sair do carro. Ficou uma onça comigo.
Mas, não é por poucos que deixei de ajudar os outros.
Acho que o governo precisa rever essas leis que só beneficiam a eles próprios.
Desculpa o desabafo
Sou meio subversiva.
Beijos
Lua Singular
Sonia Dezute, comungo com você em todas suas necessidades, inclusive não encontro eco em nossos pares, ao procurar apoio e união.
No entanto, devagar, bem devagarinho, procuro conscientizar a comunidade de que a questão da acessibilidade deve ser uma realidade respeitada e não para “inglês ver”, ou, melhor dizendo, não apenas para apresentar aos órgãos do poder público as licenças e os alvarás exigidos para funcionamento, como faz a maioria dos empresários. Em muitas lojas existem rampas, mas são bloqueadas por produtos e outros empecilhos. Na minha opinião, me sinto mais ofendida ainda.
E o que dizer dos banheiros (ditos) acessíveis? Muitos são trancados a sete chaves e quando precisamos usá-los é um corre-corre, finalizando, quase sempre, com o sumiço da chave pelo zelador. Já vivenciei situação como essa.
É um trabalho de formiguinha, que está ganhando espaço e respeito. É lento, mas os resultados positivos estão aparecendo.
Gostei muito do seu texto.
Amiga Iracema, muitíssimo grata pela atenção ao meu texto. Suas palavras são bem realistas. Tenho cinquenta e dois anos de idade e travo uma luta imbatível pela conscientização, tanto na educação quanto nos ambientes que convivo. São “passos” de tarturarugas ( se é que podemos chamar de passos)
mas nossa união é tudo. Essa comunhão é muito importante e os meios conclamar nosso segmento, hoje, está em nossas mãos. Bora luta!
Sonia, contate-me: iracemada@gmail.com
Podemos unir ideais… forças… conquistas.
Tenho 59 anos e tornei-me cadeirante em 2007. Também minha fala ficou comprometida.
Sou amputada e só tenho a perna direita. Tenho 2 filhos e 2 netos. Sou feliz na graça de Deus.
Sonia compartilho com você todas as necessidades, pois minha filha é cadeirante , hoje com 21 anos passa por todos estes obstáculos e também o descaso das nossas autoridades, mudei de SP na esperança de ter no interior mais respeito e uma vida mais acessível para minha filha, foi uma decepção nada muda, as pessoas só vão saber o que passamos quando sentirem na pele, mas, te confesso estou cansada de brigar, falar, tentar explicar nossas necessidades aos outros e me sinto impotente diante do descaso, em todos os sentidos, pois percebi que regras são só para minoria, pois a maioria das pessoas fazem o que bem entendem e tudo em nosso país acaba em pizza. Um abraço! Este foi um desabafo de uma mãe cansada de lutar sem resultados.
Boa tarde, Iracema. Um absurdo totalmente verdadeiro o que você relatou no seu brilhante texto.
São raras as escolas, universidades que têm rampas, farmácias, enfim, tudo o que é preciso para o cadeirante usufruir de uma vida normal como quem não é e que você expressou muito bem.
Não creio que todos farão eco, pois é mais fácil reclamar, se acomodar, do que buscar soluções.Sinceramente eu lamento.
A situação é muito complicada, mas os órgãos públicos fazem-se de cego, mudo e surdo, mas a classe tem de continuar a lutar bravamente.
Todos temos direitos, mas imagino que não deva ser fácil fazer uso deles!
Boa sorte na sua luta, que deveria ser a de todos!
Beijos na alma e fique na paz!