Deficientes intelectuais são invisíveis em suas próprias universidades
Panorama na Bahia: das seis instituições analisadas, apenas a Uneb reconhece pelo menos um estudante com esta necessidade especial
Invisíveis. Assim são pessoas com deficiência intelectual no ensino superior na Bahia. Em busca de um panorama da inclusão de pessoas com necessidades especiais no estado, nossa reportagem apurou que a maioria das principais universidades sequer reconhece a presença destes estudantes em seus corpos discentes. Algumas ainda nem possuem uma mecanismo oficial no ato de matrícula para que os alunos se identifiquem enquanto pessoas com deficiência intelectual.
Em âmbito federal, o principal estudo que relaciona alunos a partir de suas deficiências e instituições de ensino é o Censo da Educação Superior, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC). A pesquisa é realizada anualmente com o apoio das faculdades e universidades, que informam ao MEC dados relativos aos seus cursos de graduação, professores e alunato.
A edição mais recente do estudo promove um raio-x nos dados referentes ao ano de 2011 e indica a existência de 435 pessoas nestas condições matriculadas em cursos de graduação no país. A Bahia, que é o terceiro estado em números absolutos de pessoas com deficiência mental (211.402, segundo o IBGE), tem apenas 19 desses estudantes. Destes, somente cinco conseguiram aprovação em uma universidade pública – nenhum deles em uma instituição federal.
Apesar dos números ainda serem irrisórios, eles já representam uma mudança importante no quadro do ensino superior baiano. No estudo de 2009, o estado contava com apenas cinco pessoas com necessidades especiais intelectuais matriculadas em cursos de graduação.
Os Censos do Ensino Superior também revelam um dado inédito: entre 2009 e 2011, três pessoas com deficiência intelectual se formaram no Brasil: todas em faculdades privadas.
Apesar da riqueza de detalhes do Censo federal, a realidade por aqui é bastante diversa. É praticamente impossível levantar os mesmos dados junto às pró-reitorias responsáveis por prestar atendimento aos estudantes e garantir a permanência dos mesmos nos cursos de graduação. Como resultado disso, os alunos em questão correm o risco de serem desconsiderados em ações afirmativas em suas instituições de ensino.
Cenário estadual
Na Bahia, onde cerca de 1,5% da população possui algum tipo de deficiência intelectual, é impossível precisar o número absoluto de estudantes do tipo. Numa tentativa de mapear parte deste panorama, nossa reportagem procurou as principais universidades públicas da Bahia e se deparou com uma realidade pouco animadora.
Das sete maiores instituições de ensino superior da Bahia, apenas uma conseguiu confirmar a existência de pelo menos um estudante portador deste tipo de necessidade especial – e a descoberta só foi feita a partir de uma estimativa não-oficial. Isso porque a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Praes) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) realizou inscrições para o seu programa de bolsas-auxílio e, durante o processo, um aluno se qualificou como deficiente intelectual.
Apesar disso, nem a Uneb e nem a Universidade Federal da Bahia (Ufba) possuem mecanismos oficiais que contribuam para o registro e o reconhecimento destas pessoas. É o que denuncia a pesquisadora Jaciete Barbosa dos Santos. “Na Ufba e na Uneb, você tem a identificação de estudantes com deficiências física, auditiva e visual. Mas a intelectual, os transtornos das áreas de desenvolvimento e as necessidades educacionais especiais não são identificadas institucionalmente”, afirma ela, que é doutora em Educação pela Uneb e hoje trabalha como professora na mesma instituição, coordenando o grupo de pesquisa em Inclusão e Sociedade.
Questionada pela reportagem sobre a existência de alunos especiais no seu corpo discente, a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae) da Ufba afirmou que desconhece estudantes que se enquadrem nesta classificação, mas que oferece suporte a alunos com sofrimento mental. Isto é, com condições específicas que são adquiridas no decorrer da vida, como esquizofrenia e a paranóia.
Já a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), que foi criada em 2005 a partir da Escola de Agronomia da Ufba, parece ter herdado e crescido com os mesmos vícios. Informações do Núcleo de Políticas de Inclusão da Pró-Reitoria de Graduação não dão conta de nenhum estudante com deficiência intelecual. São atendidos dez alunos, com as seguintes necessidades especiais: cegueira, surdez, baixa visão, deficiência física e auditiva.
A situação é similar na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), onde o Setor de Atendimento Educacional Especializado presta serviços a cinco pessoas com diferentes tipos de deficiência: cegueira, baixa visão, paralisia cerebral, dislexia e surdez. Responsável pela área, em que trabalha desde 2008, a ledora e transcritora Meire Lúcia até hoje não conheceu nenhum aluno com este tipo de necessidade e acredita que a educação básica é o entrave para o ingresso deles na universidade: “Falta ao estudante de déficit intelectual um trabalho nos ensinos fundamental e médio que, de certa forma, ‘segura’ o aluno”, afirma.
Na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), o Serviço de Atendimento Psicopedagógico da Unidade de Organização e Desenvolvimento Comunitário (Undec) afirma só ser procurado por alunos com “dificuldades leves de aprendizagem” e com problemas em disciplinas específicas. Já na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) é ainda mais complicado obter esse tipo de informação. Isso porque o Núcleo de Ações Inclusivas para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais atende apenas aos campi de Vitória da Conquista e Jequié e só repassou a informação referente ao primeiro campus: são 60 deficientes, nenhum deles com déficit intelectual. Já em Itapetinga, o apoio aos estudantes se dá através da Assessoria Acadêmica, que não foi encontrada para fornecer os dados.
A pesquisadora acredita que essa falta de esmero na coleta de dados tem relação direta com o preconceito que estes indivíduos sofrem na sociedade: “A deficiência intelectual inicialmente era chamada de deficiência mental e havia uma relação muito tênue entre ela e a loucura. Por conta disso, há uma resistência muito grande”, explica. “Por outro lado, tem também a questão do desenvolvimento cognitivo. Há um preconceito muito grande em considerar essa pessoa, porque ela tem dificuldade de aprender”, complementa, afirmando que acredita que estes universitários existem, mas que não são identificados pelas instituições.
Apesar das dificuldades encontradas para mapear os alunos, Barbosa afirma que não irá desistir. “Meu projeto agora é exatamente identificar estes estudantes”, pontua, informando que já preparou um questionário e agora busca apoio da reitoria da Uneb para aplicá-lo em todos os departamentos. “Uma outra iniciativa que estamos tentando é fazer com que conste na própria ficha de matrícula esta informação, para o aluno se identificar, como no Enem”.
Fonte: http://www.correio24horas.com.br/