Soluções simples dão segurança a deficientes visuais em Londres
Sou repórter da BBC Brasil, radicada em Londres há 20 anos. E tenho uma deficiência visual, sou portadora de uma síndrome congênita chamada Retinose Pigmentar.
Em algumas situações, os efeitos da síndrome sobre a minha visão são menos graves.
Nesses momentos, é como se eu fosse uma pessoa com uma miopia muito forte que perdeu os óculos.
Não consigo ler placas, localizar objetos na prateleira do supermercado ou ler o valor total da conta do restaurante.
Mas há situações em que minha visão fica muito prejudicada. É o caso dos dias claros, com muito sol, ou em ambientes excessivamente iluminados.
O mundo se torna uma névoa esbranquiçada e sem definição. Não consigo ver degraus, subir ou descer das calçadas, ver postes e outros obstáculos, atravessar ruas com segurança.
Com suas calçadas bem acabadas e trânsito mais disciplinado, Londres já era mais acolhedora para pessoas com deficiências visuais quando aqui cheguei, há duas décadas.
Mas a cidade vem incorporando uma série de recursos tecnológicos e soluções simples que fazem uma diferença enorme na vida desse grupo.
A propósito, o termo “pessoa com deficiência visual”, convencionado pela ONU e ratificado por movimentos sociais mundiais, engloba cegos e pessoas com baixa visão – como eu.
Pisos táteis
Andar por uma cidade grande é um desafio diário para mim – a rua pode ser um lugar assustador e perigoso para quem não enxerga bem.
Protuberâncias arredondadas nos calçamentos avisam pedestre sobre proximidade da via.
Comecemos por algo simples, como a guia da calçada ou meio-fio. Ela se torna um problema para quem não consegue vê-la. Você pode tropeçar e quebrar o pé – como já aconteceu comigo.
E quando as calçadas são rebaixadas para facilitar o acesso – a cadeirantes, por exemplo – cria-se um outro problema, já que fica mais difícil, para quem tem uma deficiência visual, diferenciar calçada e rua.
No início, eu não sabia para quê serviam as protuberâncias arredondadas nos calçamentos londrinos.
Nas ruas brasileiras, são raras. Podem ser encontradas na Avenida Paulista ou nas imediações da Fundação Dorina Novill – ONG de suporte a pessoas com deficiências visuais, em São Paulo.
Hoje, sinto alívio quando piso nas calçadas táteis – como são chamadas. Elas me dizem para parar – porque tem uma rua na minha frente. E depois de cruzar a rua, me avisam que posso relaxar, porque já cheguei ao outro lado e estou em território seguro.
O conceito da calçada tátil pode ser levado ainda mais longe.
Em Tóquio, no Japão – país onde essa tecnologia foi inventada – existem faixas de pisos táteis no centro da calçada. Seguindo um princípio semelhante ao de ciclovias para ciclistas, são faixas para as pessoas com deficiências visuais, que andam sobre elas em segurança, sabendo que o caminho estará livre de obstáculos.
“Toda calçada em Tóquio tem faixas táteis pintadas em cor amarelo berrante (para que sejam facilmente identificáveis)”, disse à BBC Brasil Natalie Doig, representante do Royal National Institute of Blind People (RNIB), entidade que faz campanha pelos diretos de pessoas com deficiências visuais na Grã-Bretanha.
“As pessoas no Japão vivem mais tempo, por isso, existe mais gente com problemas de visão e uma atitude diferente por parte das população”, explicou.
Doig reconhece, no entanto, que a acessibilidade para pessoas com deficiência visual em Londres melhorou muito na última década.
Semáforos
Minimizar seu estresse e garantir sua segurança são parte da estratégia de sobrevivência para quem tem uma deficiência visual.
Cone giratório próximo ao semáforo indica quando o sinal está verde
Quando ando por Londres, escolho trajetos onde existem semáforos para que eu possa cruzar as ruas em segurança.
Mas em dias ensolarados, às vezes não consigo localizar o sinal para pedestres – com o homenzinho verde ou o vermelho.
Alguns semáforos emitem sons para indicar que é sua vez de atravessar, mas esses são menos comuns e, na minha experiência, muitas vezes deixam de funcionar.
Então, muitos sinais são dotados de um outro recurso: um cone giratório que é ativado quando o sinal fica verde para os pedestres.
A pessoa coloca a mão na parte de baixo de uma caixa instalada no poste do semáforo e localiza o cone.
Quando o cone começa a girar, o pedestre sabe que é sua vez de atravessar.
Simples e efetiva, a tecnologia foi desenvolvida por pesquisadores da University of Nottingham, Inglaterra, na década de 1980.
Metrô
O London Underground, o famoso metrô de Londres, está celebrando 150 anos de existência. Com 11 linhas diferentes e 270 estações, o sistema transporta mais de 4 milhões de pessoas por dia.
Todas as plataformas têm pisos táteis para orientar passageiros com deficiências visuais sobre a proximidade dos trilhos. Algumas, mais modernas, são vedadas por vidros e têm portas automáticas que só se abrem quando o trem está estacionado.
Metrô emprega pessoas que estão disponíveis para ajudar deficientes nos túneis
Na entrada, catracas amplas permitem o acesso a passageiros acompanhados de cães guias.
A sinalização visual é feita com cores contrastantes e há mapas disponíveis em braille e em letras grandes.
Ainda assim, pessoas com deficiências visuais podem ter dificuldade em achar a direção nesse labirinto. Então o Underground oferece um serviço personalizado para todos os passageiros com deficiências.
Basta solicitar assistência no portão de entrada. Um funcionário do metrô acompanhará o passageiro até o trem e avisará um colega na estação de destino.
Normalmente, quando o passageiro chega à outra estação, encontra alguém esperando por ele. De lá, será acompanhado até a saída ou até seu próximo trem.
“Somos treinados para lidar com as necessidades de cada um”, disse à BBC Brasil o lituano Andreas Zinkevicius, da equipe do London Underground.
O especialista da BBC em deficiência e inclusão, Peter White, que é cego, reservou um elogio especial a esse serviço, por sua flexibilidade.
Funcionários são treinados para não ter expectativas preconcebidas sobre pessoas com deficiências e oferecem assistência sob medida, de acordo com cada caso.
Ônibus
O London Buses, serviço de ônibus londrino, transporta 6,4 milhões de passageiros em dias úteis.
Em princípio, você não precisa acenar para o ônibus. Motoristas são orientados a parar sempre que houver pessoas no ponto. Passageiros com deficiências visuais às vezes carregam uma bengala branca – símbolo que indica que o portador tem problemas de visão. Isso ajuda a alertar o motorista.
Não uso bengala. Às vezes, não consigo ver a placa com o destino do ônibus, então pergunto ao motorista.
Uma vez dentro do veículo, no entanto, posso relaxar.
Porque quando se fala em tecnologias melhorando as vidas das pessoas com deficiências visuais em Londres, é no serviço de ônibus que se notam as maiores mudanças.
Londres incorporou tecnologias e soluções simples para melhorar vida de deficientes visuais
Desde 2009, os cerca de 7.500 ônibus que servem a Grande Londres foram equipados com sistemas de localização que anunciam ao passageiro o destino final da jornada e o nome de cada parada.
O recurso transformou minha experiência como passageira: não perco mais o ponto por não saber onde estou.
Conscientização
Recursos como esses fazem de Londres uma cidade incrivelmente receptiva para quem tem uma deficiência visual, mas vale lembrar que às vezes as tecnologias – e os homens – falham.
Há pessoas que reclamam dos constantes anúncios das paradas em ônibus e trens, dizendo que perturbam o silêncio e incomodam.
Também houve casos de administrações regionais de bairro que se recusaram a instalar pisos táteis por razões de estética.
E mesmo em Londres, famosa por seu espírito liberal, onde convivem pessoas com os visuais mais excêntricos, ainda tem gente que comenta quando eu passo, em dias cinzentos e chuvosos, de chapéu e óculos escuros – meu kit de sobrevivência.
Para Natalie Doig, do RNIB, a cidade perfeita em termos de acessibilidade é Tóquio, com suas faixas táteis nas calçadas e lojas que emitem sons – jingles personalizados – para que clientes com deficiências visuais possam localizá-las.
No entanto, para mim, Londres já oferece um modelo incrível.
Não tenho dúvidas de que a qualidade de vida dos mais de 6 milhões de brasileiros com deficiências visuais seria transformada se o Brasil investisse em alguns dos recursos disponíveis em cidades como Tóquio e Londres.
Mas de certa forma, resolver a tecnologia pode ser mais fácil.
Ajudar a sociedade a entender a experiência de quem tem uma deficiência visual, isso sim, é tarefa para muitas gerações.
Fonte: Mônica Vasconcelos, BBC Brasil em Londres