Pai retrata em quadrinhos o cotidiano do filho com síndrome de Down
O editor de arte Flavio Soares, 40, transformou seu filho Logan, 8, em personagem de quadrinhos para mostrar o lado bom da síndrome de Down. Criou o blog “A Vida com Logan“, onde publica tiras. O site inspirou um livro homônimo (Panda Books, 40 págs., R$ 29,90). Agora, arrecada recursos no Catarse (catarse.me/pt/avidacomlogan ) para lançar outro livro, com 30 tiras inéditas.
Só soubemos que o Logan tinha síndrome de Down depois que ele nasceu. Foi um parto complicado. Eu fiquei na recepção do hospital por horas sem saber o que estava acontecendo, até que veio uma médica, colocou a mão no meu ombro e disse: “O senhor me desculpe se eu estiver enganada, mas o seu filho tem síndrome de Down”.
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Foi como se abrisse um buraco no chão. Eu não sabia nada sobre o assunto, mas, pelo tom de voz da médica, parecia que era algo ruim.
Voltei para casa, fui pesquisar na internet e só encontrei histórias tristes, uma pior do que a outra. Eu não sabia o que fazer e, de cara, tive uma rejeição muito grande.
No terceiro dia, quando o Logan já estava no quarto, ele segurou meu dedo, apertou forte, coisa que disseram que ele não faria. Isso “virou uma chave” na minha cabeça.
Todo mundo diz que tem uma fase de luto, o meu luto durou três dias e nada mais.
O Logan não nasceu com complicações, os exames deram todos normais. Ele era um bebê como os outros, dava o mesmo trabalho –pedia colo, queria mamar. Nosso dia a dia não combinava com as histórias tristes que eu lia. Tinha um outro lado.
Então decidi criar o blog, quando ele tinha seis meses. No começo, eram só textos. A ideia era que quem caísse lá visse que não é o fim do mundo, sua vida não acaba. Pelo contrário, virei uma pessoa melhor depois do Logan.
Com seis meses ele já começou a fazer fisioterapia. Com um ano, passou a fazer fonoaudiologia e teve que abandonar algumas vezes, porque a gente não conseguia bancar. Conseguir liberação dessas coisas no plano de saúde é quase impossível.
Ele foi para a escola com seis meses. Foi quando começou a imitar as outras crianças e teve saltos de desenvolvimento, foi ótimo.
Quando ele tinha um ano, eu me separei da minha ex-mulher. O Logan mora com ela, mas dividimos a guarda.
DOS QUADRINHOS
Todo mundo pergunta por que ele chama Logan. Eu brinco: é porque eu adoro os carros da Renault e Sandero ia ficar esquisito.
Pensam que é por causa do Wolverine (personagem de quadrinhos). Não, é por causa de um filme muito nerd, que chama “Fuga no Século 23” (“Logan’s Run”).
Comecei a fazer as tirinhas e publicar toda semana no blog há quase cinco anos. Foi um outro jeito que encontrei de contar as histórias de uma forma divertida.
Eu poderia fazer uma coisa mais trágica, mas se eu fizesse isso não seria honesto. A realidade é mais engraçada do que trágica.
As tiras alavancaram o blog (hoje tem de 3.000 a 5.000 acessos mensais) e chamaram a atenção para os outros textos, para a parte séria.
Depois surgiu a ideia do livro (lançado em julho), que foi inspirado nas tiras. É uma história independente sobre o Logan na escola e um pai preconceituoso. Não aconteceu com o meu filho, mas com um amigo meu.
O Logan nunca sofreu preconceito, pelo que eu sei. Ele sempre estudou em escola regular. Tem oito anos e está no segundo ano. Já lê e escreve algumas coisas. Tirando a questão da fala, que é enrolada ainda, a vida escolar dele é normal. Ele conhece todo mundo, é sociável, dá “oi” até para poste.
Tenta burlar as regras como qualquer criança e leva bronca do mesmo jeito. Ele sempre foi um “sacaninha”, faz as coisas para provocar e depois dá risada.
Ele ainda não sabe que tem down. Mas sabe do livro e das tiras, reconhece os personagens, deu até autógrafos.
Nem tudo é fácil. Tem o senso comum, as pessoas que olham torto, que fazem uma cara de pena, mais por desconhecimento. Dizem: “Ah, são eternas crianças”.
Não, não são. Eles têm hormônios, quando chegar na adolescência vai ser um inferno.
A cada dia acontecem coisas novas. Mas é da mesma forma com o Max, 3, meu filho do segundo casamento. São crianças crescendo, cada uma do seu jeito.
Quando me perguntam como agir com ele, eu digo: faça como você faria com outra criança. Tem dado certo.