Deficiência Física

Tetraplégico que fez campanha por tratamento nos EUA embarca em dezembro

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Esta história tem ingredientes de pura ironia. E de como a vida, com a intensidade de um sopro, pode mudar sempre. E às vezes de forma devastadora. Num dia de 2005, uma amiga dos tempos de adolescência ligou para ele. Havia anos não se viam. Contou-lhe que tinha sofrido um acidente de carro e ficara tetraplégica. Estava numa cadeira de rodas e queria voltar a estudar. Ela soube que o amigo, agora com 22 anos, fazia jornalismo. A amiga lhe confidenciou que também queria muito retomar os estudos. Relatou as dificuldades que encontrava todo dia no mundo não feito pra gente que anda em cadeira de rodas.

O amigo ouviu atentamente a história da amiga. Prometeu ajudá-la. Verificou as dependências da faculdade onde estudava. Certificou-se de que ali havia espaço para uma pessoa que não consegue andar com as próprias pernas. Depois de ter certeza de tudo, ligou para a amiga e lhe disse: “Pode vir, aqui todo mundo vai recebê-la bem”. Ela foi. E ele a ajudou muito, empurrando a cadeira de rodas, nas tarefas do curso e na confiança e coragem que lhe transmitia.

A vida segue, como seguiu a cadeira de rodas da menina tentando ser aceita onde quase tudo é “perfeito”. Copa do Mundo de 2006. Brasília e Austrália se enfrentam. Amigos se reúnem no Lago Sul, na casa de um deles. Eram 20 pessoas. Combinaram um churrasco. Estavam todos lá, inclusive a mãe e a avó do dono da casa.

A casa era antiga conhecida do rapaz que ajudou a amiga paraplégica a chegar à faculdade. Ele a frequentava havia anos. O dia estava meio quente. As pessoas chegavam para o churrasco. O rapaz pensou: “Vou cair na piscina”. Competidor de campeonatos no clube, nadar era uma de suas habilidades. Ele mergulhou. Nadou um pouco. Chamou os amigos, mas ninguém quis ir. Sem companhia, ele resolveu sair. O jogo iria começar.

Antes da partida se iniciar, algumas pessoas resolveram, de uma hora para outra, cair na piscina. O rapaz, que já havia calçado o tênis, resolveu dar mais um mergulho. Não havia bebido sequer uma lata de cerveja. Esperou primeiro almoçar. E lá se foi, para o último salto que daria em uma piscina. Bateu a cabeça no fundo. Não desmaiou. A cabeça sangrava. Saiu dali sem mover braços e pernas. Só o pescoço, sem força, se mexia. O rapaz estava tetraplégico.

Correria na casa do Lago Sul. A mãe do dono da casa, médica, fez os primeiros socorros. Chamaram o Corpo de Bombeiros. Colocaram-lhe um cordão cervical e o levaram para a ambulância. Chegaram ao Hospital de Base. Os pais já o esperavam na porta da emergência. Exames revelaram: a lesão medular, gravíssima, foi à altura da vértebra C5. Ficou ali por quatro dias, esperando a cirurgia.

Do HBDF, o rapaz foi transferido para o Hospital Sarah, da Asa Sul, para começar a reabilitação. Foram longos oito meses de internação — entre a unidade da Asa Sul e a do Lago Norte. Ele aprendeu a viver em cima de uma cadeira de rodas, como a amiga a quem ajudara um ano antes.

Em fevereiro deste ano (ver fac-símile), o Correio contou com exclusividade a história de Fábio Grando, 26 anos, e a luta dele para chegar aos Estados Unidos, onde tentava uma vaga no Project Walk — tratamento criado por um fisioterapeuta americano, que se baseia na repetição dos movimentos e no método de pilates. Dependente para as tarefas mais simples, como tomar água, Fábio não consegue sequer mexer as mãos. Precisa de ajuda para se sentar ou sair da cadeira de rodas, para o banho, a higiene íntima e até mesmo para pentear os cabelos.

Infarto
Naquele 2006, a família foi testada de todas as formas. O estresse a que a mãe se submeteu com o drama do filho a levou a pagar com a própria saúde. Nutricionista, Solange Grande contava 40 anos naquele junho. Esbanjava saúde perfeita. Numa tarde, ao lado da cama do filho, no Hospital Sarah da Asa Sul, ela sentiu um mal súbito. Ainda lhe disse que não estava bem. Achou que fosse cansaço.

Sentou-se na cadeira ao lado. E ali desmaiou. Fábio ouviu o barulho. Não viu porque não conseguia mexer o pescoço. E não conseguia gritar. A acompanhante de um paciente ao lado gritou. Chamou os médicos. Solange teve sete paradas cardíacas até ser levada para o Hospital do Coração (Incor), onde ficou internada. Os médicos até hoje se espantam como ela sobreviveu.

Quatro anos depois do maior drama de sua vida, Fábio finalmente vai embarcar para San Diego, na Califórnia. A reportagem do Correio despertou uma corrente de solidariedade em Brasília e fora daqui. Pouco a pouco, as doações chegaram. “Um homem bem humilde me ligou e disse que tinha lido minha história e ia me ajudar. Disse que tinha depositado R$ 15”, conta Fábio, emocionado.

Horas depois, o mesmo homem ligou e pediu desculpas. “Ele disse que tinha conseguido depositar mais R$ 5. Aquilo foi uma das coisas que mais me marcaram nessa campanha”, reconhece. De cinco em cinco reais, o dinheiro foi se somando. Amigos realizaram festas, festival de tortas, sorteios de camisa da Seleção Brasileira, de bolsa e de um relógio.

A Biblioteca Demonstrativa de Brasília abriu suas portas para um show beneficente. Cada um dava o que queria. Os grandes nomes da música de Brasília toparam na hora cantar pela causa. Foi um sucesso. O local lotou. “Juntamos R$ 2.990”, diz Solange. A Fundação Maria Cláudia pela Paz também se engajou na luta. A população de Guaporé (RS), cidadezinha natal dos pais de Fábio de apenas 20 mil habitantes, se engajou na luta.

A campanha Bora, Fabito arrecadou R$ 104 mil. Faltam ainda R$ 6 mil, para completar os contados e recontados R$ 110 mil, orçados para a estada de seis meses em San Diego, o tratamento no Project Walk e as despesas com passagens. “A gente nem acredita que conseguiu tudo isso. O que falta, vamos atrás”, torce Fábio.

Visto
Hora de tirar os passaportes e as passagens. Como a mãe não consegue cuidar sozinha de Fábio, sobretudo depois do infarto, decidiram que a namorada dele, Juliana Matoso, 22 anos, com quem começou a se relacionar depois da pior tragédia de sua vida, iria junto. Ela trancaria a faculdade de direito e seguiria. Teve o visto negado pela embaixada americana três vezes.

Fábio insistiu, levou laudos atestando que precisava de ajuda, que a mãe não suportaria carregá-lo sozinha — só para tirá-lo da cama para a cadeira, são necessárias duas pessoas. Nada convenceu. Fábio chorou. Quase desiste da viagem. Éder Grando, 47 anos, o pai, jurou que o filho embarcaria. Nem que pra isso tivesse que vender o restaurante self-service que tem no Sudoeste e fosse junto. Colocou-o à venda. Arriscou tudo.

Uma solução melhor foi acertada. O irmão mais novo de Fábio, Leonardo, 13 anos, irá junto. Deixará o colégio no ano que vem, onde cursaria o 9º ano, para ajudar o irmão mais velho que lhe ensinou a jogar futebol e o levava para o cinema no carro segunda mão que comprara em 36 prestações, antes do acidente. Com visto apenas de turista, Leonardo sequer poderá frequentar a escola, mas, para ajudar o irmão, diz que não se arrependerá.

Fábio tem certeza de que não voltará andando. “Não tenho a ilusão de que vou andar, dar piruetas, mas quero pelo menos voltar com mais independência, com mais força nos braços, mexendo as mãos, para ter autonomia pra fazer a transfe
rência da cama para a cadeira. Isso me permitirá deixar minha mãe, meu irmão, meu pai mais livres e eu posso até voltar a trabalhar”, explica o jornalista que, na época do acidente, trabalhava e pagava a faculdade.

Quatorze de dezembro, 23h55. Um avião da Delta Airlines decolará com destino a San Diego. Juntos, Fábio, a mãe, o pai (que apenas os deixará lá) e o irmão. O rapaz que não anda tentará mexer as mãos, pouco, tão pouco para quem nunca se sentou numa cadeira de rodas. Muito, demais, para alguém que quer pelo menos poder vestir a própria camisa.

Antes do acidente, Fábio um dia viu um rapaz numa cadeira de rodas. Disse à mãe: “Se algum dia eu ficar assim, mãe, não me deixe viver. Eu não vou ser capaz de suportar isso”. Num pulo mal dado na piscina, ele nunca mais andou. Teve que conviver e suportar a limitação. Sem mexer mãos, pernas e braços, aprendeu a melhor das lições: reinventou-se. Só quem consegue se reinventar é capaz de renascer. Por isso, Fábio já merecia estar nesse avião.

SOLIDARIEDADE
Se você deseja ajudar Fábio na quantia que falta para embarcar, pode ligar para 9984-1903 ou acessar http://fabiogrando.blogspot.com/

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/  (01/10/2010)

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

4 comentários sobre “Tetraplégico que fez campanha por tratamento nos EUA embarca em dezembro

  • VERA…
    UFA!!! NÃO SEI SE CHORO MAIS OU DOU RISADA..
    QUE HISTÓRIA COMOVENTE….
    TUDO DARÁ CERTO PRA ELE SIM, ELE VAI CONSEGUIR EMBARACAR E VOLTAR COM MAIS LIBERDADE DE MOVIMENTOS. TENHO FÉ EM DEUS , POIS PRA ELE NADA É IMPOSSIVÉL.
    BJUIVOS NO SEU CORAÇÃO.
    TEM NUMERO DE CONTA CORRENTE PARA PODER AJUDAR???
    PRA MIM É MAIS FÁCIL POIS POSSO FAZER TRANSFERENCIA PELO TELEFONE…
    SE TIVER POR FAVOR ME AVISA, TÁ??
    LINDA SEMANA PRA VC QUERIDA.

    Resposta
  • Olá Val!
    Verdade, esta história é muito comovente!

    O dados da conta corrente são:
    BANCO DO BRASIL
    AGÊNCIA: 3596-3 C.C. 9411-0
    FÁBIO GRANDO – C.P.F. 952.076.781-91

    Beijos, querida!

    Resposta
  • Oi,
    Gostaria de saber como está esse rapaz que viajou para o exterior a fim de se cuidar. Hoouve algum progresso? Espero que ele tenho conseguido atingir seus objetivos.
    Bem… Sou deficiente visual e acabei por aceitar o apelido de Ceguinha. Até o uso como pseudônimo já que sou uma escritora amadora. Não me importo com o apelido e nem se apontam para mim. O que machuca um pouco é o fato de ter de pedir ajuda na rua para que alguém faça sinal para um determinado ônibus e a pessoa, aproveitando do fato de estar falando com alguém que não a enxerga, sair de perto só para não se sentir pressionada a ajudar. Ou quando a pessoa se oferece para ajudar a vai embora sem dizer nada. Acho que uma grande quantidade de pessoas é terrível na hora de estender a mão para ajudar alguém!
    Um abraço da Ceguinha

    Resposta

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