Filhos muito especiais
Descobrir que o seu filho tem uma deficiência abala e assusta os pais. Nestes relatos, mães, pais e irmãos confessam que se descobriram capazes de enfrentar qualquer dificuldade.
Ana Helena em festa de aniversário.
Fora da zona de conforto
A psicóloga Ana Clarice Steinmatz de Faria, 47 anos, e o marido, o professor de filosofia Paulo Sérgio, 43, descobriram a síndrome de Down de Ana Helena, que hoje tem 3 anos e meio, no nascimento. “Ela nasceu com o pálato posterior aberto e com um sopro no coração”, lembra a mãe.
“O que mais mudou foi a nossa percepção das coisas. Tivemos que sair da nossa zona de conforto. Hoje somos mais pacientes, compreensivos e mesmo vivendo em uma sociedade que exige resultados a curto prazo, aprendemos a respeitar mais o tempo”, reflete o pai.
Os primeiros meses de Ana Helena não foram fáceis. Ela ficava doente com facilidade e com apenas 1 ano e dois meses teve que se submeter a uma cirurgia cardíaca.
O primeiro passo do casal, que tem outro filho, Paulo Matias, de 5 anos, foi buscar orientação. Procuraram a Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (FEPE) e a APAE e aprenderam que a estimulação precoce é o mais indicado principalmente para crianças que foram submetidas à cirurgia. “No começo, não percebíamos a evolução, mas aprendemos que a criança com Down tem um tempo diferente, um ritmo próprio”, explica o pai.
O pequeno Guilherme, de 11 meses, com os pais Daniel e Áurea.
Pequeno tesouro
O casal de engenheiros civis Áurea e Daniel Marqueño, de 40 e 31 anos, descobriram que o pequeno Guilherme teria síndrome de Down durante o quinto mês de gravidez. Já haviam indícios anteriores, mas confirmaram as suspeitas através de um teste genético. “Ficamos tristes, mas em seguida começamos a pesquisar mais sobre a síndrome e procuramos entidades onde poderíamos buscar apoio como a APAE e a Reviver Down”, conta a mãe.
Guilherme, que hoje está com 11 meses, foi monitorado durante toda a gravidez, mas nunca apresentou nenhuma cardiopatia ou outro problema de saúde, nem mesmo após o nascimento. O bebê começou a fazer sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional com 15 dias de vida. Atualmente faz musicoterapia e hidroterapia.
Os pais contam que Guilherme está sempre muito alegre e risonho e que mudou a maneira deles encararem a vida. “Por sermos engenheiros, sempre fomos muito cartesianos e metódicos. Eu, por exemplo, só pensava em trabalhar. Ele amoleceu o nosso coração, hoje só conseguimos pensar no nosso tesourinho”, explica Daniel.
Áurea e Daniel estão tranqüilos em relação ao futuro do filho. “Tudo que é desconhecido parece um grande problema, mas o Guilherme nos surpreende a cada dia. Acho que ganhamos na loteria. Não trocaríamos o Guilherme por nada neste mundo.”
As coisas simples da vida
“Gabriel é meu exercício diário de paciência. Suas limitações me ajudam a compreender melhor o mundo que nos cerca, ter mais respeito, me ensina dedicação e abnegação. Ver o mundo pelos olhos do Gabi me mostrou coisas que eu não tinha mais tempo para ver, coisas simples que estão aí, mas que a correria do dia-a-dia acabam fazendo passar em branco. Ele me ensinou que as pequenas coisas são aquelas que valem mais a pena.
Ele não é um autista clássico, tipo Rain Man. Pelo contrário, é daqueles superagitados, que estão sempre pulando, subindo em tudo e dando gritinhos de felicidade. Ele também é extremamente ‘sedutor’ e faz altas chantagens emocionais – autistas também têm emoções, mas nem sempre conseguem demonstrá-las.
Os momentos mais inesquecíveis são aqueles em que ele me olha nos olhos fixamente, me abraça, me dá um beijo.
Encontrar outras famílias que passavam pelo mesmo problema me ajudou a perceber que o diagnóstico não foi o fim, mas o começo de uma nova trajetória com meu filho, na qual eu tenho muito mais a aprender do que a ensinar.
Gabriel estuda hoje no Centro Conviver, a entidade mais conceituada para tratamento de autismo aqui em Curitiba, e recebe o melhor acompanhamento profissional, mas mostrar que ele é amado, incentivar sempre, ficar feliz com cada vitória dele é o melhor tratamento que ele pode receber.
Todos costumam me chamar de supermãe, mas não vejo assim, acho que qualquer mãe faria o mesmo se o seu filho precisasse.”
Simone Zelner, 33 anos, nutricionista, é mãe de Gabriel, que tem 5 anos e é autista. Para saber mais sobre a sua história, visite os blogs simonezelner.blogspot.com e www.novoblogdogabi.blogspot.com
Por que ela e não eu?
Por causa de um acidente de carro, a educadora Mirella Prosdócimo, 33 anos, ficou tetraplégica. “Acho que nesta situação toda mãe e todo pai se pergunta: ‘Por que aconteceu com ela e não comigo?’ Mas o mais importante era ela estar viva”, conta a mãe Silvia Withers Leite Ribeiro, 60.
A família acabou superprotegendo a jovem que só voltou a estudar dez anos depois. “Admito que criei uma redoma em volta dela, pois não queria a ver sofrendo mais. Os meus outros três filhos tiveram que convencer a mim e a Mirella de que já era hora dela voltar a enfrentar o mundo.”
A vida de Mirella mudou completamente depois que ela entrou para a faculdade e principalmente depois que a mãe se casou novamente e mudou para o Rio de Janeiro. “Ela ficou preocupada, mas eu disse a ela que sempre quis morar sozinha. Além disso, quem é que não quer ver a mãe feliz e realizada?”, questiona a filha.
Hoje Mirella cuida da própria casa e também dos negócios. Especializou-se em educação especial e inclusão nos Estados Unidos e abriu com a terapeuta ocupacional Fernanda Cândido Monteiro, a Adaptare Consultoria, uma empresa que atua na área de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. “A noite da inauguração foi um dos momentos mais especiais para mim. O seu discurso foi emocionante. Mirella tem um espírito fantástico. É sempre otimista e bem humorada”, elogia a mãe.
Mirella conta que após o acidente, a família ficou muito mais unida. “Encaramos a vida de forma mais leve. Coisas pequenas não nos abalam mais. Acho que o destino escolhe quem são as pessoas que conseguem administrar bem esse tipo de situação.”
Aprendizagem
A psicóloga Ana Clarice Steinmatz de Faria explica que afeto e atenção são muito importantes para motivar o desenvolvimento de um filho com necessidades especiais, mas que como para qualquer criança, impor limites também é necessário.
A fonoaudióloga Josiane Bibas, diretora da Associação Reviver Down, diz que tudo começa com a aceitação e o respeito aos ritos diferentes do filho. Também é importante dar um sentido à educação. “É preciso pensar sempre em preparar o filho para a autonomia, para alcançar seu máximo potencial. E ter em mente o direito à inclusão. Seu filho pode estar com outras crianças em todas as situações: na família, escola, trabalho e na comunidade.”
A pequena Victoria com os pais Richard e Maria de Fátima.
O dia de Victoria
“Aprendemos que Victoria é uma menina adorável e capaz de grandes conquistas se todos derem a atenção e o amor que ela merece. Ela nunca vai nos desapontar, pois é como se ela fosse uma tela em branco, não criamos nenhuma expectativa. Tudo o que ela consegue realizar é um bônus. Acho que todos os pais deveriam pensar assim. Não deveriam criar expectativas irreais para os seus filhos.
Descobrimos que a Victoria tinha síndrome de Down quando ela nasceu. Foi um choque para todos, mas enquanto Maria de Fátima ainda estava no hospital, tentei descobrir tudo sobre a síndrome na internet. Achei a informação muito confusa e na época também descobri que não existia nenhuma rede oficial de apoio em Londres. As pessoas com quem eu conversei no telefone moravam em outras cidades e no começo nos sentimos muito sozinhos. Conseguimos nos reunir com outros seis casais que tinham filhos com síndrome de Down e criamos o Grupo de Apoio a Síndrome de Down de Londres, que hoje conta com 450 membros.
A Victoria tem sido estimulada desde os três meses de idade através de sessões de fisioterapia, osteopatia craniana e musicoterapia. Ela vai a uma escola primária regular e conta com o acompanhamento de uma assistente pedagógica em tempo integral na sala de aula. Depois da aula, ela ainda faz balé, teatro, natação e sessões de massagem, atividades que a fazem interagir com pessoas diferentes. Todos elogiam as suas habilidades sociais, o que para nós é muito satisfatório, pois acreditamos que elas sejam até mais importantes para a sua vida no futuro do que as habilidade acadêmicas.”
Os fotógrafos Richard Davis e Maria de Fátima Campos, ambos de 50, são pais de Victoria, 7, que tem síndrome de Down. Maria de Fátima é paranaense, mas vive em Londres há 10 anos.
Aprendendo a ser feliz
“O Martin está sempre bem humorado, com um largo sorriso no rosto, e ensinou toda a nossa família a ser mais feliz. Antes de ele nascer, nunca tínhamos olhado para uma pessoa especial. Aprendemos a ser mais humildes e a valorizar as pessoas e todas as suas conquistas. Agora que está na adolescência, sinto ainda mais orgulho dele, que está aprendendo a ser mais autônomo, a tomar a iniciativa e a defender o próprio espaço.
Descobri que o Martin tinha síndrome de Down logo após o parto. Eu tinha 28 anos e eu não sabia nada sobre a doença. Pensei que ele não fosse conseguir andar e nem falar. A primeira providência que tomamos foi levá-lo ao neurologista que nos explicou a situação e sugeriu que fôssemos à APAE. Foi lá que descobri que Down não era nada do que eu estava imaginando e que o Martin poderia ter uma vida normal como qualquer outra criança. Tudo ficou mais leve, mais fácil e mais tranqüilo.
Quando Martin tinha 2 anos e 8 meses, nasceu a Marcela. No começo, ele pensava que ela era uma boneca, mas hoje eles são muito unidos. Um cuida do outro. A Marcela o ajuda a fazer a lição de casa e no colégio defende os direitos do irmão quando é preciso. “
Suzete Bontorin Oronoz, 43 anos, educadora, é mãe de Martin Oronoz Filho, 13 anos.
Fonte: Gazeta do Povo / Viver Bem