Preconceito Diário
Portadora de deficiência Miriam Almeida relata problemas que enfrenta diariamente no uso do transporte coletivo
As dificuldades de Miriam Maria Fonseca Almeida, piracicabana de 35 anos, não se resumem aos obstáculos típicos de uma cidade sem estrutura adequada para dar suporte a pessoas como ela, portadoras de deficiência. Além da falta de guias, rampas e outros tipos de adaptações necessárias aos deficientes no ambiente urbano, Miriam enfrenta outro adversário presente no dia-a-dia de um portador de deficiência: o preconceito. Insatisfeita, ela resolveu desabafar sobre o problema, verificado com frequência no uso do transporte público.
Cadeirante por conta das complicações de uma poliomielite (a popular paralisia infantil), Miriam necessita fazer uso diário do transporte coletivo e, inúmeras vezes, é vítima de atitudes preconceituosas das pessoas, algumas vezes até de motoristas dos ônibus que ela faz uso. Moradora da região do Vila Industrial, Miriam usa de forma frequente os circulares para se locomover. A primeira dificuldade diz respeito à raridade dos coletivos adaptados para os portadores de deficiência.
“A quantidade de ônibus que passa pelos pontos é muito baixa. A gente precisa esperar muito para que algum passe pelo local”, diz. Quando enfim chega o veículo adaptado ao ponto de ônibus, eis que um novo problema surge. O adaptador que faz a subida dos cadeirantes ao veículo prescinde do auxílio dos motoristas. Segundo Miriam, a maioria dos profissionais não domina a forma correta de utilizar o aparelho. Isso quando os adaptadores funcionam. “Há alguns que nem estão mais funcionando e não têm como ser utilizados”, informa.
Por conta desse tipo de problema, a solução é entrar em um ônibus comum da linha circular. “Eu não tenho problemas para subir neste tipo de veículo, mesmo sem o adaptador. Só é preciso esperar pela ajuda de outros passageiros”, assinala Miriam. Ela desce da cadeira de rodas e necessita que alguém de dentro do ônibus desça e pegue a cadeira, levando o objeto para dentro do veículo. “As pessoas e o próprio motorista costumam dar essa ajuda”, informa. “Aí eu entro sozinha, de forma improvisada, mas dá certo”.
BOLETIM. O problema é que nem sempre os demais ajudam Miriam. Na semana passada, um desentendimento gerou até Boletim de Ocorrência. Miriam entrou em um ônibus sem adaptador. Mas, segundo ela, o motorista não queria deixar que entrasse no veículo. “Eu entrei em um ônibus na avenida Monsenhor Martinho Salgot e o motorista do ônibus da linha 1137 não queria me deixar andar no veículo. Ele dizia que aquele ônibus não era para mim, que eu tinha que entrar em um veículo com adaptador. Eu retruquei dizendo que poderia andar em qualquer tipo de ônibus. Era meu direito”.
O motorista seguiu proferindo xingametos e a discussão fez com que ela fosse à polícia registrar o BO e procurar pela imprensa para um desabafo. Sobre os motoristas dos ônibus, Miriam não generaliza a categoria arrisca dizer que “a impressão que dá é que muitos deles não sabem como proceder com as pessoas com deficiência, por isso fecham a cara, ficam de mau humor”. Na avaliação dela, os cadeirantes nos pontos de ônibus representam tempo adicional nas paradas, já que tanto a subida como a descida deles dos veículos demandam um tempo maior em relação aos demais.
LUGAR. Há ainda outro detalhe: se há passageiros que ajudam, há também aqueles que ficam no lugar reservado aos deficientes dentro do ônibus. A situação gera um incômodo difícil de ser solucionado, já que Miriam fica com vergonha de pedir por um lugar que lhe é de direito ao subir no veículo. “Dá a impressão que a gente está pedindo um favor, mas não é. Estamos só fazendo valer a lei”, destaca.
50 veículos adaptados
Em nota enviada à redação da Gazeta, o CCS (Centro de Comunicação Social) da prefeitura informa que a Semuttran (Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes) conta, na frota de ônibus para o transporte coletivo, com 50 veículos adaptados para deficientes visuais, cadeirantes e obesos. Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, a utilização destes veículos teve início em março de 2010, dentro da política da administração de renovação da frota e de ações inclusivas. Na primeira etapa foram adquiridos 26 veículos e hoje são 50. A nota diz ainda que o treinamento dos motoristas é responsabilidade das empresas que fazem. No caso específico relatado por Miriam sobre o problema com um motorista, a Semuttran não havia tomado conhecimento, mas irá averiguar a situação com a empresa responsável para tomar medidas. A Semuttran solicita também que, em casos semelhantes, as pessoas façam reclamação pelo telefone 156.
Como eu já disse algumas vezes, é uma VERGONHA que tecnologias de acessibilidade já dominadas pela indústria de ônibus brasileiras não sejam incorporadas localmente. Vamos ver em 2013 com a Copa das Confederações e em 2014 com a Copa do Mundo alguma providência será tomada nesse sentido, já que se fala tanto em BRT (corredores expressos para ônibus, normalmente com circulação de modelos acessíveis) e expansão das malhas metroviárias.