Educação InclusivaHistória e conceitos

A deficiência e a questão do assistencialismo – Parte Final

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Caro leitor, dando continuidade ao artigo “As práticas de cuidado e a questão da deficiência: integração ou inclusão” das pesquisadoras Vera Beatris Walber* e Rosane Neves da Silva**, veja hoje, a última parte deste artigo.

Para que possa compreender melhor, recomendo que leia a primeira parte desse texto.

Ofereciam desde a avaliação, para classificar e definir o “melhor” lugar para cada pessoa receber assistência, até o atendimento “especializado’; passando por todos os tipos de reabilitação. o princípio de normalização e as práticas integrativas As práticas médicas de atenção às pessoas com deficiência, os diagnósticos, os tratamentos de reabilitação e o processo de desinstitucionalização manicomial trouxeram, na década de 60, nos

Parábola dos Cegos”, de Peter Bruegel
Parábola dos Cegos”, de Peter Bruegel

países nórdicos, segundo Mrech (1999), a idéia de que as pessoas com deficiência poderiam e deveriam participar da sociedade, desde que se adaptassem às normas e valores sociais. Como alternativa ao modelo de atendimento segregativo em instituições fechadas, como asilos e casas-lares, surge a idéia de integrar as pessoas com deficiência, desde que elas pudessem se adaptar às normas estabelecidas socialmente. Naquele contexto, a instituição correcional ou assistencial assumia um duplo papel social, o de preparar para uma integração social futura, que na maioria das vezes não ocorria, e ao mesmo tempo manter as pessoas com deficiência no lugar de marginalizados por um lado, ela difunde a idéia de que o trabalho ali desenvolvido visa proteger e preparar o desviante para uma futura reintegração na sociedade; por outro lado, ela reforça a prática social da identificação e da segregação sociais, mantendo os diferentes à margem do contexto social (Marques, 1997, p.20).

Segundo o princípio da normalização, toda pessoa com deficiência tem o direito de experimentar um estilo de vida que seria comum ou normal à sua própria cultura, com acesso à educação, trabalho, lazer, etc. Se as pessoas com deficiência não tinham condições de serem integradas na sociedade, em virtude de suas limitações, essa mesma sociedade criava espaços onde elas teriam tudo o que necessitavam, embora ainda de forma segregada.  Mader (1997) afirma que, na tentativa de proporcionar um desenvolvimento semelhante ao das pessoas ditas normais, durante décadas adotou-se uma forma individualista de trabalho, pois visava aproximar as pessoas com deficiência do nível médio da população. A integração se daria mais facilmente quanto mais a pessoa com deficiência se aproximasse do padrão social considerado normal. A integração social, para Sassaki (1999), tem consistido no esforço de inserir na sociedade pessoas com deficiência, desde que elas estejam de alguma forma capacitadas a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais existentes. A integração constitui-se em um esforço unilateral, tão-somente da pessoa com deficiência e seus aliados, ou seja, a integração pouco ou nada exige da sociedade. Mrech (1999, p.12) afirma que: o que se tornou uma prática comum é que o deficiente jamais poderia se adaptar aos moldes de normalidade que lhe eram propostos socialmente.

O efeito deste tipo de procedimento no Paradigma da Integração é que ele acabou responsabilizando os deficientes pelos próprios problemas que eles apresentavam. Podemos constatar que, embora a sociedade esteja mais envolvida no que Mrech (1999) chama de Paradigma (7 da Integração, o objeto principal da mudança, segundo Aranha (2001)), centrava-se ainda no próprio sujeito. Segundo a mesma autora, integrar significava localizar o alvo da mudança no sujeito, a sociedade somente colocava à disposição os recursos necessários ao processo de normalização. Mas cabia ao sujeito o esforço, unilateral, de se utilizar desses recursos para, a partir deles, tornasse apto a participar da sociedade. O Brasil, como outros países, não fugiu ao processo de classificação e integração das pessoas a partir de um padrão de normalidade instituído socialmente e, para isso, utilizou-se das instituições de atendimento e internação. As primeiras informações sobre pessoas com alguma deficiência estão associadas ao atendimento assistencial de pessoas pobres e aos doentes de modo geral. No que se refere ao cuidado para com pessoas com deficiência, no Brasil, segundo Goffredo (1997) e Kassar (1999), as primeiras iniciativas são referentes à Educação Especial e datam da época do Império, com a criação, em 1854, do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant, e, em 1856, do Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ambos criados por D. Pedra 11. Eram instituições de reabilitação ou asilos que perpetuavam a visão clínica e a normalização das pessoas com alguma deficiência.

As práticas de integração, a partir de uma adaptação unilateral das pessoas com deficiência, estão fortemente ligadas com a questão da educação, tanto no Brasil como em outros países. É também uma das áreas de atendimento a pessoas com deficiência que mais têm sido pesquisadas. Por isso, queremos aqui aprofundar algumas reflexões sobre as práticas de cuidado com as pessoas com deficiência no âmbito escolar. Stainback (1999, p.28), citando Hahn, também se refere às escolas que trabalham no modelo da integração e que ainda hoje podem ser encontradas: Segundo Hahn (1989), há duas perspectivas de compreensão das deficiências. A perspectiva das limitações funcionais foi predominante no passado e tem muitos seguidores até hoje. Segundo esse ponto de vista, a tarefa dos educadores é determinar, melhorar ou preparar os alunos que não foram bem­ sucedidos, sem esforços planejados para adaptar as escolas às necessidades, aos interesses ou às capacidades particulares desses alunos. Os que não se adaptam aos programas existentes são relegados a ambientes segregados. A educação especial, lugar para onde é encaminhada a criança que não se adaptam à escola regular, é, no Brasil, marcada por políticas sociais e educacionais que apresentam um viés assistencialista bastante forte.

As práticas inclusivas Concomitantes à lógica da integração, na década de 60, começam a surgir movimentos de pessoas com deficiência que questionam as práticas assistencialistas. Foi sendo exigido o acesso à saúde, educação, lazer e trabalho, mas também à plena participação nas decisões que envolviam as pessoas com deficiência. Em diferentes países e culturas defendia-se a participação das pessoas com deficiência nos diversos setores da sociedade. Considerando o fracasso das instituições em integrar o sujeito com deficiência à sociedade e ao mercado de trabalho produtivo a partir de um modelo social de normalidade, iniciou-se, em vários setores sociais, segundo Aranha (2001), o processo de questionamento e pressão para a desinstitucionalização das pessoas com deficiência. Somado à discussão sobre a desinstitucionalização, fortemente impulsionada pela discussão sobre o fim dos manicômios, difunde-se, na década de 80, o conceito de sociedade inclusiva, e a diversidade ganha maior visibilidade. Surgem inúmeros grupos e associações de pessoas com deficiência que questionam o atendimento e o trabalho realizado junto às pessoas com algum tipo de deficiência, assim como a própria linguagem utilizada para se referir a elas.

As instituições de atendimento especializado com caráter assistencialista também precisaram e ainda necessitam se adaptar a uma nova forma de encarar as pessoas com necessidades especiais. Muitas escolas especiais brasileiras estão, segundo Baptista (2003), longe de poderem ser consideradas “escolas”, já que estão, na grande maioria, nas mãos de entidades filantrópicas que não possuem a obrigatoriedade de cumprir critérios como escolas. Também na escola o processo de inclusão trouxe questionamentos. A inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares passou a questionar valores e concepções arraigadas. É praticamente impossível incluir um aluno com deficiência numa classe regular sem questionar métodos de avaliação, processos de aceitação dos alunos na escola, conceitos sobre o que é normalidade/ anormalidade. Segundo Forest e Pearpoint (1997), inclusão não significa apenas colocar uma criança com deficiência na sala de aula ou na escola regular. Para Baptista (2003), as mudanças exigidas pela educação inclusiva exigem investimentos contínuos, mudanças legislativas, projetos político-pedagógicos coerentes, construção de novos espaços e dispositivos. Dessa forma, educação inclusiva quer significar uma educação de qualidade e não pode estar baseada na solidariedade aos alunos com necessidades especiais como único pressuposto. A escola continua tendo sua especificidade que é a educação. A semente do conceito de sociedade inclusiva, segundo Sassaki (1999), foi lançada no Ano Internacional das Pessoas Deficientes, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1981. A inclusão social é conceituada como o processo bilateral no qual a sociedade se adapta para incluir em seu sistema geral as pessoas com deficiência e essas assumem seus papéis sociais. Segundo o mesmo autor, é uma soma de esforços para equacionar problemas, buscar soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

A inclusão celebra a diversidade.”Quanto maior for a diversidade, mais rica a nossa capacidade de criar novas formas de ver o mundo” (Forest & Pearpoint, 1997, p.138). Sassaki (1999) fala do modelo social da deficiência em oposição ao modelo médico. No modelo médico a deficiência é o aspecto importante e valorizado, que deve ser medido, estudado, tratado ou reabilitado. A pessoa com deficiência é o centro das atenções. No modelo social, segundo o mesmo autor, a sociedade é vista como co-participante e responsável no processo de inclusão.

Não podemos dizer que há uma única forma de inclusão, mas práticas de inclusão que vão sendo construídas pelas pessoas com deficiência e pela sociedade de uma forma geral. São práticas que, buscando equacionar os problemas enfrentados, precisam ser conquistadas e inventadas diariamente.

Os conceitos de integração e inclusão vistos acima falam sobre práticas relacionadas às pessoas com deficiência no meio escolar e social mais amplo. Aranha (2001) afirma que os dois conceitos ou modelos partem do mesmo pressuposto, o direito das pessoas ao acesso ao espaço comum da vida em sociedade. No entanto, no modelo da integração, como já foi afirmado acima, dá-se um esforço unilateral por parte da pessoa com deficiência. É ela que deve “tornar-se o mais normal possível“. O que resulta que uma grande parte das pessoas não consiga atingir esse objetivo e permaneça excluída de determinadas redes sociais. No modelo da inclusão, objetiva-se um movimento mais amplo que englobe a sociedade e as pessoas com necessidades especiais para a resolução dos problemas encontrados por ambas.

São práticas distintas que ora colocam todo o peso sobre a pessoa com deficiência, ora procuram distribuir a responsabilidade pela inclusão para todo o conjunto social:­ Essas mesmas práticas representam uma relação de tensões e forças nos dias atuais. Convivemos, atualmente, com práticas de educação especial, movimentos em defesa das pessoas com deficiência nos quais as próprias pessoas são as que tomam as decisões sobre os caminhos a tomar, e temos ainda pessoas escondidas em casa pelos familiares porque sentem vergonha de ter um filho com deficiência. Palombini (2003, p.125) faz uma analogia contundente a essa questão: Os mutilados de corpo seguem sendo lançados do alto de penhascos, mas, agora, em gestos cuja aparência guarda a assepsia e a acuidade técnica de um procedimento cirúrgico; muitos desatinados permanecem atados em camisas de força, mas que são invisíveis aos olhos, guardadas em frascos de comprimida. Conclusão: Não é possível falar como se tivéssemos eliminado determinadas práticas ou superado determinado modelo, em um caráter binário de políticas de exclusão e inclusão. Práticas às vezes muito distintas convivem em nossa sociedade. Estamos ainda convivendo com práticas de atendimento assistencialista e de “preparação constante” para uma integração que deve vir em um futuro que nunca se transforma em presente, como nos afirma Baptista (2003), ao mesmo tempo em que presenciamos práticas de exclusão social de pessoas com deficiência que permanecem, por toda uma vida, fechadas dentro de casa sem o convívio com pessoas de fora da família.

E, por outro lado, podemos encontrar práticas que apontam para um processo de inclusão, envolvendo pessoas com deficiência, familiares e a sociedade mais ampla.

Obs. Artigo elaborado a partir da dissertação de v.B. WALBER, intitulada “As práticas de cuidado com pessoas com deficiência na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.

*Professora, Departamento de Diaconia, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Caixa Postal 2876, 90001-970, Porto Alegre, RS, Brasil.
**Professora Doutora, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil.

Veja o artigo na íntegra
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:uZOFAokmy1kJ:www.unipam.edu.br/educacaoespecial/images/stories/Aspraticasdecuidado
eaquestaodadeficienciaintegra.doc+defici%C3%AAncia+e+o+assistencialismo&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Referências
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Baptista, C. R. (2003). Sobre as diferenças e as desvantagens: fala-se de qual educação especial? In Psicologia e educação: multiversos sentidos, olhares e experiências (p.47). Porto Alegre: Editora UFRGS. Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário (pp.50-85). Petrópolis: Vozes.
Ceccim, R. B. (1997). Exclusão e alteridade: de uma nota de imprensa a uma nota sobre a deficiência mental. In Skliar (Org.). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial (pp.27-35). Porto Alegre: Mediação.
Foucault, M. (1999b). Vigiar e punir (1 O.ed., p.165). Petrópolis: Vozes.
Forest, M., & Pearpoint, J. (1997). Inclusão: um panorama maior. In M. 1. E. Mantoan, et aI. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema (p.138).São Paulo: Memnon.
Goffredo, V. L. F. S. (1997). Integração ou segregação? Eis a questão! In M.T. E. Mantoan, et aI. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon. Kassar, M. C. M. (1999). Deficiência múltipla e educação no Brasil: discurso e silêncio na história de sujeitos. Campinas: Autores Associados.
Kuhn,T. S. (1978).A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva. Lunardi, M. L. Inclusão/ exclusão: duas faces da mesma moeda. Acesso em 6 fev. 2004, disponível em http://
www.educacaoonline.pro.br
Mader, G. (1997).Integração da pessoa portadora de deficiência: a vivência de um novo paradigma.ln M. 1. E. Mantoan, et aI. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema (p.20). São Paulo: Memnon.
Marques, C. A. (1997). Integração: uma via de mão dupla na cultura e na sociedade. In M.T. E. Mantoan, et aI. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema (p.20). São Paulo: Memnon.
Mrech, L. M. (1999, maio). Educaçõo Inclusivo: realidade ou utoplo?(p.12). Trabalho apresentado no evento do LIDE, Seminário educação inclusiva: realidade ou utopia 7 Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Palombini, A. L. (2003). Das mãos de Deus aos avatares da ciência: o estigma da diferença. I n Psicologia e educação: multiversos sentidos, olhares e experiências (pp.120-125). Porto Alegre: Editora UFRGS. Pessotti, I. (1984). Deficiência mental: da superstição à ciência (pp.24-135). São Paulo: Edusp. Rabinow, P., & Dreyfus, H. (1995). Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Sassaki, R. K. (1999). Inclusão: construindo uma sociedade para todos (3.ed.). Rio de Janeiro: WVA. Silva, O. M. (1986). A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje (p.211). São Paulo: Cedas.
Stainback, S. (1999). Inclusão: um guia para educadores (p.28). Stainback, S. (1999). Inclusão: um guia para educadores (p.28).
Porto Alegre: Artes Médicas.

VEJA:

 

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

4 comentários sobre “A deficiência e a questão do assistencialismo – Parte Final

  • "A Melhor mensagem de Natal é aquela que sai em silêncio
    de nossos corações e aquece com ternura os corações daqueles que nos acompanham em nossa caminhada pela vida"

    Um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de Paz,
    Amor, Saúde e Amizade.

    Bjs

    Resposta
  • Desejo o mesmo para você, querida!

    Beijos!

    Resposta
  • Maravilhoso a parte final do texto, lembrando que muitos de nós pegamos o auge da integração. Eu mesmo quando ingressei na escola fui separado dos outros alunos porque tenho deficiência física, no entanto, as professoras e a diretora achavam que eu não conseguiria acompanhar a turma, isso foi em 1966… quanto tempo se passou e ainda temos pessoas que pensam assim… isso é triste.

    Resposta
  • É verdade, Ari… A ciência e a tecnologia avançaram enormemente, no entanto o comportamento preconceituoso da maioria da sociedade continua o mesmo. Há muito o que se fazer ainda, meu amigo.

    Bjs,

    Resposta

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