Em Porto Alegre, casal mostra cadeira que ajuda pessoas com restrições de movimento a fazer trilha
Após síndrome neurológica rara de mulher, montanhistas paulistas criaram projeto que já levou 26 cadeiras de rodas adaptadas para trilhas a mais de 10 Estados
Ele não esquece a promessa que fez:
– Aonde você quiser ir, eu vou levar.
Faz três anos já, Guilherme Cordeiro via a esposa, grávida, perder os movimentos por causa de uma síndrome neurológica rara. Na cadeira de rodas, Juliana Tozzi estava impossibilitada de fazer montanhismo, prática que os dois descobriram juntos e os uniu desde o começo do relacionamento, havia 10 anos. Mas ela não queria parar de viajar e fazer trilhas. E ele garantiu que daria um jeito.
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Com a ajuda de um amigo, Guilherme construiu uma cadeira de rodas especial para o tipo de atividade. O equipamento ganhou até nome, Julietti, e acompanhou os dois em montanhas ainda mais altas do que costumavam subir. Juliana, Guilherme e Julietti chegaram a cerca de 5,4 mil metros de altitude no Pico Chacaltaya, na Bolívia, e a quase 6 mil metros no vulcão Acotango, no Chile, em operação que envolveu 20 pessoas e demandou um ano de preparação. Guilherme precisou contratar um personal trainer e ganhar 10 quilos para ajudá-la no percurso. Além do frio extremo (fez -20°C), a esposa recorda a sensação de superação:
– É indescritível, sabendo que tu está na condição de cadeirante, ir para um lugar desses. Nem antes pensei que faria isso.
Guilherme e Juliana, ambos engenheiros civis, hoje com 36 e 33 anos, são de São José dos Campos, interior de São Paulo. Ficaram conhecidos nacionalmente quando, durante o “test drive” da Julietti, uma pessoa tirou uma foto e publicou nas redes sociais. Era Dia dos Namorados, e a história de amor dos dois viralizou na internet. Acabariam aparecendo na capa do jornal Estado de S. Paulo e, mais tarde, foram tema de reportagens na Globo e na Record. Juliana deixa Guilherme com cara de bobo, até hoje, dizendo que ele é tudo para ela.
– Ela faria a mesma coisa por mim – responde o marido.
Com toda a repercussão gerada, o casal decidiu que queria levar a experiência a mais gente com algum tipo de deficiência motora: criaram um projeto para incentivar o acesso à natureza, chamado Montanha para Todos. Já levou, a mais de dez Estados, 26 Juliettis, que ficam sob cuidado de empresas de turismo, ONGs e parques nacionais. Três delas estão aqui no Rio Grande do Sul – em São Francisco de Paula, Três Coroas e Porto Alegre. Visitar a agência de turismo em que está essa última, no bairro Menino Deus, foi o objetivo da passagem do casal pela cidade neste final de semana.
E eles vieram à Capital dentro da própria casa, trazendo o filho Benjamin, de três anos. É que, no ano passado, alugaram o apartamento no interior de São Paulo para viajar o Brasil dentro de um trailer de 6,5 metros quadrados. Desceram por São Paulo, Paraná, Santa Catarina, até chegar a solo gaúcho. Usaram a cadeira especial pela última vez em São José dos Ausentes, indo ao Pico do Monte Negro e ao Boa Vista – no passado, também já conheceram com ela os cânions Itaimbezinho e Fortaleza, em Cambará do Sul.
Quando viu, estacionado na Avenida José de Alencar, o trailer adesivado com uma foto da família inteira – Guilherme, Juliana, Benjamin e Julietti –, o técnico em segurança do trabalho Odilei Medeiro, 40 anos, se aproximou para contar que segue o projeto nas redes sociais. Participou de um passeio com uma Julietti na serra gaúcha, até.
– É um baita exemplo. Não parem de explorar as montanhas – desejou.
Para Guilherme, o mais legal dessa viagem é “conhecer pessoas reais”. Relata que em Nova Petrópolis, na Serra, um mecânico lhe ofereceu ajuda com um problema no carro, e acabaram dormindo na oficina, aprendendo a preparar chimarrão, e até estenderam a permanência na cidade porque os anfitriões fizeram questão que experimentassem “um churrasco gaúcho” na casa deles.
– Acabamos nem conhecendo o parque da cidade. É muito mais interessante conhecer as pessoas – conclui Guilherme.
A família deve seguir agora para o Chuí, no sul do Estado, e depois subir o mapa do Brasil em direção ao Nordeste. Enquanto isso, buscam patrocínio para a próxima grande atuação da Julietti, que já está na quarta versão, depois de vários aprimoramentos. O novo sonho é subir o Monte Elbrus, na Rússia, durante uma trip de volta ao mundo por cerca de 70 países. Aonde Juliana quiser ir, a promessa segue de pé.
Julietti em Porto Alegre
Uma das cadeiras adaptadas do projeto Montanha para Todos está em Porto Alegre e pode ser usada gratuitamente. O equipamento, que tem apenas uma roda, encosto para a cabeça e cintos de segurança, além de barras de ferro para possibilitar que seja puxada e empurrada, está sob tutela da empresa Top Trip Adventure desde dezembro de 2017. Já levou cadeirantes ao cânion Itaimbezinho, em Cambará do Sul, e ao Morro Tapera, na Capital.
A agência de turismo empresta a cadeira e também viabiliza passeios gratuitos para cadeirante, dentro da própria programação de viagens. Mas não é algo fácil de operar: recomenda-se que seis pessoas sem dificuldades de locomoção façam o trajeto junto – aceita-se o cadastro de voluntários para esse staff também. É possível buscar mais informações pelo WhatsApp (51) 99823-1666 ou na conta @toptripadventure no Instagram.