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Cadeirantes brasileiras relatam preconceito e falta de acessibilidade em voos: ‘A gente sempre é esquecida’

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Dias atrás, caso da tetraplégica britânica que ficou mais de 1 hora sozinha esperando sair de avião em Londres viralizou. Paulista conta que já teve de se arrastar por escada para embarcar.

A imagem da passageira tetraplégica Victoria Brignell sozinha por 1h30 em um avião, à espera de que uma equipe a retirasse, repercutiu em todo o mundo dias atrás. O aeroporto de Gatwick, em Londres, pediu desculpas pelo ocorrido e descreveu o tratamento como “inaceitável”.

Mas o que houve com a britânica não é um caso isolado e ocorre com frequência na rotina de pessoas com deficiência, afirma a empresária Andrea Schwarz, de São Paulo, que é referência por palestras sobre inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Cadeirante há 22 anos, Andrea já viajou para 40 países e, na maioria das vezes, teve dificuldades. Em um voo para o exterior, chegou a ficar sozinha no avião por mais de uma hora, assim como a britânica, até conseguir ser retirada.

“Meu marido estava comigo e a cadeira estava no porão. Quando o avião pousasse, ele teria que ir até a porta da aeronave para montar a cadeira e me tirar”, conta.

“Então, assim que o avião pousou, ele já saiu. Quando voltou para me buscar, não deixaram ele entrar alegando que era uma ordem de segurança. Ficou, então, ele explicando que precisava me pegar e eu sozinha, esperando. Foi uma hora e meia até que trouxeram uma cadeira e me tiraram. Ou seja, a gente sempre é esquecida.”

Andrea lembra de outra experiência ruim, quando viajou de São Paulo para Brasília para fazer palestra. “Havia muitas pessoas com necessidades e ele não sabiam como agir”, recorda. “Não tinha o ambulift [espécie de caminhão com um container que sobe e desce para levar a pessoa até a porta lateral da aeronave]. Então, houve demora para todos entrarem.”

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Ambulift no pátio do Aeroporto Internacional São Paulo – Cumbica (GRU), em Guarulhos, em foto de 2017 — Foto: Celso Tavares/G1

“Quando chegamos, o comandante não me fala que queria se desculpar pelo atraso porque tinha muitos passageiros com necessidades especiais no voo e por isso atrasou? A culpa ficou para a gente…”, lamenta Andrea.
“Um amigo meu, tetraplégico, chamou esse comandante e pediu para ele nunca repetir isso, que é algo que reforça o preconceito”, ensina.

“Quem tem que mudar é o meio. O meio que é deficiente por não nos dar o direito de ir e vir.”

Andrea Schwarz mostra nas redes sociais a rotina de um cadeirante para viajar. Na foto, marido a coloca em uma cadeira especial que permite passar pelo corredor do avião. — Foto: Arquivo Pessoal

A estudante de direito Karla Caroline Barbosa, de 34 anos, mora em Recife e conta que também já ficou dentro de um avião esperando alguém para retirá-la.

“Em março, eu estava vindo de Maceió para Recife quando fiquei mais de 30 minutos no avião esperando a cadeira. Aí eles perguntaram se eu me incomodava de sair carregada. Disse que não porque eu precisava sair do avião. Acontece muito”, relata.

Para Andrea, a principal preocupação quando viaja de avião é com a cadeira de rodas.

“[A cadeira] não é um objeto e, sim, meu meio de locomoção. E já aconteceu mil vezes de vir quebrada, de ter o pneu estourado… E, quando ocorre, a companhia aérea quer emprestar a deles, mas não adianta para nada porque minha cadeira é feita para meu corpo”, justifica. “Ela é personalizada e demora 120 dias para chegar uma nova. Então, você inviabiliza a viagem.”

Se arrastou pelas escadas

Katya Hemelrijk da Silva já precisou se arrastar pelas escadas para poder embarcar após um voo entre Foz do Iguaçu (PR) e São Paulo, onde mora. O caso aconteceu em dezembro de 2014 e, na época, chamou a atenção nas redes sociais.

“Na hora de embarcar, a mulher falou que o gerente queria conversar comigo. Ele me deu três alternativas: ou eles me subiam no braço, ou me levavam na própria cadeira, com dois me carregando, ou eu teria que esperar o próximo voo, que daria tempo de carregar o aparelho [que funciona como elevador portátil]”, conta. Ela rejeitou as três opções.

Katya postou na internet a foto em que aparece sentada na escada da aeronave e fala sobre a dificuldade para embarcar — Foto: Reprodução / Internet

Katya diz que decidiu se arrastar pela escada por ser o método mais seguro. “Se fosse para alguém me carregar, seria meu marido, mas mesmo assim não é a solução ideal. A escada estava escorregadia com o sereno. E como eu tenho esse problema dos ‘ossos de vidro’, qualquer forma que me peguem, uma forma mais bruta, acaba me machucando”, explicou na época.

E não foi a primeira vez que ela precisou subir em uma aeronave dessa forma: “Em 2008, tive que me arrastar na viagem de lua de mel para Maceió. Pensa na situação?”.

Quais são as regras

A resolução 280 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de 2013, obriga aeroportos e companhias aéreas a obedecer a algumas regras pra melhorar o serviço aos passageiros que precisam de atendimento especial, sejam portadoras de deficiência, idosos ou pessoas que momentaneamente têm alguma restrição de locomoção.

Essas pessoas têm preferência no embarque e desembarque. E, segundo as normas, o equipamento para subir e descer de um avião, por exemplo, deve ser disponibilizado pelo aeroporto, podendo seu uso ser cobrado das companhias aéreas.

E funcionários da empresa só devem carregar o passageiro em casos extremos, como a evacuação de emergência da aeronave.

Oito anos depois de se arrastar pela escada, Katya Silva diz que não passou mais por situações semelhantes, mas entende que ainda há muito o que melhorar em relação à acessibilidade nos aeroportos.

“O fato de ser carregada é bem desconfortável e, para acelerar o processo e não deixar pessoas esperando, a gente se sujeita às situações desconfortáveis e temos refletido sobre isso. Estamos longe do mundo ideal na aviação, no transporte como um todo. Precisamos mudar esse cenário”, diz.

Mesmo com más experiências, Karla Barbosa afirma que nunca pensou em desistir de ir até um lugar por conta da falta de acessibilidade.

“A situação me constrange, mas não é suficiente para que me paralise. Se eu não ignorasse isso ou não tivesse ainda crença no progresso, eu não estaria onde estou, como trabalhando e estudando. Se a gente não se mostra, não corre atrás, não reclama, a gente se acostuma e se acomoda, porque ninguém vê a gente”, conclui.

Tetraplégica fica mais de uma hora e meia esperando equipe do aeroporto em Londres — Foto: Reprodução/Twitter

Fonte: G1

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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