A triste realidade da Lei de Cotas PcD: Será que as empresas realmente estão fazendo o suficiente?
A pesquisa “Radar da Inclusão”, conduzida pelo Pacto Global da ONU, Talento Incluir, Instituto Locomotiva e iO Diversidade, expõe uma realidade alarmante: 8 em cada 10 trabalhadores com deficiência ou neurodivergência acreditam que as empresas ainda não estão preparadas para recebê-los adequadamente. Apesar da existência de uma legislação que prevê a inclusão, os dados revelam um abismo entre a teoria e a prática. A pesquisa contou com a participação de 1.230 pessoas com deficiência ou neurodivergência, o que mostra a relevância da pesquisa, mas também reforça o quanto a inclusão efetiva está distante.
Desigualdade no Acesso ao Trabalho Remoto e Híbrido
Um dado crucial da pesquisa mostra que 71% dos trabalhadores com deficiência ou neurodivergência preferem o modelo de trabalho remoto ou híbrido, mas apenas 58% têm acesso a esse formato. Isso é um reflexo claro de como muitas empresas ainda ignoram as necessidades desse público. A falta de infraestrutura adaptada nos locais de trabalho, como mesas e cadeiras específicas, é um obstáculo recorrente. Um exemplo ilustrativo é o caso de um cadeirante que foi selecionado para uma vaga, mas teve a oportunidade negada após a constatação de que a cadeira de rodas não passava pela porta do banheiro. Isso expõe a superficialidade das adaptações que muitas empresas oferecem, sem realmente considerar as condições mínimas de acessibilidade.
Além disso, 33% dos entrevistados afirmam que seus ambientes de trabalho não são adaptados de forma adequada. Esse dado é alarmante e aponta para a falta de compromisso das empresas com a verdadeira inclusão. O estudo também revela que, mesmo com uma política pública que incentiva a contratação de pessoas com deficiência desde 1991, a Lei de Cotas PcD, as empresas preferem adotar posturas protecionistas, arriscando processos judiciais a se adaptarem para atender a esse público. Isso demonstra um despreparo e um descompasso entre a legislação e a implementação de ações concretas que possam proporcionar um ambiente de trabalho inclusivo e acessível.
Contratação de Deficiências “Leves” para Cumprir a Lei
Além disso, um problema recorrente identificado pela pesquisa é que as empresas, muitas vezes, contratam pessoas com deficiências “leves”, como surdez parcial ou deficiências visuais de baixa intensidade, apenas para cumprir com sua obrigação legal, sem que isso resulte em uma verdadeira mudança no ambiente de trabalho. Isso expõe uma abordagem superficial das empresas, que preferem se adequar às normas mínimas para evitar multas, em vez de se comprometerem com a inclusão de pessoas com deficiências mais severas ou neurodivergentes. Dessa forma, muitas vezes as empresas mantêm uma política de inclusão meramente formal, sem um compromisso genuíno com a diversidade.
Preconceito no Processo Seletivo
Outro ponto de destaque é a forma como as empresas ainda lidam com o processo seletivo. A pesquisa mostra que muitos candidatos com deficiência preferem se identificar durante as entrevistas, mas outros não se sentem confortáveis em fazê-lo, temendo que isso prejudique suas chances de conseguir o emprego. Esse é um reflexo claro de um preconceito velado que ainda permeia o mercado de trabalho, onde a deficiência ou a neurodivergência é vista como uma limitação, e não como uma característica que deve ser respeitada e valorizada.
A pesquisa também revela que para 25% dos entrevistados, a presença de programas de inclusão e acessibilidade é um fator decisivo na escolha de um emprego. Isso indica que as pessoas com deficiência buscam não apenas uma vaga, mas um ambiente que promova sua inclusão de forma real e efetiva. No entanto, ao mesmo tempo, 47% dos participantes prefeririam vagas exclusivas para pessoas com deficiência ou neurodivergência, o que revela a desconfiança em relação à inclusão no mercado de trabalho tradicional.
A Falta de Comprometimento das Empresas com a Ascensão Profissional
Lia Calder, especialista em diversidade e inclusão, destaca a falta de comprometimento das empresas com o desenvolvimento dessas pessoas. Apesar da Lei de Cotas PcD, existir há mais de 30 anos, o que se vê são empresas que preferem seguir os caminhos da inércia, ocupando cargos de base com pessoas com deficiência e não oferecendo oportunidades reais de ascensão profissional. O que as empresas oferecem é uma vaga, mas não garantem o espaço necessário para que essas pessoas possam crescer, se desenvolver e mostrar seu potencial.
Desigualdade de Oportunidades e Salários
De acordo com o IBGE, em 2023, 26,6% das pessoas com deficiência estavam empregadas, enquanto 60,7% das pessoas sem deficiência também estavam no mercado de trabalho. Isso demonstra a disparidade de oportunidades que ainda existe. Além disso, mais de 50% dos trabalhadores com deficiência estão na informalidade, com salários significativamente mais baixos que os de pessoas sem deficiência, o que reforça a desigualdade existente.
A Falta de Representatividade nas Lideranças
A pesquisa também revela que 84% das pessoas com deficiência não ocupam cargos de liderança, o que é um reflexo claro da falta de oportunidades para que essas pessoas cresçam na carreira. Mesmo aqueles que ocupam cargos de liderança estão, em sua maioria, em posições de média ou baixa liderança, sem acesso a cargos estratégicos como diretores ou presidentes. Isso expõe como as empresas ainda negligenciam o potencial dessas pessoas, limitando suas chances de alcançar posições de destaque.
A Desconexão Entre a Legislação e a Realidade no Mercado de Trabalho
Embora a legislação exija que empresas com 100 ou mais funcionários reservem vagas para pessoas com deficiência, a realidade é que 8 em cada 10 trabalhadores com deficiência ou neurodivergência se sentiram prejudicados no mercado de trabalho devido à falta de adaptação. Isso reflete uma desconexão entre as exigências legais da Lei de Cotas PcD e a realidade prática no ambiente corporativo, onde a inclusão é vista como uma obrigação, e não como uma oportunidade para enriquecer o ambiente de trabalho com a diversidade.
Neurodivergência: Diversidade que Enriqueceria o Ambiente de Trabalho
Além disso, o conceito de “neurodivergência” é fundamental nesse contexto. As pessoas neurodivergentes possuem características cognitivas que se afastam do padrão considerado típico, como aqueles com autismo, TDAH, dislexia, entre outros. Esses indivíduos têm habilidades e talentos únicos, que muitas vezes são negligenciados pelas empresas. A neurodivergência não deve ser vista como uma limitação, mas como uma parte da diversidade humana que pode enriquecer o ambiente de trabalho. As empresas precisam reconhecer e valorizar essas diferenças, garantindo que as pessoas neurodivergentes tenham as mesmas oportunidades de crescer e se destacar que qualquer outro profissional.
Por Vera Garcia
Referência: Agência Brasil