Por que a deficiência causa estranheza?
Durante esta semana, estava recordando o meu primeiro dia de aula após o meu acidente.
Tinha onze anos de idade e estava cursando a quinta série do ensino fundamental. Conhecia a turma da minha sala desde a quarta série, éramos todos colegas de classe. No entanto, durante o recreio, percebi que a turma estava dividida em três grupos. Todos os grupos observavam-me atentamente. O primeiro grupo aproximou-se, perguntou o que havia acontecido comigo e logo se afastou. O segundo grupo ficou somente me observando e nem mesmo aproximou-se. Notei que os alunos desse grupo, queriam ficar o mais longe possível de mim. Entretanto havia o terceiro grupo, formado pela minoria de alunos. O grupo aproximou-se, prestou solidariedade e proferiu palavras de coragem. Esse grupo, assim como eu, não se enquadrava no corpo “perfeito”, “ideal”, cultuado pela sociedade preconceituosa. Era formado por alunos altos, negros, obesos e que de certa forma, também, sofriam preconceito por parte dos colegas.
De acordo com o ensaio “Preconceito e Discriminação como expressões de violência” das professoras Lourdes Bandeira e Anália Soria Batista, “O preconceito, assim, constitui-se em um mecanismo eficiente e atuante, cuja lógica pode atuar em todas as esferas da vida. Os múltiplos preconceitos de gênero, de cor, de classe, etc. têm lugar tipicamente, mas não exclusivamente, nos espaços individuais e coletivos, nas esferas públicas e privadas. Fazem-se presentes em imagens, linguagens, nas marcas corporais e psicológicas de homens e de mulheres, nos gestos, nos espaços, singularizando-os e atribuindo-lhes qualificativos identitários, hierarquias e poderes diferenciais, diversamente valorizados, com lógicas de inclusões-exclusões conseqüentes, porque geralmente associados a situações de apreciação-depreciação/desgraça. O preconceito se contrapõe às qualidades de caráter, como lealdade, compromisso, honestidade, propósitos que afirmam valores atemporais e regras éticas.”
Naquele momento, não me importava com o que meus colegas pudessem estar sentindo em relação a minha deficiência. Entretanto aquela situação me incomodada.
Em sala de aula não tive uma boa receptividade por parte dos professores. Eles não orientavam os meus colegas de classe sobre a questão da deficiência e a maneira de convivência que respeitasse as diferenças. Isso ocorreu na década de 80, e hoje em dia, aparentemente, a situação é a mesma em muitas escolas.
A doutora Luciene M. da Silva, em seu artigo “O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência” afirma que:
“O corpo marcado pela deficiência, por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. Tê-los em nosso convívio funcionaria como um espelho que nos lembra que também poderíamos ser como eles.”
Lamentavelmente muitas pessoas ainda pensam dessa forma. Elas não se colocam no lugar do outro, pelo simples fato desse outro, no caso uma pessoa com deficiência, representar o quanto somos frágeis e o quanto estamos sujeitos as imprevisibilidades da vida.
Atualmente não tenho mais contato com nenhum desses grupos. O primeiro e o segundo já não tinha mesmo, em relação ao terceiro grupo nossa amizade durou muito tempo. Porém devido às correrias do dia-a-dia e mudanças de endereço, infelizmente, perdemos contato.
O que me deixou muito feliz, foi o carinho e o apoio do terceiro grupo, pois demonstraram o valor de uma amizade e os sentimentos de solidariedade e generosidade. Quanto ao primeiro e ao segundo grupo, espero que tenham mudado a forma de pensar, já que infelizmente perderam a oportunidade de conviver e compartilhar experiências diferentes. Espero, também, que tenham aprendido a valorizar o ser humano na sua essência e não pela sua aparência. E que dessa forma possam transmitir às gerações vindouras, que o respeito ao outro ser humano, independente de sua cor, raça, etnia, característica física ou intelectual é uma demonstração de humanidade e de sabedoria.
Como diz, sabiamente, o colega Gilberto do Blog Nel Mezzo Del Cammim: “Chega de inteligência, o mundo precisa mesmo é de sabedoria!”
Vera Garcia
Vera, infelizmente p/ muito tempo ainda existirá preconceitos e desrespeitos,c/qq pessoa. Bela postagem e trabalho.Parabéns da Equipe.
Oi, Vera. Gostei muito do artigo, me fez voltar a infância e repensar sobre o porquê de algumas crianças agirem de determinada forma e outras de outra.
Tenho 37 anos e, até hoje, não possuo nenhuma deficiência e nunca fiz parte do grupo de pessoas que, infelizmente, são vistas pela sociedade como "minoria", mas nunca me adequei ao pensamento preconceituoso e discriminatório da maioria daqueles considerados "maioria" (a redundância e proposital, rs..) e essa não adequação vem da expressão que inseri acima, ao lado da minha idade (até hoje). Sempre tive a consciência de que ninguém escolhe nascer ou tornar-se "deficiente" e de que não é só "com os outros que isso acontece". Estou aqui escrevendo hoje e amanhã posso estar portando alguma necessidade especial.
A sociedade em que vivemos, infelizmente, é bastante estranha; a real "deficiência" está na educação que se transmite aos filhos. Pais preconceituosos geram filhos preconceituosos que tornam-se adultos preconceituosos.
Não concordo que seja um problema de negação da realidade, conforme afirma a Dra. Luciene, mas sim de pura educação, o problema está na falta de conscientização do ser humano de que nossa única missão "aqui" é transformar esse mundo em algo melhor e a forma mais fácil de conseguirmos isso é educando nossas crianças para serem adultos melhores.
Abraços!
Luciano Mourilhe
Mais uma vez, obrigada!
Abraços ao Roy e toda sua equipe!
Vera
Achei muito bom a ética desse artigo! Isso me fez pensar muito… Irei apresentar hoje na escola uma feira de ciências Humanas sobre preconceito contra o deficiente… e isso mem ajudou muito a estimular meu esforço mental e espiritual, a qual procurava!
Fico feliz que tenha gostado desse artigo, e de que alguma maneira ele poderá ajudá-lo, Estephany! Obrigada!