O diferencial do talento
HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
Reconhecidos por suas habilidades com instrumentos musicais, Gustavo Portela e David Valente passam por cima de preconceitos e limitações
Em 1961, descobriu-se que o uso por gestantes do medicamento talidomida gerava casos de focomelia, síndrome caracterizada pela aproximação ou encurtamento dos membros junto ao tronco do feto. No Brasil, o remédio só foi retirado de circulação em 1965, e mesmo assim continuou a ser consumido, por descontrole na distribuição e desinformação.
“Sou da última geração afetada pela talidomida. Poderia ter uma atrofia maior ainda, mas minha mãe descobriu cedo”, explica o músico e produtor cultural Gustavo Portela, que tem uma malformação congênita na mão direita.
Isso, porém, não o impediu de seguir com sucesso na carreira musical. Depois de passar por algumas bandas, como Et Circensis e Encarne, hoje ele toca baixo na noite de Fortaleza e trabalha como produtor. “Neste ano vou assinar a produção de três CDs. Atualmente, estou trabalhando no novo disco da Dona Zefinha, do espetáculo infantil Os Bufões”, revela Gustavo.
(Veja: Entrevista com DJ Pascal Kleiman, deficiente físico que toca com os pés)
Vida artística
Ainda adolescente, o jovem tentou o teatro. “Comecei como ator, mas não ganhava muitos papéis de destaque por conta da deficiência. Certa vez, quando participava de um comercial para campanha política, o diretor pediu para eu ir ´mais para trás´ no cenário”, recorda. “Com a música, vi mais possibilidades de progredir”, complementa Gustavo Portela.
A mão atrofiada não atrapalha a boa desenvoltura de Gustavo no baixo. Para a guitarra, precisou fazer uma “gambiarra”. “Com a ajuda do Rodrigo Gondim, um amigo músico que já faleceu, inventei um suporte para a palheta, com durepoxi e uma pulseira”, detalha o músico autodidata. “Antes disso, tinha até pensado em amputar esse dedinho maior, que atrapalha”, brinca o músico.
Em 2009, Gustavo foi contemplado no I Edital de Incentivo às Artes para Pessoas com Deficiência, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Com o prêmio, produziu e prensou o disco “Movimento”, que tem a participação de instrumentistas de peso, como Denilson Lopes, Pantico Rocha e Cristiano Pinho.
“Quis gravar uma coisa minha, porque isso valoriza seu trabalho. Esse CD serve mais de portfólio. É uma espécie de coletânea, com composições minhas e de colegas. Assinei a produção e toquei baixo, guitarra e teclado”, explica.
Para Gustavo, editais são importantes de maneira geral. “Dá para tocar na noite e se manter, mas produzir trabalhos ainda é caro. E o mercado não é tão fomentado para dar conta disso. Então os artistas precisam de apoio”, opina.
“No caso do edital exclusivo para deficientes, a maior colaboração não é combater o preconceito, mas ajudar os portadores a ter mais espaço comercial, algo difícil normalmente – como aconteceu comigo, por exemplo, no lance do comercial”, lembra. De fato, no final de 2010, o produtor foi selecionado no 7º Edital Prêmio de Incentivo às Artes, destinado ao público geral. “É para fazer um show em julho deste ano, no anfiteatro do Dragão do Mar. Na ocasião, também vou gravar um DVD”.
Outro portador de deficiência física que enveredou com sucesso pela música foi David Valente, que por acaso trabalhava na sala ao lado do estúdio onde aconteceu a entrevista com Gustavo. Cantor, músico, produtor e arranjador musical, seus membros superiores foram afetados pela síndrome denominada de artrogripose múltipla congênita.
Na ponta dos pés
Sem poder utilizar as mãos, desde pequeno aprendeu a fazer várias tarefas com os pés (e com a boca), desde escrever até operar os equipamentos do estúdio. O que impressiona, porém, é sua habilidade no teclado, tocado com os dedos dos pés.
“Comecei na música por meio da terapia ocupacional. Aos quatro anos de idade, descobri um tecladinho de brinquedo”, recorda o músico. “Até os 12 anos fui autodidata, depois frequentei conservatórios, aulas de canto”, explica.
Ao longo de sua carreira, David fez programas de TV (teve participação, por exemplo, na novela ´América´, de 2005), lançou CDs e foi convidado para se apresentar no exterior. Hoje, além de ter a própria empresa, colabora com o governos por meio de palestras motivacionais e participações em feiras e congressos sobre acessibilidade.
“É bom poder ser um exemplo para as pessoas. Agradeço sobretudo à família, que é muito importante no processo de reabilitação”, destaca. “É preciso atendimento especializado aos portadores de deficiências nas escolas e centros de formação, além de políticas públicas para capacitação e inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho – não apenas artístico”.
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com (15/05/11)
Veja:
Fico surpreso por eles terem um espaço no mercado, que é bastante concorrido. Interessantes os exemplos que o Ceará tem dado em termos de integração de deficientes físicos. Para quem fala que o nordestão é só atraso até que andam saindo uns ótimos exemplos daquela região.
Concordo, Daniel. Um exemplo que deveria ser seguido por todos os Estados brasileiros.