Pais e portadores de doença rara sofrem com falta de conhecimento
Fraturas nos ossos de portadores da osteogênese imperfeita são confundidas com agressão e diagnóstico muitas vezes é equivocado
Em uma noite fria de julho de 1997 a comerciante F. e seu marido J. levaram o filho B., então com cinco anos, ao pronto socorro de um hospital em Curitiba para tratar de uma fratura no braço.
Duas horas depois o casal estava no plantão de uma delegacia de polícia, sob acusação de maus tratos, tentando explicar para a delegada que a fratura da criança não foi provocada por espancamento.
B. sofre de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, também conhecida como síndrome dos ossos de cristal, cuja principal característica é tornar os ossos frágeis a ponto de quebrá-los com um simples aperto de mão.
“Como se não bastasse toda a preocupação com meu filho, que àquela altura da vida já tinha sofrido umas 30 fraturas, tive que passar pela humilhação de ser levada a uma delegacia, ameaçada de prisão e de perder a posse de B. Tudo porque ninguém naquele hospital sequer tinha ouvido falar na doença dele”, disse F., que concordou em contar sua história sob a condição de que os nomes da família fossem mantidos em sigilo.
A ignorância e falta de conhecimento estão entre as maiores dificuldades enfrentadas no Brasil pelos portadores da osteogênese imperfeita (OI), doença hereditária provocada pela falta ou má qualidade de colágeno no organismo e que atinge uma em cada 21 mil pessoas em todo o mundo.
Nos casos mais leves, a falta do colágeno provoca uma deficiência na estrutura óssea que torna o esqueleto frágil e quebradiço, causando dificuldades de locomoção, insuficiência pulmonar e perda de audição. Nos mais graves os ossos ficam tão frágeis que as crianças não resistem às contrações uterinas da mãe e morrem no parto.
Casos como o de F. estão longe de ser uma exceção. “É muito comum acontecer de pais de crianças com OI serem confundidos com agressores, pois a forma e a sequência das fraturas são muito parecidas com as provocadas por agressões”, explicou o orotpedista Cláudio Santili, coordenador do centro de referência em OI da Santa Casa de São Paulo, considerado o maior especialista na doença do Brasil.
Segundo a terapeuta ocupacional Danielle Cotrim Garros, um estudo feito com 263 crianças com suspeita de espancamento mostrou que, do total, 248 eram vítimas de agressões, nove não tiveram as causas das fraturas identificadas e seis (2,2%) eram portadoras de OI. O número é muito maior do que a média mundial de incidência, 0,004%.
A falta de informação sobre a OI no País fez com que Sônia Regina Oliveira Costa , autora de uma tese acadêmica sobre a doença, propusesse a criação de uma carteira de identificação para os portadores da síndrome.
Embora atualmente a OI possa ser facilmente diagnosticada ainda no exame pré-natal, a estimativa da Associação Brasileira de Osteogênese Imperfeita (Aboi) é que menos de 10% dos casos são conhecidos no Brasil. A estimativa é que existam 12 mil portadores de OI no País enquanto apenas mil foram cadastrados.
Desde 1999, quando a Aboi foi criada, o Ministério da Saúde, então sob o comando de José Serra, criou 14 centros de referência que oferecem tratamento grátis. O pamidronato dissódico, medicamento que apresenta os melhores resultados terapêuticos, foi incluído na lista de remédios genéricos e a equipe da Santa Casa liderada por Santili está na vanguarda da pesquisa científica sobre a doença.
“Falta informação. Há 12 anos não tem uma notificação no Acre. Será que não surgiu um caso lá neste tempo todo? O que está acontecendo com estas crianças? Onde eles estão morando? Quem cuida delas?”, questionou a antropóloga Adriana Dias, uma das fundadoras da Aboi, ela própria vítima da falta de informação sobre a doença.
Aos 40 anos, Adriana já sofreu mais de 150 fraturas e 30 cirurgias. “Hoje sabemos que muitas cirurgias e tratamentos aos quais fui submetida estavam equivocados ou poderiam ter sido evitados. Sem elas poderia ter uma qualidade de vida muito melhor”, disse ela.
Casos de erros de diagnóstico também são comuns. A farmacêutica cearense Célia Regina Vieira Bastos, portadora de OI, criou um site no qual registra dezenas de relatos de pacientes e familiares, a maioria do interior do nordeste.
Um exemplo: “Quando meu filho nasceu o médico diagnosticou como anão. Fiquei inconformada. Passei dois anos entre consultas e exames até chegar ao diagnóstico certo”, disse a mãe de Adélio, 10 anos, de Quixadá (CE).
Segundo Adriana, a Aboi já chegou a registrar casos grosseiros de erros médicos. “Temos relatos até de gente que teve a perna amputada”, disse ela.
Fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br/
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