Meu filho, meu herói: Experiências emocionantes de pais de crianças com deficiência
Por volta das 9 da manhã do dia 29 de novembro de 2004, o desenhista Flavio Soares chegou ao Hospital e Maternidade Modelo Tamandaré, na Liberdade, para aguardar o nascimento de seu primeiro filho, Logan. Cerca de cinco horas depois, viveria um dos momentos mais desesperadores de sua vida ao ser chamado a um canto do corredor por uma pediatra para receber a notícia de que a criança tinha síndrome de Down. “Foi, possivelmente, a única vez em que perdi totalmente o controle do meu corpo, tremi da cabeça aos pés e chorei muito”, lembra.
Àquela altura, não fazia a menor ideia do que era a doença e sentia um medo enorme do futuro. Essa sensação foi esquecida há muito tempo. Hoje, ele mantém um blog com dicas para pais que enfrentam a mesma situação e publica na internet a tira “A Vida com Logan”, retratando passagens do cotidiano com o menino de 6 anos. O trabalho foi recentemente indicado a uma das categorias da edição 2011 do troféu HQMIX, o prêmio mais importante do mercado brasileiro de história em quadrinhos (o resultado sai em setembro). “Chega uma hora em que os problemas ficam em segundo plano e você se concentra nas necessidades da criança e no potencial que ela pode desenvolver”, diz Soares.
Essa é uma história recorrente entre as centenas de homens que têm filhos com deficiência em São Paulo. O drama inicial é substituído, aos poucos, pela constatação de que alguns obstáculos e dificuldades são bem menores do que os pais haviam imaginado a princípio. “Eles percorrem o que chamamos de ‘cinco fases do luto’: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação”, explica a psicóloga Iracema Madaleno, da Associação de Assistência à Criança Deficiente. “O tempo necessário para atingir o fim desse ciclo varia de pessoa para pessoa, mas todos acabam chegando lá.”
São pais que orientam, apoiam e vibram com as conquistas de seus rebentos. Aliás, como qualquer outro pai que comemora seu dia neste domingo (14). “Não vejo meus garotos como deficientes, eles são iguais aos outros, o tratamento é o mesmo”, afirma o vendedor Luis Fernando de Noronha, que cuida de um casal de gêmeos de 7 anos: Juliana, que tem má-formação da coluna, e Fernando, com paralisia cerebral.
Apesar das dificuldades, os pequenos, muitas vezes, acabam se tornando guias de seus tutores. “Ele me transformou em uma pessoa melhor”, garante o empresário Helton Diaquison de Araujo, referindo-se a Arthur, de 4 anos, portador de uma atrofia muscular espinhal. “Já aprendi com ele muito mais do que eu seria capaz de ensinar.”
Em um levantamento de 2008, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida estimou que cerca de 1,1 milhão de paulistanos, ou 10,9% dos habitantes da metrópole, possuem alguma restrição física, motora, intelectual ou sensorial. Em estudo de 2003, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas concluiu que os casos mais agudos representariam 2,5% da população brasileira. Com base nesse índice, o contingente na capital seria de aproximadamente 280.000 pessoas. Conheça, nas próximas páginas, sete aventuras desses pequenos heróis, narradas por seus fiéis escudeiros.
Discurso e Shakespeare
Fábio Adiron fala sobre sua relação com o filho Samuel
“No fim do 1º ano do ensino fundamental, Samuel foi eleito orador da formatura de sua turma. O bacana é que a escolha não veio por caridade, mas porque ele havia sido o aluno da classe a se alfabetizar mais cedo ao longo do ano. Fiquei duplamente orgulhoso. Como qualquer outro pai, cobro dele que leve a sério a escola e se concentre nas atividades. A diferença é que ele precisa se esforçar um pouco mais que os outros. Por isso, cada avanço tem um significado especial.
Claro que posso ajudar, estudando e fazendo a lição junto, da mesma forma como acontece com uma criança sem deficiência. Gostamos de ler um para o outro. Atualmente estamos com “A Girafa, o Pelicano e Eu”, de Roald Dahl, e “Muito Barulho por Nada”, de Shakespeare. Descobri a síndrome de Down no dia do nascimento, no hospital. Quando chega a notícia, é um susto. Eu não fazia ideia do que se tratava. Ela veio acompanhada de outro choque: o bebê tinha também uma doença que fazia o coração misturar sangue arterial com venoso, pois havia comunicação entre todas as cavidades. Ficou 21 dias na UTI. Naquele primeiro momento, a nossa preocupação era com a sua sobrevivência.
Só fui aprender depois sobre a síndrome. O estado de choque passou quando conheci outros pais na mesma situação. Vi que não seria um mar de rosas, mas que também não era o fim do mundo. Na prática, não existe nenhuma estrutura diferente, é uma criança como as outras: você vai trocar fralda, dar mamadeira… O que mudou mesmo foi meu jeito de ver o mundo. Deixei de tentar corrigir o problema e passei a focar o que é bom.
Claro que fica um rabicho no inconsciente: ‘Será que ele vai conseguir fazer isso?’. Não é algo racional. Algumas comparações com a irmã caçula, Letícia, de 10 anos, são automáticas. Comemorei quando ela falou pela primeira vez, mas era algo dentro do esperado. Com Samuel, sempre tenho a dúvida. O que não se pode é ter uma visão assistencialista em relação ao portador de deficiência, de que ele é um coitadinho. As pessoas olham como se fosse um ET, e não um ser humano. Meu filho vai fazer tudo o que conseguir por conta dele. Se não conseguir, não fará”.
Fábio Adiron, 50 anos, consultor de marketing, pai de Samuel, 12, com síndrome de Down.
Ela quer ser a pediatra da família
Hamilton Marques fala sobre o cotidiano com Júlia, que tem síndrome de Vate
“Júlia foi uma criança muito desejada. Eu estava casado havia três anos, com a vida estabilizada, e planejamos bastante sua chegada. No ultrassom morfológico da 25ª semana de gestação, surgiu a possibilidade de ela ter a síndrome de Vater, uma anomalia que pode afetar a coluna, os rins, o coração e outros órgãos. Foi um baque. Você nunca imagina seu filho com uma deficiência. Ainda mais uma doença com nome estranho, que eu não conhecia: pensei que ela ficaria na cama para sempre.
Acabou sendo um alívio ver que não foi tão complicado quanto era esperado. Conforme descobrimos depois, nossa menina é portadora de um grau mais leve da doença. Seu desenvolvimento no aprendizado é normal. Mesmo assim, ela já passou por quatro cirurgias: duas do aparelho urinário, uma do coração e uma da coluna. Ela tem no corpo catorze parafusos e duas placas de fixação que lhe permitem ficar reta. Não existe a expectativa de que deixe de usar muleta. Terá sempre restrição para andar.
No começo, evitávamos sair na rua com ela. Era difícil enfrentar os olhares das outras pessoas. Nos dois primeiros anos, nós a cercamos de cuidados, preservamos muito o bebê, ficamos praticamente vivendo dentro de casa.
Com o tempo, percebemos que Júlia se adapta bem e é mais forte do que imaginávamos. Até porque já passou por muito nessa vida. Hoje quero que minha filha tenha uma rotina normal. Adoramos, por exemplo, passear com Titã, o cãozinho dela. Mas sei que ela não vai conseguir fazer tudo o que deseja. Vira e mexe, surgem dificuldades nas brincadeiras na rua. As colegas da mesma idade têm quase o dobro do tamanho de Julia.
Às vezes, ela se queixa: ‘A minha amiga não quis brincar comigo porque eu não consigo ir atrás da bola’. Digo que nada a impede de se divertir, dentro da sua restrição. Em algumas ocasiões, chegou a ficar muito chateada. No geral, porém, supera tudo e acaba se integrando. A mudança recente para uma nova escola é um sinal disso. Foi bem tranquila. Eu até estava preocupado, porque a matrícula já havia sido recusada em três colégios: disseram que não tinham estrutura para recebê-la. Por direito, eram obrigados a aceitar. Mas penso que, se eu forçar, não vai ficar uma situação legal.
Minha filha sempre chama atenção. Parece que tem uma luz. O tempo todo me mostra que, mesmo com dificuldades, a gente pode se adaptar, passar por cima e atravessar os obstáculos. Não sei se é porque frequentou muitos hospitais desde pequena, mas Júlia diz que será ‘médica de criança’ quando crescer. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para realizar esse sonho.
Hamilton Marques, 43 anos, veterinário, pai de Júlia, 6, com síndrome de Vater.
Luzes em meio à escuridão total
Florêncio Neto fala sobre as conquistas do filho Bruno, que é cego
“Às vezes, em casa, fecho os olhos por alguns minutos para tentar me colocar na mesma situação do Bruno, e não consigo fazer nada. Fico impressionado como ele vive dessa forma. Há uns dias, passei por uma experiência curiosa na fábrica onde eu trabalho. Faltou luz na hora do jantar e os outros funcionários ficaram nervosos porque não enxergavam. Nessas horas eu penso: ‘Esse menino é um herói mesmo’.
Só descobrimos o problema na visão quando ele tinha 1 ano de idade. Na hora, a gente não queria acreditar: ‘Ah, isso não pode ser verdade’. Foram vários exames e, até chegarmos a uma conclusão definitiva, consultamos muitos médicos. Quando veio a confirmação da cegueira total, eu fiquei desesperado, chorei bastante. Mas a verdade é que ele trouxe uma mudança total para a minha vida. Passei a ver o mundo de um modo diferente, a dar mais valor às coisas, aprendi muito.
As pessoas que enxergam agem geralmente na base da cópia, fazem algo de um jeito porque sempre viram assim. O Bruno, não. Consegue imaginar e executar à sua maneira. Acho que meu filho é capaz de tudo. A única coisa que eu digo para ele não pensar é em dirigir. Ele pede, pergunta se um dia vai pegar o carro, mas eu nem gosto de comentar isso. Não sei o que dizer.
Nós sempre jogamos futebol na garagem. Desde pequeno, ele se agachava de um lado e eu chutava ali. Há uns quatro anos, ganhamos uma bola com guizo de um colega. Brincar de futebol com o meu garoto é um sonho realizado. Somos corintianos, só que ainda não fomos juntos a um estádio. Por enquanto não acho legal por causa da violência, eu me sinto inseguro. Pretendo levá-lo um dia.
Mas meu maior medo é do futuro. A gente tenta, da melhor maneira, prepará-lo. Como não pode assistir à televisão, o Bruno gosta muito de música e diz que quer ser DJ. De vez em quando, ele me surpreende com as suas perguntas. Sempre quer saber se nós dois somos realmente parecidos. Digo que sim. Então ele passa a mão no meu rosto para conferir e concorda. ”
Florêncio Marques da Silva Neto, 39 anos, metalúrgico, pai de Bruno, 12, cego.
Acompanhe a segunda parte dessa reportagem.
Fonte: Revista Veja (17/08/11)
Veja:
Um ESPECIAL para o dia dos pais! Também sou pai, admiro e fico muito emocionado com os gestos que nossos pequeninos nos proporcionam!
Parabéns a todos os papais!
Abraços!
Nilson,
Parabéns à você e a todos os papais!
Abraços!
Somos pais de um lindo menino de 3 anos chamado Guilherme, que também é portador da Sindrome de Vater, passou por 5 cirurgias, mas tem levado uma vida normal.Temos muita sorte as má formações foram leves, analisando outros casos. Nosso filho nasceu prematuro, fez cirurgia com 8 meses, depois com 10 meses, ja recuperou-se muito bem.É super inteligente, vai a escola e recebe acompanhamento. Nós somos pais abençoados por ter essa luz de Deus morando em nossa casa, agradecemos todos os dias por ele existir, Deus sabe o que faz e confiou esse anjo para que nós pudéssemos cuidar dele.
Denise e Valmor, amor incondicional ao Guilherme.