Cadeirante denuncia discriminação em cinema de Porto Alegre
A psicóloga Vitória Bernardes, de 26 anos, prestou depoimento nesta terça-feira (18) em comissão da Câmara Municipal de Porto Alegre sobre o episódio ocorrido no Cinemark do Shopping Bourbon Ipiranga, na Zona Leste da Capital. Cadeirante há nove anos – vítima de bala perdida quando tinha 17 anos de idade – ela afirma ter sofrido discriminação por parte de um funcionário da rede de cinemas que atua em dois shoppings no Rio Grande do Sul e em 26 cidades do País.
Barrada em cinema de Porto Alegre, cadeirante acionará justiça
Na ocasião, Vitória contou que, no dia 18 de julho deste ano, acompanhada de três primos, comprou entrada para assistir a um filme em uma das salas do Cinemark, mas encontrou dificuldades em função da proximidade da tela em relação ao espaço destinado para os portadores de necessidades especiais. No entanto, ao solicitar ajuda, o funcionário da rede de cinemas negou-se a auxiliá-la, sob a alegação de que “o Cinemark proíbe seus funcionários de prestar auxílio como este aos seus clientes” e de que o cinema não tinha estrutura, pois era feito para “pessoas normais”.
Indignada com a postura do funcionário e da empresa, Vitória decidiu tornar público o episódio, que acabou tendo muita repercussão pela imprensa e pelas redes sociais. “Muitas vezes não agimos pela descrença que temos em relação aos órgãos competentes para tratar do problema. Mas é preciso fazer alguma coisa diante da violação sistemática e reiterada dos direitos humanos, tidas pelo senso comum como naturais”, disse a psicóloga, lembrando que quase 15% da população gaúcha possui algum tipo de deficiência.
A presidente da Cedecondh, vereadora Maria Celeste (PT), considerou “lamentável” o episódio, “que traz conotação de preconceito”. Celeste ressaltou que a Comissão tem se empenhado numa campanha de combate a toda e qualquer discriminação e preconceito. Acolhendo as sugestões dos vereadores Sebastião Melo (PMDB) e Toni Proença (PPL), também presentes à reunião, Celeste prometeu enviar ofício ao Executivo municipal destacando a necessidade de exigir o cumprimento das normas legais de acessibilidade para expedição de alvarás de funcionamento a qualquer estabelecimento em Porto Alegre.
Sebastião Melo lamentou a ausência de representantes do Cinemark à reunião e solicitou que a Cedecondh também envie ofício às direções do Bourbon Ipiranga e do Cinemark pedindo explicações sobre o episódio. “A Cedecondh deve repudiar a atitude do Cinemark”, disse Toni Proença.
A rede de cinemas se limitou a enviar uma nota e um pedido de desculpas para Vitória e sua família pelo incidente. De acordo com o comunicado, o Cinemark lamenta “qualquer tratamento inapropriado que, porventura, você (Vitória Bernardes) possa ter recebido de um de nossos funcionários”.
Entretanto, o texto confirma que para “conservar a segurança” a norma do estabelecimento não permite que funcionários prestem auxílio aos cadeirantes. “Visando conservar a segurança dos nossos espectadores e evitar possíveis acidentes, nossos funcionários não estão autorizados a ajudar no deslocamento de clientes da cadeiras de rodas para a poltrona do cinema”.
Confira a íntegra do relato de Vitória Bernardes sobre o episódio e a resposta divulgada pelo Cinemark em sua página oficial na rede social Facebook
Vitória Bernardes:
Dia 18 de julho de 2011, segunda-feira, fui ao Cinemark do Bourbon Shopping Ipiranga, em Porto Alegre, RS. O que era um programa simples, tornou-se inacreditavelmente “impossível”. Eu e mais 03 primos compramos os ingressos e entramos na sala de cinema. Constatando a dificuldade de visualizar a tela, devido sua proximidade, pedi para minha prima, Bruna, solicitar a ajuda de um funcionário. Devido sua demora, solicitei que minha outra prima, Gerusa, fosse verificar o que estava ocorrendo.
Minutos depois, elas entraram acompanhadas pelo gerente, senhor Maurício. Ele afirmou que o Cinemark proíbe seus funcionários de prestar auxílio como “este” aos seus clientes. Ou seja, o Cinemark, além de não disponibilizar um local decente para cadeirantes, proíbe seus funcionários de os colocarem em uma poltrona onde possam, ao menos, ver o filme. Apesar de preferir me locomover livremente e saber das leis que asseguram esse direito, abdiquei disso para me adequar ao serviço precário oferecido e, mesmo assim, escuto do representante da empresa que isso NÃO É POSSIVEL?!
Como o filme estava prestes a começar, minhas primas decidiram que elas mesmas me colocariam na poltrona. Nesse momento, o gerente “informou” que esta ação não poderia ser feita dentro do estabelecimento. Além de não ajudar, proibiu minhas primas de prestarem esse auxílio.
No primeiro momento da solicitação, quando a Bruna ainda estava sozinha, o senhor Maurício comentou que o cinema não tinha “estrutura”, pois era feito para “pessoas normais”. Normal, anormal ou qualquer outro rótulo ou denominação que queiram dar, não importa. Tenho limitações sim, mas, como qualquer outra pessoa, paguei por um serviço, pelo qual não fui informada que não poderia usufruí-lo.
Durante este lamentável acontecimento, meu único desejo era me esconder, chorar de raiva, pois além de me sentir severamente lesada como consumidora, me senti diminuída como pessoa. E pior, pelo tom usado pelo funcionário, me senti culpada por estragar o passeio das pessoas que me acompanhavam, entre elas, uma criança. Além de tudo, por instantes, o gerente me fez acreditar que o problema em questão era eu, e não sua empresa… Que inversão de valores é essa?
O caminho mais simples é “deixar assim”, mas me nego a considerar essa possibilidade. Por isso, peço que ajudem minha voz, que continua embargada, a ser ouvida por outros, sejam eles donos de estabelecimentos ou pessoas que, devido às injustiças vividas diariamente, desistem de lutar por seus direitos, por menores que sejam, como assistir um filme numa segunda-feira a tarde…
Cinemark:
Esclarecimento à Vitória Bernardes
por Cinemark Oficial, sexta, 22 de julho de 2011 às 22:41
Oi, Vitória.
Nós da Cinemark pedimos desculpas a você e a sua família pelo ocorrido no complexo Bourbon. Lamentamos também qualquer tratamento inapropriado que, porventura, você possa ter recebido de um de nossos funcionários. Esta não é a forma que tratamos os nossos clientes.
Visando conservar a segurança dos nossos espectadores e evitar possíveis acidentes, nossos funcionários não estão autorizados a ajudar no deslocamento de clientes da cadeiras de rodas para a poltrona do cinema.
Em todo caso gostaríamos de tornar público nosso constragimento e assegurar que tomaremos medidas para que este tipo de situação não ocorra novamente.
Ficamos à disposição para possíveis esclarecimentos e estamos abertos a sugestões para melhorar os nossos serviços.
Fonte: http://jcrs.uol.com.br
Veja:
Volto a destacar que se isso tivesse acontecido num certo país civilizado localizado entre o México e o Canadá a empresa seria chamada às responsabilidades devido ao Americans with Disability Act, por lá esse discurso de “estrutura para pessoas normais” não cola…