Análise dos primeiros resultados do Censo IBGE sobre pessoas com deficiência
Caro leitor,
O texto abaixo foi escrito pelo economista e pesquisador, Vinicius Gaspar Garcia.
Quantas pessoas com deficiência no Brasil poderiam estar no mercado de trabalho formal? Para responder a esta pergunta, não basta apenas reproduzir o número de pessoas com deficiência divulgado pelo IBGE. Em primeiro lugar, é preciso definir uma faixa etária que se aproxime de uma “idade produtiva”, digamos, de 18 a 60 anos de idade. Além disso, se objetivo da pergunta é avaliar a chamada “Lei de Cotas”, deve-se ter claro que os critérios para definição da deficiência na legislação não são os mesmos apurados pelo IBGE na pesquisa censitária sobre deficiência e limitações funcionais.
Quanto à faixa etária, ainda não é possível fazer o recorte da idade porque o IBGE só divulgou até agora os dados globais absolutos. Estes, porém, já permitem um exercício para aproximar as informações do IBGE do contingente de pessoas com deficiência que potencialmente poderiam fazer jus à “Lei de Cotas”. Tal instrumento de ação afirmativa baseia-se em critérios técnicos – definidos nos Decretos Federais 3.298/99 e 5.296/04 – para classificar os indivíduos nas deficiências física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla.
Veja os primeiros resultados do Censo 2010 sobre Pessoas com Deficiência
Censo do IBGE X Pessoas com Deficiência
A hipótese para este exercício, assim como fizemos na tese de doutorado com os dados do Censo de 2000, é excluir do universo de pessoas com deficiência aqueles que declararam apenas “alguma” dificuldade visual, auditiva ou motora. Restariam, então, as pessoas com “grande” ou “total” dificuldade funcional (e as pessoas com deficiência mental/intelectual). São estas que, muito provavelmente, enquadrar-se-iam nos critérios técnicos dos Decretos Federais supracitados, estando aptas a usufruir tanto da “Lei de Cotas” como das reservas de vagas em concursos públicos.
A tabela abaixo apresenta os dados do Censo de 2010 reorganizados dessa formas:
A “Lei de Cotas”, assim como outros instrumentos de ação afirmativa, foi pensada para equipar oportunidades para pessoas com reais e efetivas dificuldades para inserção no mercado de trabalho. É difícil definir exatamente a fronteira entre aqueles que precisam deste tipo de política e outros que, mesmo com alguma dificuldade, têm plenas condições de conquistar normalmente oportunidades de trabalho. Entretanto, esse é um exercício necessário para que direitos legitimamente conquistados não se transformem em privilégios de determinados grupos.
Nesse sentido, ao falar sobre “Lei de Cotas” ou vagas em concursos públicos, nos parece mais realista e correto considerar um contingente de 15,8 milhões de pessoas, ou 8,3% da população (e não 45,6 milhões de indivíduos, dentre os quais a grande maioria apenas com “alguma” dificuldade funcional). Será preciso ainda restringir este contingente de 15,8 milhões por uma faixa etária que represente “idade produtiva”, além de evitar a dupla-contagem daqueles que declararam mais de uma “deficiência severa” (total ou grande incapacidade).
Por fim, é preciso dizer que essa tentativa de mensurar a população com deficiência de maneira mais apurada vale apenas como instrumento de balizamento das políticas públicas. Isso é importante para dimensionar os resultados da ação afirmativa ou estimar o contingente daqueles que precisam ter recursos diferenciados de educação, por exemplo. Em última instância, quando pensamos numa sociedade inclusiva, não importa se são 3, 5 ou 45 milhões de pessoas com deficiência, pois todos devem ter acesso aos direitos sociais fundamentais.