Esclerose Múltipla: diagnóstico, características, sequela e tratamento
Dando continuidade ao assunto sobre Esclerose Múltipla, veremos, abaixo, o diagnóstico, as características básicas, a sequela e o tratamento dessa doença. A informações são do Dr. Dagoberto Callegaro, médico, coordenador do Ambulatório de Esclerose Múltipla do Hospital das Clínicas e professor de Neurologia da Universidade de São Paulo, entrevistado pelo Dr. Drauzio Varella. Para que possa entender melhor o texto, recomendo que leia a primeira parte.
Drauzio – Você recebe um paciente que teve, por exemplo, um formigamento numa das mãos ou num dos pés que durou 10 ou 15 dias e passou. Você o examina e não encontra nada que justifique essa crise. O que o faz suspeitar que seja um quadro de esclerose múltipla? Há algum exame que auxilie no diagnóstico?
Dagoberto – Do ponto de vista clínico, é muito difícil confirmar o diagnóstico de uma doença que pode desaparecer espontaneamente, pelo menos nos primeiros anos, sem o auxílio de exames subsidiários.
Além disso, alguns pacientes simulam sintomas para obter alguns ganhos que não ficam claros para o médico nas primeiras entrevistas.
Drauzio – Existem esses exames subsidiários para diagnóstico da esclerose múltipla nas fases iniciais da doença?
Dagoberto – Hoje, contamos com a ajuda da ressonância magnética, um exame que permite fazer o diagnóstico da doença quando aparecem os primeiros sintomas. Se nos reportarmos às décadas de 1970, 1980, a dificuldade era muito maior. Com o advento da ressonância magnética do neuro-eixo, ou seja, do cérebro e da medula espinhal, temos a possibilidade de separar aquilo que seriam queixas sem nenhuma função orgânica comprometida do que está realmente comprometido pela doença.
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Drauzio – A esclerose múltipla começa a instalar-se por volta dos 20, 30 anos e é mais freqüente em alguns lugares do mundo e em certas populações. Isso faz supor que exista um agente infeccioso por trás da doença?
Dagoberto – Essa é uma questão polêmica. Há trabalhos em todas as linhas de pensamento. Há os epidemiológicos mostrando que a agressão repetida por algum fator ambiental (infeccioso, produtos tóxicos ou alimentares, etc.) vai determinar o aparecimento da doença, e há aqueles que demonstram ser a genética um fator muito importante para o aparecimento da esclerose múltipla.
Drauzio – Que tipo de fatores ambientais são esses?
Dagoberto – O mais importante é o fator infeccioso viral, porque os vírus têm a propriedade de modificar a estrutura antigênica de nossas células, ou seja, a estrutura que torna nossas células reconhecidas pelo sistema imunológico. Conseguimos viver porque contamos com esse sistema de defesa que nasce conosco e é capaz de reconhecer e não atacar as células do nosso organismo. Ele agride apenas o invasor externo – vírus, bactérias fungos, riquetsias, enfim , todo o agente vivo que queira hospedar-se dentro de nós e possa provocar doenças – e o invasor interno, ou seja, as células tumorais. Nosso sistema imunológico consegue diferenciar o que faz parte de nós daquilo que é externo e agressivo. Os vírus conseguem modificar certas propriedades de reconhecimento das células, seja no sistema imunológico, seja nas células do sistema nervoso central e com isso se inicia o processo de destruição. A esclerose múltipla é uma doença auto-imune, porque o sistema imunológico agride as estruturas do organismo que deveria defender.
Doença remitente-recorrente
Drauzio – Você disse que a esclerose múltipla é uma doença remitente-recorrente. Esses períodos de remissão e recorrência costumam durar quanto tempo?
Dagoberto – A característica básica da esclerose múltipla é a imprevisibilidade. Portanto, os sintomas podem ocorrer a qualquer momento. Existe aquilo que se chama de taxa anual da recidiva, isto é, de volta dos sintomas, que se baseia numa análise estatística de grandes populações de pacientes. Essa taxa indica que, na fase inicial da doença, a média é de um a um e meio surtos ou recidivas por ano. É lógico que há pacientes que recidivam depois de três, quatro ou cinco anos e aqueles que em menos de seis meses sofrem novo surto.
Drauzio – Isso quer dizer que a doença pode apresentar grau de maior ou menor agressividade.
Dagoberto – Exatamente. Isso vai depender da intensidade inflamatória do sistema nervoso central.
Sequelas
Drauzio – Se as crises sucessivas não deixassem nenhuma sequela, a esclerose múltipla não seria uma doença tão problemática. Quais são essas sequelas?
Dagoberto – Geralmente, no início da doença, a maior parte dos pacientes tem remissão quase completa. Os primeiros surtos, ou recidivas, quase não deixam marcas. Quando procedemos ao exame neurológico, podemos não encontrar nenhum sinal da doença. Com o passar dos anos, porém, pode ocorrer uma superposição de sintomas, ou seja, a repetição de sintomas na mesma área do sistema nervoso central vai deixando seqüelas que conseguimos caracterizar ou identificar pelas queixas do paciente – olhe, de tal época para cá não consegui mais andar sem o apoio de uma bengala – ou, então, pelo exame neurológico que revela os sinais clássicos e peculiares da síndrome.
Tratamento
Drauzio – Feito o diagnóstico, como deve ser orientado o tratamento?
Dagoberto – Paciente com a doença muito frustra pode ficar sem tratamento. Se teve a primeira inflamação e foi confirmado que se trata de doença inflamatória desmielizante com sintoma transitório que logo desapareceu, vamos acompanhar a evolução do quadro com o subsídio laboratorial fornecido pela ressonância magnética. Esse exame deve ser repetido a cada três ou seis meses. Se houver repetição das inflamações, é preciso ficar alerta e estabelecer um programa de medicação preventiva. Se for constatado que as inflamações não se repetem, o paciente deve ser mantido sob observação e eu faço a análise periódica de seu cérebro através das imagens obtidas pela ressonância magnética. Quando a doença não dá sinais de retorno, não há necessidade de introduzir o tratamento porque os recursos de que dispomos não são curativos e têm efeitos colaterais bastante adversos. Por isso, é preciso sempre nos posicionar no sentido de escolher a melhor conduta terapêutica para cuidar de cada pessoa em particular.
Drauzio- Quais os benefícios para o paciente daquilo que você chama de eficácia parcial do tratamento?
Dagoberto – Como se trata de uma doença com manifestação remitente-recorrente, o objetivo do tratamento é reduzir a possibilidade de um novo surto, de uma nova exacerbação da doença. Isso significa tentar aumentar o intervalo entre um sintoma e outro. No entanto, todas as drogas que conhecemos apenas espaçam os episódios de recorrência ou reduzem a intensidade dos surtos. Dificilmente, com a metodologia terapêutica atual, o doente ficará livre dos surtos.
Drauzio – Você acha que sempre vale a pena tratar os doentes com esclerose múltipla que tenham surtos freqüentes?
Dagoberto – Se o doente apresentar mais do que duas manifestações clínicas por ano, se no período de seis meses a um ano entre dois exames, a ressonância magnética revelar número crescente de lesões novas, deve ser prescrito tratamento para controlar a imprevisibilidade da doença. Muitos pacientes chegam a declarar que se sentiriam menos abalados se soubessem que tinham uma doença de progressão lenta, mas que não lhes passasse a sensação de que “hoje estou bem, amanhã talvez não possa trabalhar ou não consiga ler nem escrever uma palavra sequer”. Portanto, é a imprevisibilidade dos sintomas que ainda hoje determina a prescrição do tratamento, cujo objetivo é reduzir o impacto da recidiva na vida dos doentes.
Parabéns pela matéria! Acredito que informação sempre ajuda as pessoas a lidarem melhor com essa doênça.
Muito abrigado
Também acredito muito nisso, Eduardo! Obrigada!
Vera
Parabéns!!..Realmente, essa doença nos traz a percepção e valorização de cada dia, cada evolução conquistada, cada passo dado….e vamos em frente…sempre.