Cientista tenta “substituir” medula de pacientes debilitados por aparelho elétrico
Entre o final de 2004 e o começo de 2005, John Donoghue assustou o mundo ao mostrar o paciente Matthew Nagle comandando cursores e jogando pong em um computador. Nagle era tetraplégico fazia isso não com um joystick, mas por meio de um implante dentro do seu cérebro, conectado ao PC com um cabo que saía da sua cabeça. De lá para cá, a interface Braingate foi testada em mais 6 pessoas com deficiência severas de locomoção e danos na medula, sem que ainda conseguisse atingir um controle fino de aparelhos como braços robóticos e cadeiras de rodas. Depois de passar por polêmicas envolvendo uma startup criada para vender o produto (mas que nunca chegou a fazê-lo), Donoghue comanda uma segunda fase da empreitada, chamada de Braingate 2. Na entrevista abaixo, ele explica como quer fazer com que as ondas captadas por meio de implantes cerebrais façam o que a medula de pacientes debilitados deixou de fazer: transmitir impulsos elétricos aos músculos de pessoas paralisadas.
Houve uma grande atenção quando vocês publicaram os resultados do Braingate em 2004, mas desde então não se houve falar do projeto. O que aconteceu desde então?
Nós tivemos o primeiro humano a usar uma leitura de neurônios diretamente do cérebro para controlar alguma coisa. Isso ganhou muita publicidade na época. Desde então , as publicações se tornaram mais sobre como fazer um trabalho melhor em decodificar o que é captado em termos de ondas cerebrais e que tipos de aparelho podem ser controlados melhor.
Quantas pessoas já comandaram computadores com o cérebro no experimento?
Ao todo, 7 pacientes, todos severamente paralisados por derrames ou outras doenças a danos à medula espinhal. Em todos os casos nós mostramos que os pacientes poderiam controlar um cursor de computador imaginando ir para cima ou para baixo e que podem clicar em alguma coisa imaginando que estão apertando algo nas mãos. É bem parecido com o que você e eu fazemos com um mouse de computador. Nós também criamos um teclado virtual onde eles podem digitar algo apontando o cursor e apertando para se comunicar.
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O que a continuidade dos testes mostrou?
Havia uma questão sobre quanto tempo você realmente pode manter alguém com um chip implantado no cérebro. Há uma preocupação de que o cérebro pode rejeitar o implante depois de algum tempo, reagir formando uma cicatriz. Publicamos um trabalho onde avaliamos que, após 1.000 dias de implante, ele ainda estava funcional. Isso com a pessoa usando o chip 5 dias seguidos todas as semanas. Depois de todo esse tempo, a pessoa ainda podia apontar e clicar com o mouse.
Eu li relatos de que fica mais difícil ler os sinais do chip com os tempo.
Há, definitivamente, mudanças na qualidade dos sinais. E, do que podemos observar, isso tem muito a ver com os materiais começarem a falhar. Desde que começamos, a 6 anos, houve pequenas mudanças contínuas nas ondas do aparelho. O problema parece mais relacionado aos materiais que são deixados dentro do corpo. Pessoas que usam coxas e joelhos artificiais sabem que esses dispositivos se degradam com o tempo, nós também sabemos disso.Só que é importante sabermos, por conta desse estudo que fizemos, que, depois de 5 anos, o dispositivo ainda está funcionando.
As pesquisas mostraram mais avanços?
O outro achado significante foi a habilidade de controlar outros aparelhos. Mostramos não apenas a habilidade dos pacientes em controlar cursores, mas também a de mover uma mão mecânica motorizada e até de mover um robô, numa maneira muito primitiva, com as ondas cerebrais. Outra coisa que estamos muito interessados é em usar os sinais cerebrais para controlar o próprio braço danificado.
Como assim?
Há uma tecnologia chamada FES (Estimulação elétrica funcional). Quase 600 pessoas têm aparelhos que contam com cabos colocados dentro de músculos ou de nervos paralisados [os aparelhos, ao dar uma pequena descarga elétrica em uma parte do corpo paralisada, conseguem fazer os músculos contraírem, recuperando alguns movimentos].
O líder dessa tecnologia hoje é Roger Peckham, da Case Western University. Ele tem um caso de uma mulher que tem uma caixa fora do corpo e cabos e sensores conectados nas duas pernas. Ela está paralisada da parte debaixo do abdome. Quando ela aperta um botão dessa caixa, o aparelho dá a ela um estímulo que a faz levantar. Há outras pessoas com paralisia parcial de seus braços que podem usar sinais vindos de aparelhos fora do seu corpo para erguer uma lata de refrigerante e beber. Eu almocei com duas pessoas que têm esses aparelhos, e eles comeram comigo, mesmo sendo parcialmente paralisados. Sem o sistema FES eles não podiam controlar os seus músculos, mas agora podem.
E o que isso tem a ver com a tecnologia do Braingate?
Quando você contrai um músculo isso é normalmente feito por uma instrução dos nervos, que carregam estímulos elétricos do seu sistema nervoso até os músculos. Mas quando se tem um dano à medula, não há como carregar esses comandos pelos nervos. Basicamente, o que estamos tentando fazer é usar fios e cabos para carregar as informações até os músculos, substituindo o papel da medula lesionada.
Estamos em um trabalho conjunto com Peckham para ligar o Braingate aos aparelhos de FES. A intenção é fazer com que os comandos que conseguimos retirar do cérebro sejam usados para ativar esse sistema de eletricidade que faz músculos funcionarem. Seria um Braingate para controlar os seus próprios músculos. Ainda não fizemos esses experimento de uma pessoa controlando o seu próprio braço, mas fizemos simulações num computador que mostraram ser possível comandar o sistema de estimulação elétrica por meio do cérebro.
Se é possível fazer essa “religação” do cérebro com os músculos, por que ainda não testaram em alguém paralisado?
Para retirar os sinais do cérebro hoje, usamos um plugue na cabeça. É muito complicado ter um plugue saindo do corpo e depois entrando de novo para levar o sinal até a área paralisada. É arriscado, nós não queremos fazer isso. Então estamos trabalhando num sistema para transmitir as ondas cerebrais captadas pelo Braingate sem fio. Quando isso acontecer, o próximo passo será conectar isso aos aparelhos de FES system e fazer a pessoa controlar os seus músculos diretamente do cérebro. O cérebro iria então se comuniacr com um computador que decodificaria os sinais e comandaria um aparelhos que tem cabos levando eletricidade ao músculo e fazendo o braço funcionar. No fim, o paciente se moverá da mesma maneira que uma pessoa normal faz. É claro que os movimentos não serão firmes ou fluídos ou rápidos, mas estamos caminhando nessa direção. É como uma ponte física, sem passar pela medula espinhal.
Quais são os objetivos do projeto de vocês no futuro?
Estamos agora trabalhando na segurança dos aparelhos, temos mais de 10 anos de dados de segurança sobre os nossos pacientes que parecem bons. O segundo objetivo é mostrar as capacidades de controle, o que está relacionado a controlar um aparelho de FES ou um braço robótico.
Qual o estágio das ondas cerebrais que vocês captam hoje? Conseguiriam controlar uma cadeira de rodas com elas?
Na verdade, já fizemos uma demonstração em que o paciente paralisado controlou uma cadeira de rodas com as ondas cerebrais. O problema é que o controle tem de ser extremamente confiável porque se o paciente está no meio da rua e o controle falha, isso seria um desastre. Eu diria que, para aparelhos assim, ainda precisamos evoluir para tornar o controle cerebral mais confiável.
Quanto tempo?
Não sei dizer. Para que se torne possível controlar dispositivos como uma cadeira de roda ou um carro com o cérebro ainda precisamos de mais tempo.
O que acha sobre o projeto Walk Again, liderado pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis?
Fico muito feliz em ver que esses profissionais estão tentando estender o nosso trabalho desenvolvendo locomoção e movimento. Nós estamos nos concentrando agora no braço, e fazemos isso porque há uma quantidade imensa de informação sobre como o cérebro controla o braço. Mas é muito importante entender como o cérebro controla a locomoção. O problema com caminhar é que você não tem apenas que fazer os sinais atingirem o músculo, mas atingir um equilíbrio, que é realmente um problema gigante.
Quando você levanta para fazer um movimento, você tem que coordenar as pernas juntas, em sincronia. Quando você anda, tem que ver que uma perna está fazendo o oposto da outra. Então você tem de mudar os comandos e fazer com que as pessoas consigam atingir equilíbrio por meio de um sistema cerebral. Não estamos trabalhando nisso porque é realmente difícil de fazer.
Fonte: Revista Galileu