Deficiência FísicaEntrevistas

Entrevista com Fred Rios, do Blog Acessibilidade na Prática

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Caro leitor,

O entrevistado pelo blog Deficiente Ciente desse mês é o médico veterinário, Frederico Rios, 30 anos, da cidade de Paranaíba, MS.

Acompanhe abaixo, a entrevista que Fred, como geralmente é conhecido, concedeu gentilmente ao blog.

“Quem está neste “barco” sabe que as dificuldades são inúmeras. Mas, na minha opinião, o maior desafio é vencer as barreiras atitudinais, ou seja, o preconceito e o desrespeito por parte das pessoas e do poder público. Ninguém é obrigado a mergulhar neste nosso universo, o das pessoas com deficiência, mas respeito ao próximo deveria existir independentemente de qualquer coisa.” (Fred Rios).

Fred RiosComo você se tornou uma pessoa com deficiência?

Sofri um acidente de moto em agosto de 2008, em Campo Grande – MS. Um senhor atravessou a preferencial e bati minha cabeça contra o carro dele. O impacto provocou uma fratura na minha 5ª vértebra cervical e, consequentemente, uma lesão incompleta na minha medula espinhal, tornando-me tetraplégico.

Qual foi a reação de sua família?

Todos ficaram muito apreensivos, claro, até porque corri risco de morte. Foram 24 dias na UTI, 28 dias no apartamento e mais 25 dias num outro hospital. Sofri muito com infecções severas e escaras. Além de me dar todo o apoio e carinho, minha família iniciou uma peregrinação incansável em busca de informações sobre tudo que envolvia minha lesão, pois geralmente os médicos não nos passam todas as orientações necessárias. Ficamos muito perdidos no início. Hoje, devido ao meu acidente, a rotina de todos está diferente do que era, mas o apoio deles tem sido muito grande e fundamental para que eu continue lutando.

Conte sobre sua experiência de ir até a Alemanha e receber um implante de células-tronco.

Ter a possibilidade de realizar um tratamento com células-tronco é o sonho de todo lesado medular, e também de pessoas com outros tipos de comprometimento. Minha mãe foi quem mais insistiu e lutou para que eu fizesse este tratamento. Pesquisamos muito sobre este tipo de terapia, inclusive no Brasil, e optamos pela Alemanha porque foi o tratamento sobre o qual conseguimos o maior número de informações, inclusive de pessoas que se submeteram ao tratamento e tiveram melhoras significativas. Claro que minha vontade era de ter feito o tratamento aqui mesmo no Brasil, mas isso não foi possível. Na época, me inscrevi num protocolo de pesquisa da USP, mas nunca fui chamado.

Essa experiência está dando resultados?

Sim! Estive duas vezes na Alemanha e, poucos dias depois de cada aplicação, resultados positivos já começaram a aparecer. Com muita fisioterapia, os resultados vão sendo cada vez mais visíveis. Minhas principais melhoras foram na sensibilidade, na força de abdômen e no controle de tronco. Houve até um dia que consegui tirar voluntariamente as duas pernas do chão! Foi uma choradeira danada aqui em casa (risos). Hoje consigo até tocar minha cadeira de rodas dentro de casa, o que não conseguia fazer antes.

O que acha sobre a experiência com células-tronco que está acontecendo no Hospital São Rafael, na Bahia?

Eu acho excelente! Pelo que já li e pesquisei, este experimento tem sido bem conduzido pelos pesquisadores de lá. A técnica adotada no Hospital São Rafael também é utilizada com sucesso em outros países. O que me deixa triste é a falta de investimento em projetos como este aqui no Brasil, pois acabam sendo disponibilizados para um número muito pequeno de pacientes. Mesmo se tratando de um tratamento experimental, muito mais pessoas poderiam estar sendo beneficiadas com esta pesquisa.

Em relação à acessibilidade, como você vê essa questão?

Eu vejo a acessibilidade como um dos principais pilares da inclusão das pessoas com deficiência à sociedade. Além disso, locais, estruturas e equipamentos acessíveis beneficiam todas as pessoas, e não apenas àquelas que têm algum tipo de limitação física, sensorial ou mental.

Acredito que a acessibilidade não pode ser vista apenas com os olhos da Arquitetura ou de normas técnicas, mas também do bom senso e da criatividade, permitindo que todos gozem igualmente de espaços e serviços.

Recursos de acessibilidade na educação e na comunicação, por exemplo, são fundamentais para que “todos” consigam ter acesso a trabalho, cultura, lazer, turismo, enfim, ter dignidade.

Fale um pouco sobre a criação do Blog Acessibilidade na Prática. Como tudo começou?

O Blog Acessibilidade na Prática foi criado por acaso, sem muitas pretensões, como a maioria dos outros blogs. Incentivado por uma amiga a publicar fotos de locais de Campo Grande (MS) com ou sem acessibilidade, abri uma conta no Blogspot e o batizei com o primeiro nome que me veio à cabeça: “Acessibilidade na Prática”.   Nossos primeiros assuntos foram postados em dezembro de 2010, antes mesmo do esperado, pois a intenção era iniciarmos nosso trabalho apenas em 2011. E vendo que não conseguiria tocar do blog sozinho, convidei alguns amigos para me ajudar, os quais me atenderam prontamente.   Aos poucos, fomos conquistando o respeito e a amizade das pessoas, tanto de Campo Grande como de várias partes do país. E o mais interessante é que essas pessoas não eram apenas com deficiência ou profissionais da área, mas também cidadãos comuns, entusiastas da acessibilidade para todos.

Hoje, após 1 ano de blog e muito amadurecimento, definimos nossos principais objetivos: fiscalizar, informar, denunciar e conscientizar. Resumindo, tentamos fazer nossa parte enquanto cidadãos.

Para você, quais são os principais obstáculos da pessoa com deficiência na luta pelos seus direitos?

Quem está neste “barco” sabe que as dificuldades são inúmeras. Mas, na minha opinião, o maior desafio é vencer as barreiras atitudinais, ou seja, o preconceito e o desrespeito por parte das pessoas e do poder público. Ninguém é obrigado a mergulhar neste nosso universo, o das pessoas com deficiência, mas respeito ao próximo deveria existir independentemente de qualquer coisa.

Vivemos num país culturalmente corrupto, onde direitos têm de ser solicitados enquanto deveriam ser simplesmente oferecidos às pessoas. Se nós, que temos acesso à informação, não conhecemos nossos próprios direitos, imagine as fatias mais carentes da população!

Mas tenho fé de que, enquanto houver pessoas que lutam despretensiosamente pelos menos favorecidos ou em prol de alguma causa nobre, colheremos bons frutos. É o que me anima a lutar pela acessibilidade e, consequentemente, pela inclusão.

Atualmente quais são seus projetos?

Sou Médico Veterinário de formação e sempre trabalhei com animais de grande porte. Meu sonho é voltar a trabalhar, mas pelo menos por enquanto isso está fora de cogitação. Em curto prazo, pretendo me dedicar à minha reabilitação e ao blog, procurando fomentar a discussão em torno da acessibilidade principalmente entre as pessoas sem deficiência.

Deixe uma mensagem aos leitores do Blog Deficiente Ciente.

Gostaria de agradecer à Vera pelo convite e pela oportunidade de partilhar com vocês leitores um pouco da minha história e do Acessibilidade na Prática. Não sou nenhum especialista em Inclusão nem em Acessibilidade, mas a inquietação em ver tantas barbaridades é que motiva a mim e aos meus amigos a lutar por um mundo melhor, mais acessível, mais justo e mais digno.

Se vocês também acreditam num mundo melhor, se “inquietem” também! Tenham certeza de que vocês podem mudar alguma coisa, e para melhor! Por menor que possa parecer seu gesto, ele pode mudar grandemente a vida de várias pessoas. E mesmo que mude a vida de uma pessoa apenas, já valeu muito à pena!

Um grande abraço a todos!!!

Fred

Fred Rios

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

4 comentários sobre “Entrevista com Fred Rios, do Blog Acessibilidade na Prática

  • Fred,
    Muito obrigada por ter concedido esta entrevista! Desejo a você muitas felicidades e muito sucesso em seus projetos!
    Parabéns a você e toda equipe do Blog Acessibilidade na Prática!

    Abraços!

    Resposta
  • As experiências de vida nos ensinam a transformação, Parabéns pela matéria, muito legal !

    Resposta
  • Olá Vera Garcia,
    Gostaria de entrar em contato com você para solicitar autorização de uso de uma entrevista sua em um livro didático de Português do 6º ao 9º ano, poderia me passar seu email ou telefone.

    Abçs
    Cláudio Perez

    Resposta

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