A deficiência e a curiosidade infantil
Um dos meus sonhos quando criança, era de ser professora. Costumava pegar uma pequena lousa, que tinha em casa, e pedia aos meus irmãos e vizinhos que sentassem no chão para que eu pudesse ensiná-los. Esse desejo de lecionar acompanhou-me durante vários anos.
Até que um dia, minha mãe conseguiu transferir-me de uma escola do ensino médio para uma escola onde havia o magistério. Quando soube da notícia fiquei deslumbrada, mas também preocupada com a questão da adaptação. Porque ao entrar na nova escola era preciso adaptar-me ao novo local, aos novos colegas, a nova professora, aos novos funcionários… Impressionante! Bastava eu pensar que teria que enfrentar novas pessoas e a insegurança tomava conta de mim.
O medo do novo ou do desconhecido provoca em qualquer pessoa, seja ela uma pessoa com ou sem deficiência, uma sensação de desconforto, angústia, medo e expectativas. No entanto quando se possui uma deficiência, essas sensações são ainda maiores.
Fui para o meu primeiro dia de aula com o coração aos pulos e muito ansiosa pelo que poderia encontrar pela frente. Ao entrar na sala de aula, não sei se foi casualidade do destino – apesar de não acreditar muito nestas coisas – eu pude vê-las… Para minha felicidade e surpresa, encontrei duas amigas que moravam no mesmo bairro que o meu. Sabe aquela sensação de alívio, tranqüilidade e segurança, pois então, foram exatamente essas sensações que senti no momento em que as vi. Essas amigas me receberam tão bem e logo foram me apresentando para os demais colegas da sala. Fui muito bem acolhida naquele dia e nos demais. Sou eternamente grata a essas amigas.
Os dias foram passando e eu fiquei sabendo que no segundo ano de magistério era preciso fazer estágio em salas de aula de educação infantil, ou melhor, em pré-escolas. Até então, tive pouquíssimo contato com crianças após o meu acidente.
Sabemos que crianças costumam ser muito curiosas. É natural, porque a curiosidade é uma reação inata da criança frente à descoberta do mundo. Nas sábias palavras de Paulo Freire, ele dizia que: “A criança é imensamente curiosa, é esta curiosidade que a leva à busca de conhecimentos sobre o mundo que a rodeia, observando, questionando.” Devido então a essa curiosidade e espontaneidade das crianças, principalmente àquelas que estão na faixa de três a seis anos de idade, dificilmente consegue-se esconder uma deficiência. As crianças nesse faixa etária estão na fase da idade dos porquês. É uma fase muito difícil, porque elas formulam muitas perguntas e impõem várias requisições de informações. Os assuntos vão dos mais profundos até os corriqueiros e banais, como por exemplo: “Por que o chão é duro?” “O que é o céu?” Agora imagine uma criança nessa faixa etária deparando-se com uma pessoa com deficiência. Haja respostas para satisfazê-las. E essa situação aconteceu comigo no meu primeiro dia de estágio na pré-escola.
Assim que entrei na sala de aula, algumas crianças vieram em minha direção e rapidamente apareceram com uma avalanche de perguntas, tais como: “O que você tem tia?” “Cadê o seu braço?” O que aconteceu?”É natural que me “bombardeassem” de perguntas e ficassem assustadas, afinal eu era uma pessoa, que naquele momento, apresentava uma diferença em relação às outras. Como costumava usar camiseta, uma das crianças pediu que eu a tirasse para que ela pudesse ver o que tinha acontecido comigo. Imagine a minha situação e a delas. Sabe quando dá aquela vontade de sair correndo…era exatamente isso que eu queria fazer. No entanto quando via aqueles rostinhos assustados olhando para mim, pedindo explicações…resolvi ficar. Conversei com a professora deles – que assim como eu estava desorientada – e pedi para que ela formasse uma roda e sentasse com eles no chão, para que eu pudesse explicar o que havia acontecido comigo. Percebi que enquanto respondia as perguntas, elas ficavam mais calmas. Porém quando achei que o “interrogatório” havia acabado, surgiram novas perguntas.
Sempre fui apaixonada por crianças, talvez isso explique minha vocação para ser professora.
Aquele foi um dia singular na minha vida, aprendi que não adianta querer esconder uma deficiência diante uma criança, pois elas são muito espertas e perspicazes. O ideal é responder da melhor forma possível, com muita paciência e sem se preocupar com constrangimentos. Não podemos esquecer que nesse período, as crianças estão na sua melhor fase de vida, pois são sinceras e espontâneas. Na minha opinião, conquistar a confiança de uma criança e receber o seu sorriso, é uma das melhores coisas do mundo.
Vera Garcia
Poxa… imagino o quanto que a inclusão de uma pessoa deficiente como professora deve mexer com a ikmaginação das crianças e, mais do que isso, tenho certeza que isso é ótimo para que elas se desenvolvam sem preconceito! É importante que essas "deficiências" sejam incluídas no dia-a-dia das nossas crianças afim de que elas compreendam e respeitem um mundo diferente do que elas estam acostumadas!
Bjok´s
Você não imagina o quanto mexe com a imaginação das crianças, Tahiana.
Você tem razão…com o passar do tempo, percebia que o sentimento de solidariedade, amizade e respeito entre elas e comigo aumentava a cada dia. Através dessa convivência, não havia espaço para o preconceito. Foi uma experiência muito rica tanto para mim quanto para elas.
Sinto muita saudade dessa época!!
Beijos!
Vera
Oi Vera!!
Como sempre, tão bonito e emocionante toda vez que você escreve sobre sua vida…
Eu também gosto muito de crianças justamente por essa espontaneidade e sinceridade que elas têm… E veja que elas não conhecem o preconceito, nós, adultos, é que temos preconceito… e, se não orientarmos as crianças, desde a mais tenra idade, elas se transformarão também em adultos preconceituosos…
Sua ideia de fazer uma roda com elas e esclarecer suas dúvidas, foi a melhor atitude que você poderia ter tomado…
Imagino ter sido uma grande experiência e aprendizado, tanto para você, como para elas!
Lindo, adorei ler você!
Beijo!!!
Mais uma vez obrigada, Regina!!
Realmente a criança não é preconceituosa, mas ela aprende a ser, através da convivência com adultos que possuem algum tipo de preconceito.
Beijos, querida!
Vera
Quando se fica deficiente na vida adulta e mais difícil a superação? Fiquei aos 40 anos não estou conseguindo superar amputação.