Entrevista com Antonio Jorge de Melo, ativista da causa das pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica
Caro leitor,
O entrevistado desse mês do Blog Deficiente Ciente é o amigo e ativista da causa das pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica, Antonio Jorge de Melo. Antonio é carioca, casado, tem 51 anos e é pai de Talita, 25 anos, Taiza, 23, e Tiago, 14 anos. Ele mantém os blogs Células-tronco já!! e Falando com ELA. Acompanhe a entrevista.
“Apesar de termos avançado em algumas conquistas, não há muito que comemorar. O Sistema Público em sua essência é caótico, aviltante e imoral. Pessoas sofrem e morrem diariamente por falta de um atendimento digno em nosso país.” Antonio Jorge
Deficiente Ciente: Qual foi sua reação e de sua família ao ser diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (E.LA.). Fale um pouco sobre isso.
Antonio Jorge: Foi um momento extremamente difícil para todos nós. Isso foi em junho de 2009, minha mãe já estava em uma cadeira de rodas, e há uns 15 anos lutava contra os sintomas da doença sem imaginar do que se tratava. Quando fui diagnosticado, o meu diagnóstico foi estendido para minha mãe. Ao buscar na Internet as primeiras informações sobre a doença, foi aí que desabei de vez, pois li que a expectativa de vida média de um paciente com ELA era de 2 a 5 anos. Tempos depois, à medida que adquiri novas informações sobre a doença, aceitei o fato de que a ELA é uma doença bastante imprevisível e com diferentes tipos de evolução. O maior exemplo disso é a minha mãe, que já tem uns 17 a 18 anos da doença estabelecida, tem 82 anos e está apenas com o comprometimento dos membros inferiores.
D.C.: Como era sua vida antes do diagnóstico?
A.J.: Amava trabalhar como Representante Farmacêutico. Quando fui diagnosticado, o médico me pediu para interromper imediatamente minhas atividades laborais. Foi outro choque. Somente depois de 6 meses de uma tentativa inútil de continuar trabalhando eu me rendi ao fato de que não tinha mais qualquer condição de exercer o meu trabalho, que consistia basicamente em me deslocar de carro para algumas cidades, e visitar diariamente os clientes, o que normalmente era feito de carro ou a pé.
Meus hobbies eram: tocar bateria, andar de bicicleta, nadar, caminhar e fazer passeios ecológicos. Tive que renunciar a tudo isso. Mas não me sinto infeliz, ao contrário, hoje estou envolvido com outras atividades que muito me gratificam.
D.C.: Muitas pessoas não tem conhecimento sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica. Você poderia nos explicar um pouco mais sobre essa doença rara.
A.J.: A ELA é uma doença neurodogenerativa de caráter progressivo que acomete os neurônios motores superiores e inferiores. Esses neurônios motores são responsáveis em “alimentar” os músculos das diversas partes do corpo, ex: pernas, braços, sistema respiratório, sistema digestivo, mecanismo da fala, etc.. Não havendo o “alimento” para as células musculares, elas atrofiam e morrem. É importante que se diga que existem duas formas de ELA: ELA esporádica e ELA familiar. Em tese, a evolução da ELA familiar se dá de forma mais lenta e menos agressiva, mas conforme eu disse, nessa doença tudo é muito imprevisível.
D.C.: Como é seu dia a dia?
A.J.: Normal, acordo bem cedo, corro para meu laptop em busca de notícias sobre as pesquisas que estão sendo desenvolvidas ao redor do mundo, principalmente as pesquisas com células-tronco adultas em ELA (não confundir com células-tronco embrionárias, onde ainda não existem estudos em pacientes com ELA), e dedico-me bastante ao projeto de implementação do MOVELA (Movimento em Defesa dos Direitos da Pessoa com ELA), que em breve terá a sua Assembleia de constituição.
Sempre que possível, viajo um pouco, e também gosto muito de dirigir. E dedico-me integralmente a minha família, que com certeza faz toda a diferença na minha vida, além da minha fé em Cristo, é claro.
D.C.: Como você vê o governo em relação aos pacientes com doença rara?
A.J.: Omisso, indiferente, apático, e muito incompetente para lhe dar com as questões da Saúde. Veja os recentes escândalos na Saúde do Rio de Janeiro. Apesar de termos avançado em algumas conquistas, não há muito que comemorar. O Sistema Público em sua essência é caótico, aviltante e imoral. Pessoas sofrem e morrem diariamente por falta de um atendimento digno em nosso país.
O grande sonho de todos nós que sofremos de uma doença rara é a implementação no SUS da Portaria 81 do MS, que fala sobre a criação do Amb de Genética (70% das doenças raras são genéticas) e dos Centros de Referência para tratamento de doenças raras. Mas para que isso aconteça é necessário muita vontade política, gestão transparente e uso racional das verbas da saúde, estancando de vez a fraude e a roubalheira que infelizmente estamos sempre vendo nos noticiários.
D.C.: Qual sua opinião a respeito das pesquisas das células-tronco no Brasil?
A.J.: Boa pergunta. Eu particularmente estou muito otimista e ansioso para que tudo aconteça no menor tempo possível. Em breve teremos no Brasil o primeiro Trial com células-tronco (CT) adultas em ELA. O estudo deverá ser realizado no HCRP (Hospital das Clinicas de Ribeirão Pret-USP), onde recentemente estivemos conversando com a Drª Maria Carolina Oliveira, uma pesquisadora jovem ainda, mas que com certeza saberá conduzir muito bem esse que será um momento histórico na pesquisa clínica com células-tronco adultas no Brasil. Alguns pesquisadores brasileiros não falam com otimismo sobre essas pesquisas, não sei por quê… Aliás, acho que sei sim… (risos). Bom, o importante para nós pacientes é que o FDA está autorizando alguns protocolos FASE I com CT adultas em ELA, ou seja, muitas coisas que ainda não se sabe em experimentações com CT adultas em humanos acometidos dessa doença começarão a surgir. Para quem tem ELA, o otimismo precisa fazer parte do esquema terapêutico.
D.C.: Como vê a questão da acessibilidade?
A.J.: Olha Vera, não conheço os países desenvolvidos como EUA e alguns da EUROPA, mas o que eu ouço das pessoas que lá estiveram e que possuem alguma deficiência é que a qualidade de vida delas não é afetada por questões de acessibilidade nesses lugares. Diferente das cidades brasileiras, onde precisamos discutir e ampliar muito essa questão. Em dezembro do ano passado a cidade de Volta Redonda, onde moro, implementou a campanha “Essa vaga não é sua nem por 1 minuto”. O prefeito injetou recursos na campanha, a imprensa apoiou, mas infelizmente a falta de cidadania e o desrespeito estão impregnados na consciência dos brasileiros. É normal por aqui encontrar vagas azuis sendo ocupadas por quem a elas não tem direito, infelizmente.
D.C.: Conte-nos sobre o episódio em que o funcionário da Empresa Aérea TAM o fez passar por um constrangimento desnecessário. Foi a primeira vez que isso aconteceu?
A.J.:Antes de responder essa pergunta, deixa eu falar sobre um conselho que um grande amigo meu de Tremembé que sofre de Esclerose Múltipla, o Rogério, me deu logo que eu comecei a andar de cadeira de rodas: “Jorge, aprenda uma coisa, seja espaçoso.” Não abro mão dos meus direitos, não aceito ser desrespeitado ou humilhado por qualquer motivo que seja.
No ultimo dia 19 de março viajei com minha esposa para Fortaleza num voo da TAM, e o despachante simplesmente se negou a me dar a prioridade nos assentos da primeira fileira, me expos perante dezenas de passageiros no interior da aeronave, e a tripulação, por sua vez se omitiu, e fui obrigado a me levantar da cadeira de rodas com a ajuda da minha esposa para “andar” até a 2ª fileira, pois a cadeira de rodas em que eu estava não cabia no corredor do avião, quando finalmente esse cidadão rendeu-se aos fatos e me disse: “tá bom, senta aí mesmo.”, apontando para um lugar que estava o tempo todo vago na primeira fileira. Claro, quando o passageiro do lugar que eu ocupei chegou não se opôs a troca. Já transformei esse episódio em uma nova Ação Judicial que estarei movendo contra a TAM, assim como já fiz antes com a própria TAM, GOL, WJet, e farei tantas vezes quanto for preciso.
D.C.: Atualmente em quais projetos está envolvido?
A.J.: Conforme já disse, estamos organizando uma associação de pacientes de ELA, seus familiares e cuidadores a nível nacional. Não é um trabalho fácil, mas aos poucos estamos conseguindo avançar. Também estamos envolvidos na organização de um evento em Brasília no dia 21 de junho, Dia Mundial de Luta contra ELA. Quem se prontificou a nos ajudar foi o Deputado Romário, a Deputada Mara Gabrilli, o Deputado Maurício Quintella, entre outros políticos. Queremos chamar a atenção da população e dos órgãos gestores da saúde sobre as dificuldades pelas quais passam milhares de brasileiros que sofrem dessa terrível doença.
D.C.: Gostaria que deixasse uma mensagem aos leitores do blog Deficiente Ciente.
A.J.: Não importa qual seja o seu problema de saúde ou acessibilidade. Aprenda a viver com muita…
Esperança no que está por vir…
Lute pelos seus sonhos…
Ações focadas nos seus objetivos.
Veja:
Antonio Jorge, parabéns pela maravilhosa e esclarecedora entrevista.
Desde 2007, quando me tornei cadeirante, não viajei mais de avião.
Senti-me feliz com seu passeio pelas praias de Fortaleza. Sua felicidade me impulsionou a pedir o mapa das aeronaves, para saber as medidas entre as fileiras de poltronas. Digo isso porque minha cadeira de rodas não é dobrável. Foi feita sob medida, porque engordei uns quilinhos. Ela é, na acepção da palavra, a substituta das minhas pernas. Ou seja, não se separa de mim, nunca.
Quero também parabenizar sua esposa e familiares pela atenção e apoio que dá a você. É isso que nos sustenta.
Parabéns! Parabéns! Parabéns!
Boa tarde Antonio Jorge;
Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo empenho não só para com você mas também para com todos os pacientes com a doença.
Meu pai é portador de esclerose lateral amiotrófica há 1 ano e 6 meses e gostaria de saber se você tem alguma novidade sobre o tratamento com células tronco e também sobre a dexpramipexole.
Gostaria também se possível enviar seu email para termos contatos.
Obrigado
Aguardo contato
Priscila.