Filme: O milagre de Annie Sullivan
Caro Leitor,
A sugestão cultural de hoje é o filme “O milagre de Annie Sullivan” com o título original “The miracle worker”. É um filme clássico, muito interessante e comovente.
Veja o que diz o jornalista Sergio Vaz, do site 50 anos de Filmes.
A seqüência dura oito minutos; durante oito minutos angustiantes, sufocantes, de fazer doer o coração, uma mulher de uns 25 anos e uma menina de uns 12 lutam selvagemente, brutalmente, dentro de uma sala de jantar em que todas as portas estão trancadas.
Tomadas mais longas alternam-se com outras bastante curtas; há close-up dos rostos contorcidos de dor e raiva, há planos maiores, de conjunto, em que vemos a sala sendo devastada pela luta, objetos caindo no chão, se estraçalhando. A montagem é ágil, brilhante. As atrizes são absolutamente soberbas – se é que dá para o espectador perceber o brilho da atuação, se não está mergulhado ele mesmo numa sensação de angústia, se perguntando até onde vai aquilo.
É uma das seqüências mais impressionantes, mais memoráveis, mais extraordinárias da história do cinema, esta, em que Annie Sullivan (Anne Bancroft) tenta, à força, domar a fera que tem diante dela, a pequena Helen Keller (Patty Duke), que ficou cega e surda quando bebê e vive num mundo à parte, como se estivesse sendo criada por lobos no meio de uma selva distante de qualquer tipo de civilização.
A seqüência fica bem no meio da narrativa de O Milagre de Annie Sullivan/The Miracle Worker, o segundo dos poucos filmes dirigidos por Arthur Penn – pouquíssimos, mas o suficiente para garantir seu lugar entre os mais importantes cineastas americanos e do mundo.
É um filme marcante, de imensa importância e valor, apesar de andar um tanto esquecido, assim como o próprio Arthur Penn, que morreu em setembro de 2010, logo após completar 88 anos.
O filme não consta, por exemplo, dos recentes 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer e 501 Must-See Movies. Foi lançado em DVD no Brasil neste ano de 2010, numa edição pobre, sem qualquer extra ou especial, esse tipo que tem sido comum de DVD praticamente pirata, embora lançado por empresa que tem CGC e pelo menos teoricamente paga imposto. Mesmo assim, é uma ótima oportunidade para ser visto por quem ainda não conhece – ou revisto pelos mais velhos.
Penn dirigiu a peça para a TV, depois na Broadway e depois no cinema
É uma história real, embora não haja nenhuma referência a isso no próprio filme. Nos créditos iniciais, explica-se que o roteiro é de William Gibson, baseado em sua peça teatral. Não há menção ao fato de que Gibson se inspirou no livro The Story of My Life, de Helen Keller.
Arthur Penn dirigiu uma versão da peça de William Gibson para a TV americana, em 1957. Poucos anos mais tarde, dirigiu também a montagem da mesma peça na Broadway, com Anne Bancroft como Annie Sullivan e Patty Duke como Helen Keller. Quando teve a oportunidade de levar a peça para o cinema, em 1962, produzido por um velho amigo que conhecera ainda durante a Segunda Guerra, Fred Cole, Penn manteve a mesma dupla que apresentava o drama nos palcos de teatro. Foi um dos seus grandes acertos. As interpretações das duas são impressionantes, comoventes, absurdamente maravilhosas. As duas ganharam o Oscar – Anne Bancroft, então com 31 anos, o de melhor atriz, Patty Duke, com 16, o de atriz coadjuvante. Na época, foi a atriz mais jovem a receber um Oscar nas categoriais tradicionais.
Uma doença, e o bebê fica cega e surda
A Helen Keller da vida real nasceu em 1880, em Tuscumbia, interiorzação do Alabama. No seu filme, Penn não usa aquele recurso de informar em letreiro o ano e o local da ação. O filme começa com um intróito tão rápido quanto doloroso: um médico visita o casal Keller, examina a filhinha deles no berço, que tinha tido o que é descrito como uma congestão. Assim que o pai, o Capitão Keller (Victor Jorgy) sai do quarto para acompanhar o médico até a porta de casa, a mãe, Kate (Inga Swenson), se aproxima do berço, faz ruídos com a mão, começa a chamar a filha pelo nome; dá gritos de pavor, o marido reaparece na cena, a mulher chama a atenção dele para os olhos da filhinha – Helen Keller estava cega e surda.
Começam então os créditos iniciais. Corte no tempo, e Helen está com uns 12, 13 anos. Sem qualquer comunicação com o mundo além do amor e da proteção da mãe, é como um animal de estimação – um animal de estimação capaz de, a qualquer momento, se suas vontades imediatas não forem satisfeitas, transformar-se numa fera imprevisível.
Em rápidos diálogos, rápidas tomadas, o filme informa ao espectador que aquela é uma família rica, da aristocracia do Sul Profundo rural e escravagista, derrotado não fazia muito tempo pelos ianques (o Capitão Keller usa o termo pejorativamente, assim como todos os sulistas) na Guerra da Secessão (1861–1865). Moram numa grande propriedade em área rural, e, embora a escravidão já tivesse acabado, têm diversos empregados negros. Já haviam tentado encontrar quem tentasse educar Helen, sempre em vão.
A irmã do Capitão Keller, Tia Ev (Kathleen Comegys), é quem sugere o nome de uma instituição de Boston, a escola Perkins, que, segundo se dizia, era avançadíssima e obtinha grandes resultados em casos em que as famílias já haviam perdido a esperança.
Segundo o CineBooks’ Motion Picture Guide, na vida real foi Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, que, a pedido dos Keller, intercedeu junto ao Perkins Institution par que indicassem alguém para cuidar de Helen.
Quem o Perkins indica para fazer a longa, exaustiva viagem de trem entre Boston, a capital da rica e avançada Nova Inglaterra, até os confins do Sul Profundo para ser a professora de Helen Keller é uma jovem chamada Annie Sullivan (na vida real, ela estava com 26 quando chegou a Tuscumbia, em 1887).
Uma ianque morena quase cega para cuidar da filha do aristocrata sulista
O espectador fica conhecendo Annie Sullivan quando ela está se embarcando em Boston no primeiro dos muitos trens que, de baldeação em baldeação, vão levá-la até o Alabama. Junto dela está seu professor, seu tutor. Annie Sullivan, que aparece na pele de uma jovem, belíssima, expressiva, fantástica Anne Bancroft, impressiona profundamente. Tem uma expressão forte, de pessoa dotada de imensa determinação – temperada e abalada por um passado de feridas feias, profundas.
Penn usa a longa viagem de trem, com sonhos, pesadelos, memórias de Annie, em maravilhosas imagens justapostas, umas sobre as outras, para nos mostrar quem é essa mulher. É quase cega; tinha passado por sucessivas operações para chegar ao que é hoje – uma pessoa que consegue enxergar, mas tem que cuidar permanentemente dos olhos, banhá-los, umedecê-los, e protegê-los da claridade com óculos escuros. Órfã, pobre, viveu a partir dos 11 anos em instituições para menores abandonados, em meio a ratos e doentes incuráveis; numa delas perdeu seu único parente, seu único elo com o resto da humanidade, o irmão Jimmy. Na Perkins Instituton, graças à abnegação dos professores e sua própria férrea determinação, havia aprendido a ler e a dominar a linguagem de sinais – cada letra do alfabeto representada por uma posição dos dedos da mão.
Os Keller vão receber, como a última esperança para Helen, uma jovem morena quase cega ela mesma, em seu primeiro emprego, sem experiência prévia como tutora de ninguém – e ainda por cima ianque.
Um filme tão impressionante que não dá para esquecer nem em 50 anos
Era apenas sua segunda realização no cinema – antes, havia feito Um de Nós Morrerá/The Left Handed One, em 1958, com Paul Newman interpretando o lendário bandido Billy the Kid, baseado em peça de Gore Vidal –, mas Arthur Penn tinha já boa experiência na televisão e no teatro, além de um talento descomunal. Seu filme tem imagens impressionantes; a fotografia de Ernesto Caparros, em glorioso preto-e-branco, o uso de sombras e de momentos de claridade intensa, os enquadramentos estudados, medidos, em algumas tomadas, alternando-se com outros ágeis, sôfregos, nos momentos de enfrentamento físico entre as duas personagens, é tudo de uma beleza e um impacto fascinantes.
Não é à toa que eu me lembrava de diversas situações, de diversas tomadas, até de diálogos – embora não tenha voltado a ver o filme depois das várias em seguida que vi ainda bem garoto, em Belo Horizonte (a primeira em 31 de abril de 1963, no então Cine Tupi, depois Cine Jacques, segundo diz meu caderninho).
“Comovente adaptação da peça de William Gibson sobre a cega e surda Helen Keller e sua admirável professora, Anne Sullivan”, diz Leonard Maltin, que dá 3.5 estrelas em 4. “Foram feitas poucas mudanças na peça, e, como no teatro, a seqüência da luta-pela-autoridade é um ponto alto. Bancroft e Duke ganharam Oscars recriando seus papéis na Broadway. Refeito para a TV com Duke no papel de Sullivan.”
Não sabia dessa informação, ou não me lembrava, o que dá no mesmo. Essa refilmagem para a TV foi feita em 1979, dirigida por um Paul Aaron. Não há lei proibindo refilmagens.
“A emocionante história de Helen Keller, um dos grandes indivíduos do século XX, começou como um livro de autoria de Keller”, define o CineBooks’ Motion Picture Guide. “Todas as pessoas envolvidas na produção deste filme merecem congratulações. A seqüência de oito minutos da luta física entre Anne Bancroft e Patty Duke, com a professora tentando ensinar à aluna algum comportamento, será lembrada por muito tempo como uma das mais eletrizantes jamais encenadas ou filmadas.”
Algumas pequenas fraquezas, coisas de somenos
A primeira dama da crítica americana, Pauline Kael, no entanto, aponta: “A peça tem suas fraquezas”.
Sim: o filme tem fraquezas – pequenas, mas tem. Senti isso, vi isso enquanto revia o filme, lentamente, parando o DVD aqui e ali, voltando atrás para rever um pequeno detalhe, voltando de novo para rever outro. Revi O Milagre de Annie Sullivan com o respeito imenso que o filme merece, que Arthur Penn merece – mas, passados 47 anos da primeira vez que vi, foi impossível não perceber as pequenas fraquezas.
É claro que só leio o que já foi escrito sobre um filme depois de vê-lo, ou revê-lo. Mas uma das fraquezas que vi agora no filme – até porque é óbvia – está no comentário de Pauline Kael. São distoantes do resto do filme as interpretações de Victor Jory e Inga Swenson como os pais de Helen. São teatrais demais – é um gestual que absolutamente não combina com o cinema. Poderiam ser admitidos na época do cinema mudo – jamais aqui, neste filme de 1962.
E até mesmo Anne Bancroft deixa escapar, duas ou três vezes, um gestual mais apropriado ao teatro que ao cinema.
Alguns diálogos entre o Capitão Keller e sua mulher, e entre eles e Annie Sullivan, também soam um pouco estranhos. É difícil aceitar que aquele aristocrata sulista pudesse engolir as verdades que a garota morena e ianque diz – embora, de uma certa forma, a própria ação demonstre que o casal está perdido, sem saber o que fazer, e se, de um lado seria normal demitir sumariamente a professora que ousa contestá-los, de outro eles não tinham mesmo outra opção.
A garota criada como um animal viraria escritora e ativista política
Mas a verdade é que essas fraquezas somem, desaparecem, viram pó de traque, diante da força estupenda do filme, da história, da interpretação magnífica das duas atrizes em estado de absoluta glória. E também da constatação de que, afinal de contas, aquilo ali é uma história real.
“Um dos grandes indivíduos do século XX”, bancava o Cinebooks’. Beleza de ousadia. Dá até vontade de tergiversar um pouco, de imaginar, numa ousadia à la Horácio Ferrer, um mundo que no futuro considere como grandes indivíduos do século não Fidel, mas Yoani Sánchez, não Stálin, mas Bóris Pasternak, não apenas Franklin D. Roosevelt, mas também Helen Keller.
Helen Keller é uma dessas pessoas que parece que existem para contrariar os cínicos, os que sucumbem à noção de que a humanidade é uma invenção que não deu certo. Tornada cega e surda aos 19 meses de idade, tendo portanto crescido sem saber falar, criada como um animal até a adolescência, tornou-se escritora e ativista política. Saiu das tevas profundas para tornar-se a primeira surda e cega a obter um diploma de bacharel em artes; lutou pelo voto feminino e pelos direitos dos trabalhadores. Escreveu 12 livros e um grande número de artigos. Morreu em 1968, 16 anos depois que Arthur Penn mostrou o início da sua vida no cinema. Em1999, o Instituto Gallup a incluiu na sua lista das Pessoas Mais Admiradas do Século XX.
Sinopse do filme
Em 1887, no Alabama, a jovem Helen Keller, cega e muda, desde a infância, devido a uma congestão cerebral, está a ponto de ser enviada para uma Instituição especializada em doentes mentais. Sua falta de habilidade para se comunicar a deixou frustrada e violenta. É um tempo difícil no sul dos Estados Unidos.
Desesperados, seus pais procuram ajuda junto ao Perkins Institute, de Boston, que lhes encaminha a jovem Annie Sullivan para ser tutora de sua filha. Annie acabara de concluir seu curso, de modo que Helen será sua primeira aluna.
Em sua incansável tarefa para tentar fazer com que Helen se adapte e entenda, pelo menos em parte, o mundo que a cerca, Annie não se mostra condescendente nem a trata como uma pessoa deficiente. Com essa atitude e determinação, entra muitas vezes em confronto com os pais de Helen, que sempre sentiram pena da filha e a mimaram. Por várias vezes, o pai a ameaça de mandá-la embora. A situação chega a tal ponto que Annie diz que, para seu trabalho apresentar bons resultados, é preciso que ela e Helen passem a morar sozinhas numa outra casa da família.
A tarefa é realmente difícil, mas com pulso firme e muito amor, Annie consegue, em relativamente pouco tempo, tornar Helen uma garota dócil, bem como, fazer com que ela aprenda a língua de sinais e a pronunciar suas primeiras palavras.
Curiosidades
The Miracle Worker foi refilmado duas vezes, ambas para a televisão, em 1979 e em 2000, sendo que a atriz Patty Duke, que interpretou Helen Keller neste filme, interpretou a própria Anne Sullivan na primeira refilmagem para a televisão.
Anne Bancroft não esteve presente para receber o Oscar de melhor atriz, porque na ocasião ela estava em Nova Iorque trabalhando numa peça teatral e o prémio foi recebido pela atriz Joan Crawford, em seu lugar.
A United Artists originalmente queria Elizabeth Taylor ou Audrey Hepburn no papel de “Anne Sullivan” mas o director e o autor da peça e roteirista do filme insistiram em que a personagem fosse vivida pela atriz Anne Bancroft, que já havia feito o mesmo papel no teatro.
Abaixo um trecho do filme.
Fontes:http://50anosdefilmes.com.br; / Wikipédia
Esse filme é realmente excelente. Que bom que você gostou da minha sugestão. Chegou a assistí-lo?
Bom final de semana
Beijos
Assisti e também achei excelente, Tahiana!
Que show de interpretação da personagem Annie Sullivan! Que mulher forte, corajosa e determinada, hein! Fiquei emocionada quando a personagem Helen Keller aprendeu a língua de sinais.
Obrigada pela sugestão, querida!
Sou universitária do curso de letras, assisti o filme, achei lindo principalmente porque ensina que amor e limite não dever caminhar separados. A compreensão que temos do mundo não pode ser limitada por obstáculos físicos, é bom lembrar que o tamanho de nossas dificuldades é medido pela nossa vontade de vencer, ou não. Beijos.