A superação do coitadinho
Por Luiz Ventura
Senhoras e senhores, não estou aqui com a pretensão de motivá-los, de transformá-los em pessoas produtivas, de dar a vocês informações ou razões que poderiam levá-los às gargalhadas. Não estou aqui para fazê-los rir.
O que eu quero é arrancar de vocês um momento de reflexão. Ou vários momentos. Reflexão sobre as suas deficiências.
Acredite, você é uma pessoa com deficiências. No plural, ‘deficiênciassss’, porque, certamente, há mais de uma.
Antes da reflexão, o entendimento.
Quando surge a palavra ‘deficiência’, muitos olham para o próprio corpo, procurando algum defeito. ‘Do que esse sujeito tá falando?’.
E há sempre alguém ofendido, porque deficiência é coisa de gente que usa cadeira de rodas, não escuta, não enxerga, coisa de “doente mental”, “retardado”, “aleijado”.
No fundo, são apenas palavras.
Existem algumas palavras que elevam o sujeito: positividade, perseverança, motivação.
Quando a pessoa consegue alcançar vitórias consideradas, por alguns, impossíveis, ele vai direto ao posto de ‘herói’ e a palavra do momento é ‘superação’.
Eis nosso primeiro momento de reflexão. Sobre a superação.
Houve uma vitória, uma conquista. E se isso foi possível, certamente, é fruto de treinamento, estudo, disciplina, educação, dedicação, perseverança, equilíbrio, força e concentração.
É muito comum atribuir à pessoa que se torna vencedora, em qualquer segmento, um status de ‘guerreira’.
E você vê na TV ou lê em jornais e revistas que essa pessoa ‘superou os próprios limites’.
E quando o vitorioso é uma pessoa com deficiência, usa-se essa característica para afirmar que o sujeito venceu a deficiência, ‘porque é guerreiro’ e ele vira uma inspiração, um exemplo.
O problema não está na apresentação dessa pessoa como exemplo, porque ela é exatamente isso. E a vitória foi conquistada porque houve, novamente, treinamento, estudo, disciplina, educação, dedicação, perseverança, equilíbrio, força e concentração.
O equívoco é criar essa relação direta entre a vitória e a deficiência. ‘Fulano superou a perda de uma perna e, por isso, ganhou a medalha de ouro’.
Claro que não!!!
O sujeito ganhou a medalha de ouro porque tem as qualidades necessárias para essa conquista. Já nasceu assim. E o tempo que demorou para descobrir a força que tem, ou as circunstâncias que provocaram essa descoberta, são detalhes muito particulares.
Há gente vai torcer o nariz, fica indignado, e dizer que estou minimizando ou diminuindo a importância da deficiência. Quando surge essa revolta, cabe uma pergunta: importância da deficiência?.
Por que uma deficiência tem importância?
Por que é necessário viver em função de uma deficiência?
Por que uma pessoa com deficiência é a ‘coitadinha’ que superou, seja lá o que for, para ser vencedora?
Eis o segundo momento de reflexão. Sobre o coitadinho.
Existe um atraso enorme nesta filosofia, porque coloca a pessoa com deficiência em uma ‘categoria’ diferente de pessoa. Há uma tendência para a piedade. E ninguém quer a piedade alheia.
Precisamos ultrapassar as barreiras criadas pela falta de conhecimento. Muito do que se imagina sobre a rotina de uma pessoa com deficiência é equivocado, porque essas avaliações têm base em suposições. Porque são normalmente feitas por quem não sabe nada sobre esse universo. E, com essas avaliações equivocadas, surgem opiniões e decisões, igualmente equivocadas.
Deficiências existem de diversas formas. Temporárias ou permanentes, não são exclusividade de determinado grupo social, não têm maior ou menor incidência por causa de condições financeiras, não se concentram em alguma etnia. Deficiências fazem parte da condição humana e, desta forma, devem ser encaradas como características do indivíduo. E nunca, jamais, devem ser fatores determinantes para colocar esse indivíduo em posição superior ou inferior.
A melhor forma de modificar essas avaliações é pensar em cenários universais. Em ações, construções, leis, fiscalizações, oportunidades, acessos, linguagens, informações, e tudo mais criado a partir de um pensamento no qual todas pessoas têm a mesma possibilidade, onde as características individuais não se tornam obstáculos. Devemos pensar que tudo deve ser criado para todos.
Eis o terceiro momento de reflexão. Sobre como você vive em função das suas deficiências.
Se há uma relação direta entre a deficiência e a ausência de algo, de um membro, de um sentido, da capacidade de fazer um movimento, de cognições que impedem o pleno desenvolvimento intelectual, então, existem muitas ‘pessoas com deficiência’ que, na verdade, não são pessoas com deficiência, porque são capazes de ações que outros, sem deficiências, não são (em teoria).
Precisamos reavaliar constantemente o que realmente significa ‘ter uma deficiência’ e, a partir dessa nova avaliação, mudar a forma como convivemos com as deficiências e, assim, deixar de viver em função disso. Principalmente porque a ausência de um membro, de um sentido, da capacidade de fazer um movimento, de cognições que impedem o pleno desenvolvimento intelectual, não são, e jamais devem ser, fatores determinantes na evolução do indivíduo.
Após todas essas palavras, considerações e reflexões, lanço a você um desafio. Pense em pessoas e na capacidade individual de vencer os limites impostos pela natureza ou pelas circustâncias.
Fernando Fernandes é atleta da paracanoagem. Diz ter encontrado na modalidade – na qual é campeão brasileiro, sul-americano e mundial – uma mistura de liberdade e redescoberta da capacidade. Foi jogador de futebol profissional, praticou boxe amador e já trabalhou como modelo, além de frequentar a faculdade de Educação Física. “É a cabeça que determina o ritmo de uma pessoa com deficiência, não é o corpo. O que define isso é a vontade. A deficiência, a dificuldade e a limitação são apenas obstáculos a serem vencidos”.
Roseane dos Santos, ou apenas Rosinha, tinha 18 anos quando foi atropelada por um caminhão em Recife. Uma semana após o acidente, os médicos decidiram amputar sua perna esquerda. Hoje, tem mais de 50 medalhas, conquistadas em diversas competições. É tetracampeã dos Jogos Panamericanos, venceu as provas de arremesso de disco e de peso nos Jogos Paralímpicos de Sidney (2000) e foi recordista mundial em Athenas (2004). Atualmente, treina para os Jogos do Rio 2016. Ela afirma que o esporte paralímpico brasileiro precisa de investimento. “Tem de ser desde criança. Mostrar o esporte, inicialmente, como uma brincadeira. O problema é que, no Brasil, falta profissional para trabalhar com as crianças”.
Clodoaldo Silva é nadador. Tem no currículo sete medalhas olímpicas e muitas outras conquistadas em mais de 16 anos de carreira. Ele nasceu em Natal/RN e, por falta de oxigenação durante o parto, foi diagnosticado com paralisia cerebral. Aos sete anos, foi submetido à primeira operação nas pernas, que estavam cruzadas e dobradas. Dois anos depois veio a segunda, no joelho esquerdo e, quando já havia completado 16 anos, foi a vez do joelho direito. A natação entrou em sua por recomendação médica, para ajudar na recuperação, após a última cirurgia. Na época, ele conheceu o trabalho de Gledson Soares. “Os atletas de competição usavam, à tarde, a mesma piscina na qual eu treinava no período da manhã. No meu horário não havia muitos ‘olheiros’ e eu sabia que precisava mostrar minha força para poder ser escalado. Fiquei nessa situação por dois anos. Até que surgiu a possibilidade de fazer um curso de datilografia, mas que teria de ser frequentado também de manhã. Por isso, fui pedir à coordenação para passar a nadar no período da tarde, assim eu não perderia nenhuma atividade. E eles aceitaram”. Em 1997, Clodoaldo entrou para a equipe, quando ainda trabalhava em uma oficina de órteses e próteses (ele já havia feito trabalhos como artesão na Praia do Meio, onde montava cadeiras de balanço). Em 1998, participou da primeira competição – os Jogos Paradesportivos, torneio chamado hoje de Campeonato Brasileiro.
Marcelo Collet tem 33 anos e, desde os 14, treina virtuosamente, sempre com um pensamento: ser atleta de alto desempenho. Praticante de triatlo, foi justamente durante um treino que o recomeço se apresentou. Marcelo pedalava pelas ruas do centro de Salvador (BA), quando foi atropelado, em 1998. A perna esquerda foi bastante atingida, houve perda de massa muscular e rompimento das ligações nervosas, o que impede o desenvolvimento dos músculos, do joelho para baixo. Em 2010, após dois anos de intensa preparação, fez a travessia do Canal da Mancha, em um tempo total de 10 horas e seis minutos, com paradas estratégicas a cada 30 minutos para hidratação. Foram 39.300 metros de prova. Todo o processo foi filmado e se tornou um documentário, que será lançado em breve. “O maior inimigo nessa travessia é o clima. Tem uma ‘janela’ na qual você consegue fazer o percurso, mas a água é muito gelada e, quando o tempo não permite, ninguém atravessa”.
Stephen Hawking é físico teórico e cosmólogo. Um dos mais consagrados cientistas da atualidade. Doutor em cosmologia, é professor emérito da Universidade de Cambridge, posto que já foi ocupado por Isaac Newton, Paul Dirac e Charles Babbage. Atualmente, é diretor de pesquisa do Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica (DAMTP) e fundador do Centro de Cosmologia Teórica (CTC) da Universidade de Cambridge. Hawking tem esclerose lateral amiotrófica (ELA), condição degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais. Em 9 de janeiro de 1986, foi nomeado pelo papa João Paulo II membro da Pontifícia Academia das Ciências.
Fonte: Blog Vencer Limites