Alunas apontam problemas de acessibilidade na USP
por Frederico Gabre Tardin e João Vitor Oliveira
Cadeirantes que circulam no campus da capital relatam defeitos em alguns locais da Cidade Universitária e se queixam de falta de informações
A questão da acessibilidade para pessoas com deficiência é trabalhada na USP há mais de uma década. Desde o ano 2000, pela Lei nº 10.098, todas as vias, espaços públicos, edifícios, meios de transporte e de comunicação brasileiros devem ser acessíveis a todos os cidadãos. Nesses anos, muitas intervenções foram feitas na universidade, de pisos táteis a rampas e elevadores. No entanto, alunos cadeirantes ainda enfrentam dificuldades para se deslocar pelo campus da capital. “Eu não consigo andar sozinha por aqui. Sempre preciso de uma amiga, alguém para me ajudar”, declara Maiara Barreto, aluna do sexto ano da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF). “Já passei por muitas dificuldades nesse sentido, e acredito que outros cadeirantes também tenham passado”.
Maiara sofreu um acidente de moto que a deixou tetraplégica em 2009, quando já cursava a faculdade, e teve que trancar o curso. Quando voltou, em 2010, percebeu os problemas que enfrentaria.
Segundo ela, os principais são os buracos nas calçadas. A via precisa estar lisa para a cadeira deslizar, mas em muitos lugares não é o que acontece. “Fica muito difícil. A rodinha da frente enrosca e a gente corre o risco de cair para frente”, explica. O caminho do estacionamento exclusivo para deficientes da FCF até o edifício é cheio de irregularidades pelas quais Maiara não consegue passar sozinha.
A aluna comenta também que muitas obras feitas e iniciativas tomadas não são adequadas. Alguns banheiros, por exemplo, são de fácil acesso, mas pecam em outros quesitos. “Eu consigo entrar, mas não dá para fechar a porta da cabine ou lavar as mãos. Falta estrutura para isso, como barras de apoio”. As rampas que dão acesso aos blocos da Fármacia são outro problema. Sua inclinação não permite que Maiara suba sem ajuda.
Até o Serviço de Transporte Interno oferecido pela Prefeitura, que possibilita a deficientes locomotores a utilização de veículos especiais para transportá-los nas dependências do campus, apresenta imperfeições. “Eles não atendem aos requisitos mínimos de segurança. Há cinto para o cadeirante, mas não um que amarre a cadeira à kombi. Isso é perigoso”, diz a aluna.
Buscando melhorias
Mônica Guimarães ingressou na USP neste ano. Cursa o primeiro ano de Letras na Faculdades de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e está na cadeira de rodas desde que nasceu. Como possui dificuldades de coordenação motora, não se desloca sozinha. Sua mãe, Maria Isabel, a acompanha todo dia à faculdade.
Mãe e filha contam que enfrentaram problemas para chegar ao segundo andar do prédio da Letras no começo do ano. “O elevador não estava funcionando. Para a Mônica subir ao piso superior a gente tinha que ir pelo prédio da Filosofia e Ciências Sociais, ao lado, usar o elevador para chegar no patamar acima para só então ir para a Letras”, relata Maria Isabel. O problema só foi resolvido quando entraram em contato com a administração da faculdade e, em menos de uma semana, o conserto do elevador foi providenciado.
O direito à acessibilidade no campus deve ser assegurado pela Prefeitura e pela Superintendência do Espaço Físico (SEF), sendo que ambos respondem a notificações do Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público (Geduc) sobre o assunto. A atuação da SEF abrange a sistematização da construção de edificações, suas reformas e expansões, enquanto a Prefeitura se encarrega dos ambientes externos aos edifícios.
Porém, para Maria Isabel, falta maior proximidade entre os responsáveis pela administração na área e os que necessitam desse tipo de serviço. “Seria interessante se, no dia da matrícula, já nos falassem das possibilidades que existem para deficientes, se há um setor que cuida desse assunto para nos assessorar”, sugere. Mônica explica que teve que correr atrás para entender melhor a política da Universidade a respeito do assunto. “Fui tentando me encontrar através dos amigos e fuçando na Internet”.
Segundo Maiara Barreto, porém, a impressão que fica é de que a maioria das obras só é realizada quando quem necessita dos serviços entra em contato com as instituições responsáveis. “Eu acho que a USP precisa trabalhar melhor sua política de acessibilidade”, declara. “Eu já consegui várias pequenas mudanças, mas estou brigando por elas há quatro anos. No começo recebi muitos nãos. É algo desestimulante.” O Jornal do Campus entrou em contato com a SEF e o Geduc e não obteve respostas. Já a Prefeitura não quis se pronunciar a respeito do assunto.
Mudança cultural
O Programa USP Legal, criado em 2001 pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (Prceu), encarrega-se de integrar as pessoas com deficiência ao ambiente universitário. Para tanto, atua na difusão de informações relativas à acessibilidade, seja ela física ou virtual, além do levantamento de dados acerca dessa temática, a partir de estudos e depoimentos da comunidade uspiana.
Para Ana Maria Barbosa, responsável pelo programa, a acessibilidade deve ser encarada como uma atitude e integrar medidas que não se direcionem somente ao ambiente físico. A abrangência da acessibilidade, segundo ela, deve chegar até ambientes virtuais, sociais e pedagógicos. “Não basta uma rampa, se não houver um piso tátil conduzindo a pessoa que não enxerga. Não basta um elevador com aviso sonoro, se o aluno chegar à sala de aula e não tiver material didático adaptado”, afirma.
“Apesar de todas as leis federais, normas de adequação arquitetônica e recursos existentes, é preciso que a acessibilidade figure no horizonte da sociedade como algo indispensável”, aponta Ana Maria. Para ela, a acessibilidade plena só se fará possível por meio de uma mudança cultural, em que a cultura da diversidade mostre os seres humanos como pessoas diferentes, mas respeitadas. “Não vamos tornar a universidade acessível da noite para o dia. As condições atuais são melhores, se comparadas com as de três anos atrás, mas não são ideais. Ainda estamos anos-luz de distância. Assim, o que se cobram são projetos a curto, médio e longo prazo”, finaliza.
Fonte: Jornal do Campus, USP