Após sete meses de tetraplegia, rapaz do DF comemora recuperação
A vida tinha, para ele, o prazer da próxima festa. Sempre. De segunda a sexta-feira, o trabalho. Era atendente administrativo, terceirizado, no Tribunal de Justiça do DF. Andava de um lado para o outro levando processos a gabinetes de desembargadores e juízes. No fim de semana, ninguém o segurava. Baladas, shows, micarês, barzinhos, paqueras, muitas paqueras. A próxima festa. Sonhos normais de um rapaz de 26 anos, que esbanjava saúde, jogava futebol, nadava bem e malhava muito. Tudo estava bem. E ele, cada vez mais, apaixonado pela vida.
Num desses domingos, o programa estava marcado: eram dois churrascos. Na Cidade Ocidental, município goiano a 50km de Brasília, onde vive desde um ano de idade, não há uma viv’alma que não o conheça. É famoso, convidado para todos os agitos. Aliás, festa que se preza, se ele não fosse chamado, não era festa.
Pois bem, naquele domingo, 4 de outubro do ano passado, ele teria dois compromissos. Dois churrascos perto de sua casa. Nem precisaria de carro para chegar aos dois lugares. Mas, bom de garfo, antes de sair de casa, ainda bateu um prato de lasanha. A mãe viu a pressa do filho para engolir a comida e sair para o churrasco na casa de um amigo, que comemorava aniversário. “Antes de ele sair a pé, eu pedi: ‘Meu filho, não vá correndo. Você acabou de comer’. Hoje, eu gostaria tanto que ele corresse…”, conta a mãe, a secretária-executiva Eulália França, de 50 anos.
Thallys saiu correndo. E chegou correndo à casa onde rolava o churrasco. Estavam lá os amigos, as gatinhas, o axé. Lá, ele tomou cerveja. Depois, uma dose de vodca com energético. A festa estava bombando. A piscina de fibra, não muito grande nem muito funda, chamava para um mergulho. Fazia muito calor naquele domingo de outubro. “O povo começou a pular. Eu também pulei”, conta. Depois, mais pulos. Seis ao todo. Todos com sucesso.
E veio o sétimo pulo. O fatal. “Eu peguei uma distância maior, coloquei os braços para trás, igual ao Super-Homem.” Thallys queria voar. E voou. “Quando pulei, vi que tava muito perto da borda e ia bater. Ainda tentei proteger minha cabeça, colocando os braços. Mesmo assim, ainda bati.” A pancada foi ouvida pelos amigos. “Apaguei na hora. Morri”, diz.
Entre os amigos do churrasco, havia um bombeiro. Tiraram-no da água. E colocaram um colar cervical. Enquanto esperava a ambulância, Thallys acordou. Não mexia mais nada, exceto o pescoço. A mãe, que fora chamada às pressas, já estava lá. “Ele me pediu pra eu abraçá-lo, mas ele não conseguiu fazer o mesmo. As mãos estavam tortas”, lembra Eulália, sete meses depois, ainda emocionada.
Da Cidade Ocidental, Thallys foi levado para o Hospital Brasília, no Lago Sul. Foi direito para a UTI, onde ficou em observação. No dia seguinte, segunda, 5 de outubro, começou a bateria de exames. Raio-X, ultrassonografia. Resultado: o menino que era o rei das baladas ficara tetraplégico. Teve fratura cervical, na altura do pescoço, nas vértebras C6 e C7 — a mesma lesão que sofreu a personagem de Alinne Moraes, a Luciana, da novela Viver a vida, da Rede Globo, que termina hoje.
Ainda no Hospital Brasília, fez uma pequena cirurgia, para colocação de uma placa de titânio. Isso ajudaria na calcificação das vértebras fraturadas. Ficou ali 18 dias internado. A cidade silenciou. O maior organizador das festas da Cidade Ocidental não conseguia mais mexer braços e pernas. O alegre Thallys chorou escondido de todos. Para poupá-lo, a mãe e os outros três irmãos fizeram o mesmo. Era preciso ser forte, mesmo aos pedaços, na frente dele.
Tempo recorde
Do Hospital Brasília, Thallys foi transferido para o Sarah, da Asa Sul. Lá, mais uma bateria de exames. E o laudo mais específico. O paciente era tetraplégtico, com lesão incompleta. “Eu conseguia mexer alguma coisa dos braços”, ele diz. E explica, sabedor do que fala hoje: “A lesão completa é quando a pessoa não consegue mexer nada. Mas, mesmo assim, pela altura da minha lesão, eu continuava tetraplégico. Sou um tetraplégico”.
As condições de recuperação variam para cada paciente. Há tetraplégicos incompletos que recuperam os movimentos mais facilmente. Outros demoram anos. Cautelosos e extremamente responsáveis, os médicos do Sarah nunca pronunciam as tempo e cura, quando uma pode estar relacionada à outra.
O Correio ouviu o ortopedista Murilo Reis, do Centro Ortopédico de Brasília (COB), que educadamente aceitou falar, mesmo sem conhecer o paciente. Para ele, pelo relato descrito, a lesão na altura das vértebras C6 e C7 de Thallys foi parcial. “Nesse tipo de lesão, se a coluna se estabiliza, o trauma cessa.” Ainda de acordo com o especialista, é comum que casos assim regridam para a melhoria do paciente. Mas isso depende do estado clínico de cada um.
E Thallys acreditou que podia mudar o seu diagnóstico. Durante 45 dias, ficou internado no Sarah. Ali, misturou repouso com fisioterapia. “Na última semana, quando estava no banho, mexi os meus joelhos. Tentei juntar os dois, com muita dificuldade”, conta. Alegria geral. Até os fisioterapeutas ficaram animados. Mas era preciso fazer mais exames para entender o que era aquilo.
O rapaz voltou para casa, em cadeira de rodas, empurrado pela mãe. Os amigos fizeram festa. Mais 30 dias de sessões de fisioterapia. Ele deu o máximo da sua limitação. “Consegui mexer um pouco as minhas pernas.” Retornou para o Sarah, na Asa Sul, para mais uma avaliação. Mais exames. E o começo do uso do andador. “Nesse dia, eu chorei mesmo, na frente de todo mundo, mas só de felicidade. Foi como ganhar na Mega Sena”, admite o rapaz, que escondeu o choro de tristeza de todos. A mãe, ao vê-lo naquele dia, desabou. E chorou de alegria.
Era hora de mais uma transferência. Desta vez para a unidade do Sarah do Lago Norte. “Aqui, eu aprendi a me vestir, a calçar o tênis, mesmo que ainda não consiga amarrar o cadarço. Aprendi a ser independente”, ele vibra.
“Tetra do Paraguai”
Dois meses e meio depois de chegar à unidade do Lago Norte, Thallys receberá alta hoje. Nesse tempo todo, ficou aos cuidados diários de uma prima, Carla Cristina Boaventura, de 18 anos, que largou tudo para se dedicar a ele. “Antes do acidente, nós nem éramos muito ligados”, ele conta. Ela emenda: “Sair amanhã com ele, no andador, será uma vitória inexplicável. O Sarah também foi uma escola pra mim”.
Thallys sabe que a luta está apenas começando. As pernas ainda estão bambas, falta-lhe equilíbrio, ainda não tem muita força nos dedos das mãos. “Sei que tá longe de ser o que eu era, mas não importa. O segredo, que aprendi no Sarah, é o tempo. Sei que não vou andar de uma hora para outra, talvez nunca ande mais. Mas, se conseguir andar pelo menos de bengala, já valeu. Eu mudei, só não perdi a alegria em viver”, confessa, comovido.
Popularidade
E ele fará falta na unidade do Lago Norte. Virou o “rei” do lugar. Jogou tênis de mesa, basquete, fez musculação, hidroginástica. Incentivou quem chegava, pediu para ninguém desanimar. E até ensaiou uns passos do rebolation na cadeira de rodas. “ Fiz verdadeiros amigos. Pela minha alegria e descontração, eles me apelidaram de ‘Tetra do Paraguai’. Diziam que eu tava mentindo, que nunca fui tetraplégico, que só tava ali pelas enfermeiras lindas…”
A novela Viver a vida termina hoje. Thallys tem certeza de que a vida é real. “Eu chorei muitas vezes assistindo a alguns capítulos, sei o que a personagem sentia”. E diz, com uma convicção impressionante: “O que me ajudou a seguir foi minha tranquilidade. Eu nunca acreditei que tava numa cadeira de rodas. A sensação que coloquei na minha cabeça era a de que tinha apenas me machucado”.
Devota de Nossa Senhora Aparecida, Eulália, a mãe, diz que aprendeu as leis do silêncio que o filho ensinou a ela: “Determinação, conquista, superação e Deus”. Thallys já tem um compromisso amanhã à noite, na Cidade Ocidental. Os amigos organizam uma grande festa. “Vou dançar o rebolation na cadeira de rodas durante a balada toda. Com o andador, ainda tô treinando, mas chego lá”. Este é o rapaz que, num pulo mal dado numa piscina, precisou reescrever a própria história. E ela é bem real. Nada tem de ficção.
Fonte: http://www.uai.com.br/
Veja:
Olá Verinha linda!
"Nesse dia, eu chorei mesmo, na frente de todo mundo, mas só de felicidade. Foi como ganhar na Mega Sena"
Verinha linda, agora queres fazer-me chorar sempre que cá venho, é?
"…Eu mudei, só não perdi a alegria em viver…"
Que exemplo de vida!
Que pequena me sinto quando te leio minha querida!
Um beijo e bom domingo…
Olá Vera!
"…Eu mudei, só não perdi a alegria em viver"
Que lindo que quem passou por tanto sofrimento dê lições a quem vê as coisas de fora…
Que lições de vida para quem te lê… tu e os relatos que nos trazes.
Parabéns!
Saludos argentinos.
Sergio.
Minha amiga querida,
Não quero ver você chorando não, ok? Só quero mostrar através destes exemplos maravilhosos de superação, que é possível ser feliz mesmo possuindo alguma deficiência.
Beijos e uma ótima semana, Alma!
Que bom vê-lo por aqui, meu amigo argentino!
Obrigada pelas palavras!
Maravilhoso seu texto sobre lágrimas no "El Puente"! Parabéns!
Abraços!
Cara, que lição de vida.
Fui dar uma “caída” na piscina, durante uma aula de natação.
Sempre tive medo. E mesmo com a orientação médica, acabei batendo a cabeça no fundo da piscina, porque fechei o olho com medo da queda.
Enfim, fraturei a C1 e fissurei a c3. Não tive trauma maior e minha recuperação está sendo somente repouso para calcificar o osso fraturado.
Hoje percebo o risco que corri.
Parabéns pela sua história.