As características positivas de se ter uma deficiência
Texto cedido ao Blog Deficiente Ciente pelo amigo Emílio Figueira*.
O título deste artigo pode até ser uma ironia: Pode ter alguma coisa positiva em ser ter uma deficiência? Sim, pode…
Durante muito tempo tenho dialogado no sentido figurativo com o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky. Primeiro na época da faculdade quando me apaixonei por sua Psicologia Sócio-Histórica, onde a nossa psique se forma e vai se construindo por meio das interações humanas. Concordo. Depois, já mergulhado nas questões inclusivas e aspectos psicológicos das pessoas com deficiência, estudei anos a fio sua obra “Elementos da Defictologia”.
Vy, como eu o apelidei, afirmava que uma deficiência para uma pessoa pode ser uma condição muito mais estimulante do que limitadora. Se algo lhe falta em algum órgão ou lhe limita em algum aspecto, ela encontrará compensação em outros órgãos, buscará meios, saídas que lhe fará caminhar, encontrar o seu espaço neste mundo. O problema maior mesmo se dá no campo das interações sociais. Quanto mais as pessoas estiverem integradas em suas comunidades, convivendo de acordo com suas possibilidades, desenvolvendo outras habilidades, amenizando os efeitos que limitam suas deficiências.
Voltando um pouco à história, houve um tempo que o preconceito era muito grande em relação a nós, pessoas com deficiência. Vivíamos isolados, porque não dizer escondidos dentro das instituições e entidades assistencialistas. Eu vivi isso nos anos 1970!
Olhando mais para àquela época, entrando um pouco no campo da psicanálise, o francês Pierre Fédida dizia que a imagem da pessoa com deficiência muitas vezes é como um “espelho perturbador” na sociedade, incomodando por trazer à tona medos inconscientes, a impotência em reconhecermos nossas próprias deficiências, nossas próprias fragilidades. Essa imagem perturbadora derruba falsos conceitos que somos perfeitos, sensações de beleza. E muitos querem evitar ficar de fronte a uma pessoa com deficiência justamente para não perturbá-los em seus egos fragilizados e inseguranças mais secretas.
Criando novos conceitos
No dia 7 de dezembro de 2017, em uma linda e emocionante cerimônia no Memorial da Inclusão, o meu curso Conversando Sobre Educação Inclusiva foi finalista do “VI Prêmio Ações Inclusivas Para Pessoas Com Deficiência” do Governo do Estado de São Paulo. Minha felicidade foi receber o Certificado das mãos do Prof. Dr Zan Mustacchi, Médico Geneticista e Pediatra. Em seguida ele foi homenageado como figura histórica da Inclusão no Brasil. E o Dr. Zan abriu o seu discurso com esta frase que me marcou muito: “A gente não pode mudar preconceitos. Mas a gente pode criar novos conceitos para substitui-los!”
E a história mostra que o Dr. Zan tem razão. Nos anos 1970 e 1980 nós pessoas com deficiência colocamos a cara na rua para lutar por nossos direitos e espaço na sociedade. Surgiria o conceito de Integração Social, onde entidades e instituições preparavam essas pessoas para serem integradas entre as pessoas sem deficiência aparentes, principalmente no mercado de trabalho.
Nos anos 1990 surgiria o conceito de Inclusão Social. Essa é uma história que não cabe aqui. Mas o fato é a Inclusão foi uma grande revolução que abriu as portas de muitas casas de pessoas com deficiência, lançando-as pelas ruas rumo às infinitas possibilidades, atingindo campos e posições até então imagináveis à nossa classe. Inclusive no amor, conforme eu direi no próximo capítulo. Essa revolução continua em plena ebulição e ninguém mais se arrisca em duvidar ou limitar pessoas com qualquer tipo de deficiência.
Aqui retomo Vygotsky quando ele dizia que o problema se dava no campo das interações sociais. Os conceitos de Inclusão Social já eram descritos por ele há 70 anos, afirmando que quanto mais as pessoas estiverem integradas em suas comunidades, convivendo de acordo com suas possibilidades, desenvolvendo outras habilidades, amenizando os efeitos que limitam suas deficiências.
Hoje digo com segurança que o Vy estava certo. E o que estamos assistindo atualmente confirma isto. É por isto que defendo como ninguém a Educação Inclusiva. A escola é o processo inicial na vida de todos. E nela todos ganham com a inclusão. Ao mesmo tempo em que as crianças aprendem a conviver com a diferencia – mesmo porque crianças são serem sem nenhum preconceitos e naturalmente inclusivas e receptivas a todos -, elas estão construindo uma sociedade totalmente igualitária. Não tenho medo em dizer que essas crianças nascidas depois do ano 2000, estão vindo com uma cabeça totalmente diferente e em outra pegada. Elas sim vão construir um mundo muito melhor!
Por outro lado a criança com deficiência têm inúmeros ganhos ao ser incluída. Quando ela vê colegas sem deficiência fazendo algo, alguma tarefa ou brincadeira, ela os imitará, sendo estimulada em se superar em suas próprias limitações. As descobertas de suas possibilidades serão constantes. Estímulos que ela não teria se ficasse em uma instituição de crianças com deficiência semelhantes a sua. Eu vivi isso na pele quando fui transferido da AACD para um colégio público em 1981.
Se antes as pessoas com deficiência poderiam ser um “espelho perturbador”, agora na Inclusão nossa imagem passou a se refletir de maneira positiva. E duas palavras ganharam forças: Superação e Inspiração!
Eu sei que até corro o risco de ser criticado por alguns colegas pelo o que irei dizer. Para mim, nós pessoas com deficiência temos um poder muito grande de adaptações em diversas situações. E a Inclusões nos trouxe vários desafios pessoais. E esse comportamento de superação nasce quando precisamos encontrar caminhos para coisas cotidianas. Com resultados positivos, alimentamos a autoestima indo para passos imagináveis.
Cheguei nesta conclusão observando em colegas com deficiência que convivo, além das três pessoas que admiro e estudo suas biografias: Nick Vujicic pela sua força por meio da fé. O maestro brasileiro João Carlos Martins, demonstrando o quanto os meios artísticos são inclusivos e revelam muitas superações. E o físico britânico Stephen Hawking, com quem, modesta parte, eu já fui comparado pela Revista Veja.
E nos esportes, mais precisamente nos atletas paralímpicos, temos centenas de exemplos de superação, uma vez que as competições lhes cobra isso a todo instante. E como eu disse, essas ações se refletem em imagens positivas e inspiradoras à sociedade.
Pessoas que vivem e pessoas que são vividas
Está certo. Você pode me perguntar por que então com a Inclusão nem todas as pessoas com deficiência estão tendo as mesmas oportunidades? Isso envolve muitas questões culturais e pessoais. Realmente existem muitas pessoas humildes em longínquos lugares, desconhecedoras de seus direitos, dos recursos existentes que lhes é de direitos. Vítimas de péssimas políticas governamentais. Pessoas que não foram estimuladas a procurar melhoras, conformando-se com o seu próprio destino como se a vida fosse um fato consumado.
Por outro lado, ao longo de quase cinco décadas, encontrei muitas pessoas acomodadas. Fazendo de suas próprias deficiências muletas, vitimando-se, usando das justificativas desculpas onde o culpado sempre é o outro – principalmente o Governo – pelos seus próprios problemas. No fundo eles não querem “se levantar do sofá”, deixar a zona de conforto. E existem muitos desses que usam isso para ter lucros, estimulando a piedade alheia. Ou como dizia o antropólogo e meu amigo João Ribas, eles “vendem a própria deficiência”.
Bem, como disse Nelson Rodrigues, toda generalização é burra! Nesse contexto há muitas pessoas com deficiência acomodadas principalmente por falta de autoestima e informações corretas. Pegando uma carona na Programação Neurolinguística, percebo em seus discursos um bloqueio mental em frases com vícios de linguagens, tais como: “É difícil. É complicado. Eu não nasci para isso. Essas coisas não são para mim. É melhor mesmo eu me conformar com minha realidade e esperar a morte. O pouquinho que tenho já me basta”, dentre outras.
A melhor forma de ajudar essas pessoas, será fortalecendo suas autoestimas e lhes apresentar os caminhos de infinitas possibilidades…
O neo-psicanalista Éric Fromm dizia que há pessoas que vivem e há pessoas que são vividas pela vida, folhas secas que vão para onde o vento sopra. Tanto faz se são pessoas com ou sem deficiência.
Há dois tipos de se viver. Os Essencialistas, acreditando que todas as coisas já estão pré-determinadas, que nascemos com uma essência que não vai mudar; o que tiver que ser, será e com isso nos acomodamos diante da vida, sem se arriscar, usando essa postura comodista.
Outros são os Existencialistas, acreditando que nossa essência é construída com a possibilidade de ser; pessoas que correm atrás de seus objetivos e sonhos; buscam oportunidades, não temem em se arriscar nas mais diversas ocasiões; fazem das frustrações acúmulos de experiências para não errarem nas próximas tentativas; fazem das vitórias motivações para sempre progredir.
Certamente, os Existencialistas estão nadando de braçada na Inclusão!
NOTA: Este artigo é trecho do meu livro de memórias CONFISSÕES DE UM BOM MALANDRO. Para baixá-lo gratuitamente clique aqui
*Psicólogo, escritor, conferencista e teólogo.