As duas mães de Valentina: a mãe com síndrome de down e a avó
Maria Gabriela Demate, é uma daquelas criaturas abençoadas, que calam a boca de quem não acredita no potencial de uma pessoa com Síndrome de Down.
Valentina, serelepe, espera a reportagem no jardim. A casa fica em uma travessa charmosa da região central de Socorro, que permite o acesso de pedestres a uma passarela sobre o Rio do Peixe. É um cantinho com calçadas revestidas de grama, canteiros, palmeiras imensas. E casas amplas, bem antigas. E, neste Dia das Mães, a menina de 5 anos é a grande atração do pedaço. Ela vai participar de um almoço inesquecível, ao lado da avó Laurinda e da mãe, Maria Gabriela, que, por sinal, tem síndrome de Down.
O nascimento da garotinha mobilizou jornalistas de todo canto no final da década passada. Afinal de contas, a gravidez de uma pessoa com comprometimento mental já era um fato raro. O mais inusitado da situação, no entanto, é que o pai, Fábio, também apresentava necessidades especiais, decorrente do parto complicado. E a cidade inteira estava preocupada de imaginar como seria o futuro da menina. O registro do nascimento emperrou no cartório, com a justificativa de que Fábio não tinha discernimento necessário para se declarar o pai. Mas o tempo passou e os pessimistas de plantão se surpreenderam.
Maria Gabriela Demate, de 32 anos, é uma daquelas criaturas abençoadas, que calam a boca de quem não acredita no potencial de um Down. Estudou até concluir o Ensino Médio, dividindo a sala com alunos sem qualquer limitação. Também participou de cursos de culinária e panificação. Se tornou uma cozinheira de mão cheia, que só ganha elogios das famílias. E tem mais. Se prepara para fazer parte de uma classe de adultos especiais e aprimorar os próprios conhecimentos de informática.
Gabriela, é bom que se diga, ainda mora com o maridão, Fábio Marcheti de Moraes, de 33 anos. E escrevem uma história de amor digna de novela. O casal é visto em bares e restaurantes, e adora dançar. Bailes, não perdem um. “Eu não fico sem uma cervejinha e uma caipirinha”, diz Gabriela.
Ah, sim. Valentina não participa das noitadas. Ela mora, desde o nascimento, na casa da avó materna Laurinda Ferreira de Andrade, de 54 anos. A cem metros dali, o casal mora com a família de Fábio. “A gente achou melhor assim. Apesar do talento e da vida ativa da Gabriela, eu sempre achei que ela precisava da minha ajuda. E, na outra casa, o Fábio também é respeitado em todas as suas limitações naturais. Queremos que o casal se divirta, se sinta muito feliz. E, da Valentina, cuido eu com todo amor”, fala a vovó coruja.
Valentina, aluna do Centro Educacional Horizonte, já se prepara para entrar no primeiro ano do Ensino Fundamental. E, por enquanto, vive o paraíso da Educação Infantil, com direito a brincadeiras e atividades artísticas. A menina, toda cheia de si, diz que preparou para a mãe Gabriela um presentinho especial. E entregou o embrulho na sexta-feira da semana passada, quando todos os aluninhos cantaram no evento que a sua escolinha preparou para as mães. “É uma caixinha, para guardar qualquer coisa”, falou a menina. Mas, para a mamãe Gabriela, é muito mais: “É um porta- joias”, disse, toda feliz.
O recanto da princesa
A casa antiga da avó foi construída há uns 50 ou 60 anos. É um daqueles imóveis com cômodos enormes, com tacos no piso e pedregulhos na fachada. Por ali, também moram os dois filhos mais velhos de Laurinda, um dentista e um ator. Cada um com seu quarto.
E, como não podia ser diferente, a Valentina tem seu próprio canto. Há um guarda-roupa lotado de bonecas. Tem a Barbie em várias versões, a Merida (aquela ruivinha do filme Valente), a sereia Ariel. E, pelas paredes, se espalham pôsteres da Dora Aventureira, com seu inseparável macaco Botas, personagens conhecidos de todo mundo que tem filhos.
A avó, emocionada, se preocupa em decorar os outros cômodos. As estantes e mesas estão tomados com fotografias de Maria Gabriela, com síndrome de down, e Valentina, os dois anjos que apareceram na sua vida.
Fonte: http://correio.rac.com.br/