Bebês com microcefalia viram elo de belas histórias de amor e maternidade
Mães adotivas das crianças acreditam em destino. Para elas, bebês com malformação cerebral são presentes de Deus.
A vontade e o sentimento de ser mãe são tão fortes que ultrapassam qualquer critério lógico. Biologia, muitas vezes, não é o fator predominante para fazer brotar esse amor, arrebatador e inexplicável. E ele pode ser fruto de uma gestação ou do destino. Há quem acredite que a maternidade é um presente de Deus e que nada é por acaso. Assim acreditam as quatro mulheres dessa história.
Mães adotivas e biológicas, que viram suas vidas se conectarem às vidas de bebês com microcefalia.
Presente de Deus
Por já ter outros oito filhos, a mãe biológica de Maria Eduarda não teve condições de ficar com a filha. Um casal havia se interessado em adotar a menina, mas antes de descobrir que a pequena tinha microcefalia. Sem um lar, a bebê estava prestes a ser entregue em um orfanato. Foi quando a doméstica Mirian Pereira, 40 anos, resolveu mudar o futuro de Duda – como é chamada a menina.
“Ela chegou no dia certo, na data certa. Eu me curei no dia 15 de novembro e Deus me deu ela no dia 22. Deus me curou para eu cuidar dela. É meu destino cuidar e dar felicidade para ela”, acredita. Após lutar cinco anos contra uma leucemia, Mirian recebeu alta da remissão sete dias antes de Maria Eduarda entrar em sua vida.
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Hoje com quase cinco meses, Duda não tem só uma mãe, mas duas. Isso mesmo, amor em dobro. Apenas com 18 anos, a nora de Mirian, Clene da Silva, se apaixonou pela menina com microcefalia e largou os estudos para se dedicar por completo a Maria Eduarda. Foi amor à primeira vista.
“É só até organizar essa rotina intensa de médicos. No próximo ano, eu volto a estudar, mas ela sempre virá em primeiro lugar. É o meu xodó. Minha vida pela dela sempre”, garante a jovem, que já apresenta uma atitude madura. “Parece que saiu do ventre dela. É incrível porque, mesmo já tendo dois filhos e ser mais velha, ela me ensina muito em relação a Duda”, completa Mirian.
No entanto, Cleane não nega que há resquícios de uma infância que ainda não foi totalmente esquecida. Sempre muito enfeitada e cheirosa, ela faz de Duda a sua boneca viva com o que ganham de doações. É roupinha combinando e acessório para cabeça. Até dois tipos de mochila a pequena tem. Claro, todas da cor rosa. “Essa é para passear e essa para os dias de médicos. Ela arruma, tira foto e compartilha com as amigas nas redes sociais. Essa é a alma de criança que ainda fala dentro dela”, entrega Mirian, com sorriso orgulhoso.
Com duas mães e um bebê mais que mimado – no bom sentido – há ciúmes, mesmo que seja “bobinho”. Cleane diz que Duda prefere o seu braço, enquanto Mirian garante que a menina só dorme com ela. “Ela só conhece meu braço, tem dia que só quer ele”, diz a jovem. Mesmo concordando, a dona de casa rebate. “Vai falando, vou deixar passar por hoje”, diz Mirian em tom de brincadeira.
Enquanto isso, Maria Eduarda dormia tranquilamente.
Um amor de vizinha
Com as portas da casa sempre abertas para receber qualquer um, a dona de casa Valéria Gomes, 45 anos, é a vizinha boa praça, a “mãezona” da comunidade. No feijão, sempre vai mais água para alimentar quem chegar. “A gente não vive de luxo, o dinheiro é contado, mas sempre tem tudo para todo mundo. Minha casa é aberta, quem chegar aqui come. Eu tenho prazer de ter uma casa que é vista assim”, conta.
Ainda jovem, Valéria teve uma infecção no útero e nas trompas após duas gestações que não vingaram. “Tenho em mim que Deus me preparou para isso. Ele não deixou eu ter para cuidar de quem precisava”, acredita.
O primeiro a bater em sua porta foi Gildo. Com apenas dois meses, o menino com deficiência mental foi abandonado pela mãe no meio da madrugada. Hoje, 18 anos depois, o rapaz esbanja saúde e felicidade. Orgulho de Valéria, o que não falta na casa são fotos de Gildo sorrindo.
O jovem agora tem um irmão mais novo, João Lucas, de sete meses. Assim como Maria Eduarda, o menino foi diagnosticado com microcefalia associada ao vírus da zika. João é filho de sua vizinha de quarteirão. “Chamo ele [Gildo] de meu tesourão e João de meu tesourinho”.
Bastante humilde, a dona de casa Neide Ferreira, 41 anos, não sabia como cuidar de uma criança com necessidades especiais em meio a seus outros 12 filhos. “Eu fui lá para ajudar de alguma forma. Pensei em trazer Aninha [gêmea de João que nasceu sem a microcefalia], mas quando cheguei lá percebi que ele que precisava de mim, ele me encantou”, relembra Valéria.
No início, João passava apenas as manhãs com a mãe adotiva, até que uma gripe forte atingiu o ouvido do bebê. Tendo que aplicar o remédio várias vezes ao dia por 10 dias, o menino foi ficando na casa de Valéria. Quando a dona de casa percebeu, ela e João eram quase uma pessoa só.
“Lembro que ele voltou para ficar uma noite comigo e teve febre emocional com saudades de Valéria. Daí eu percebi que Deus colocou uma pessoa na minha vida, em um momento tão difícil, para me ajudar e ajudar meu filho”, desabafa a mãe biológica, que permanece presente na vida do menino.
De vez em quando, tímidas lágrimas caem do rosto de Valéria, mas se engana a pessoa que achar que são o resultado de outro sentimento que não seja a felicidade e o orgulho. “Eu sou mãezona mesmo, meu coração é bem grande. Até Deus permitir eu vou cuidar dos meus dois filhos com todo amor. Esse amor que é tão forte e vem de dentro. São meus filhos”, conclui.
Fonte: G1