Crianças com DeficiênciaDeficiência Física

Bebês com microcefalia viram elo de belas histórias de amor e maternidade

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Sem poder ter filhos biológicos, Valéria considera João Lucas o seu 'tesourinho' (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Sem poder ter filhos biológicos, Valéria considera João Lucas o seu ‘tesourinho’
(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Mães adotivas das crianças acreditam em destino. Para elas, bebês com malformação cerebral são presentes de Deus.

A vontade e o sentimento de ser mãe são tão fortes que ultrapassam qualquer critério lógico. Biologia, muitas vezes, não é o fator predominante para fazer brotar esse amor, arrebatador e inexplicável. E ele pode ser fruto de uma gestação ou do destino. Há quem acredite que a maternidade é um presente de Deus e que nada é por acaso. Assim acreditam as quatro mulheres dessa história.

Mães adotivas e biológicas, que viram suas vidas se conectarem às vidas de bebês com microcefalia.

Presente de Deus

Por já ter outros oito filhos, a mãe biológica de Maria Eduarda não teve condições de ficar com a filha. Um casal havia se interessado em adotar a menina, mas antes de descobrir que a pequena tinha microcefalia. Sem um lar, a bebê estava prestes a ser entregue em um orfanato. Foi quando a doméstica Mirian Pereira, 40 anos, resolveu mudar o futuro de Duda – como é chamada a menina.

Hoje, a pequena Maria Eduarda não tem só uma mãe, mas duas (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Hoje, a pequena Maria Eduarda não tem só uma mãe, mas duas (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

“Ela chegou no dia certo, na data certa. Eu me curei no dia 15 de novembro e Deus me deu ela no dia 22. Deus me curou para eu cuidar dela. É meu destino cuidar e dar felicidade para ela”, acredita. Após lutar cinco anos contra uma leucemia, Mirian recebeu alta da remissão sete dias antes de Maria Eduarda entrar em sua vida.

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Hoje com quase cinco meses, Duda não tem só uma mãe, mas duas. Isso mesmo, amor em dobro. Apenas com 18 anos, a nora de Mirian, Clene da Silva, se apaixonou pela menina com microcefalia e largou os estudos para se dedicar por completo a Maria Eduarda. Foi amor à primeira vista.

Com apenas 18 anos, Cleane se apaixonou tanto por Duda que resolveu largar os estudos (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press) bebê com microcefalia
Com apenas 18 anos, Cleane se apaixonou tanto
por Duda que resolveu largar os estudos
(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

“É só até organizar essa rotina intensa de médicos. No próximo ano, eu volto a estudar, mas ela sempre virá em primeiro lugar. É o meu xodó. Minha vida pela dela sempre”, garante a jovem, que já apresenta uma atitude madura. “Parece que saiu do ventre dela. É incrível porque, mesmo já tendo dois filhos e ser mais velha, ela me ensina muito em relação a Duda”, completa Mirian.

No entanto, Cleane não nega que há resquícios de uma infância que ainda não foi totalmente esquecida. Sempre muito enfeitada e cheirosa, ela faz de Duda a sua boneca viva com o que ganham de doações. É roupinha combinando e acessório para cabeça. Até dois tipos de mochila a pequena tem. Claro, todas da cor rosa. “Essa é para passear e essa para os dias de médicos. Ela arruma, tira foto e compartilha com as amigas nas redes sociais. Essa é a alma de criança que ainda fala dentro dela”, entrega Mirian, com sorriso orgulhoso.

Com duas mães e um bebê mais que mimado – no bom sentido – há ciúmes, mesmo que seja “bobinho”. Cleane diz que Duda prefere o seu braço, enquanto Mirian garante que a menina só dorme com ela. “Ela só conhece meu braço, tem dia que só quer ele”, diz a jovem. Mesmo concordando, a dona de casa rebate. “Vai falando, vou deixar passar por hoje”, diz Mirian em tom de brincadeira.

Enquanto isso, Maria Eduarda dormia tranquilamente.

Valéria [direita] divide amor de João Lucas com Neide, mãe biológica do menino (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Valéria [direita] divide amor de João Lucas com Neide, mãe biológica do menino
(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Um amor de vizinha

Com as portas da casa sempre abertas para receber qualquer um, a dona de casa Valéria Gomes, 45 anos, é a vizinha boa praça, a “mãezona” da comunidade. No feijão, sempre vai mais água para alimentar quem chegar. “A gente não vive de luxo, o dinheiro é contado, mas sempre tem tudo para todo mundo. Minha casa é aberta, quem chegar aqui come. Eu tenho prazer de ter uma casa que é vista assim”, conta.

Ainda jovem, Valéria teve uma infecção no útero e nas trompas após duas gestações que não vingaram. “Tenho em mim que Deus me preparou para isso. Ele não deixou eu ter para cuidar de quem precisava”, acredita.

O primeiro a bater em sua porta foi Gildo. Com apenas dois meses, o menino com deficiência mental foi abandonado pela mãe no meio da madrugada. Hoje, 18 anos depois, o rapaz esbanja saúde e felicidade. Orgulho de Valéria, o que não falta na casa são fotos de Gildo sorrindo.

O jovem agora tem um irmão mais novo, João Lucas, de sete meses. Assim como Maria Eduarda, o menino foi diagnosticado com microcefalia associada ao vírus da zika. João é filho de sua vizinha de quarteirão. “Chamo ele [Gildo] de meu tesourão e João de meu tesourinho”.

Bastante humilde, a dona de casa Neide Ferreira, 41 anos, não sabia como cuidar de uma criança com necessidades especiais em meio a seus outros 12 filhos. “Eu fui lá para ajudar de alguma forma. Pensei em trazer Aninha [gêmea de João que nasceu sem a microcefalia], mas quando cheguei lá percebi que ele que precisava de mim, ele me encantou”, relembra Valéria.

No início, João passava apenas as manhãs com a mãe adotiva, até que uma gripe forte atingiu o ouvido do bebê. Tendo que aplicar o remédio várias vezes ao dia por 10 dias, o menino foi ficando na casa de Valéria. Quando a dona de casa percebeu, ela e João eram quase uma pessoa só.

Para Neide, Valéria é como uma irmã (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Para Neide, Valéria é como uma irmã (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

“Lembro que ele voltou para ficar uma noite comigo e teve febre emocional com saudades de Valéria. Daí eu percebi que Deus colocou uma pessoa na minha vida, em um momento tão difícil, para me ajudar e ajudar meu filho”, desabafa a mãe biológica, que permanece presente na vida do menino.

De vez em quando, tímidas lágrimas caem do rosto de Valéria, mas se engana a pessoa que achar que são o resultado de outro sentimento que não seja a felicidade e o orgulho. “Eu sou mãezona mesmo, meu coração é bem grande. Até Deus permitir eu vou cuidar dos meus dois filhos com todo amor. Esse amor que é tão forte e vem de dentro. São meus filhos”, conclui.

Fonte: G1

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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