Blog Deficiente Ciente entrevista o psicólogo e escritor Emilio Figueira
Caro leitor,
Emilio Figueira é psicólogo e escritor. Já trabalhou como jornalista e agora dedica-se à psicanálise. Tem 74 livros publicados, 66 artigos científicos, peças de teatro, roteiros. Tem 41 anos, nasceu na cidade de São Paulo e tem paralisia cerebral.
Acompanhe a entrevista que Emilio concedeu gentilmente ao blog.
“Uma limitação não pode ser vista como um impedimento pela vida; mas sim como uma motivação a mais para que a pessoa se auto supere e realize coisas imagináveis para a sua condição perante a sociedade” (Lev Vygotsky).
1) Fale um pouco sobre sua infância e adolescência.
Minha infância foi vivida aqui em São Paulo. Mas pelo fato de já muito cedo ter iniciado os meus tratamentos, eu era aluno semi-interno na AACD. Ou seja, estudava das 7 horas da manhã até às 5 horas da tarde. Dentro desse período tinha as atividades escolares, as mais diversas terapias e momentos para alimentação e recreação. E depois ainda ficava duas horas na perua bege com o logotipo da AACD, rodando por São Paulo até chegar em casa exausto, indo dormir para levantar às 6 horas da manhã e começar tudo de novo. E isso durou toda a década de 70. Já na adolescência, eu tinha mudado para uma pequena cidade do interior chamada Guaraçaí e lá fui estudar no grupo escolar regular. Tive uma adolescência totalmente normal, com todas as possibilidades e aventuras como qualquer amigo da minha idade. O povo do interior tem uma cultura acolhedora e de ajuda mútua. Fui rapidamente acolhido por eles. Um círculo de colegas se formou a minha volta. Eu participava das atividades dentro e fora de sala de aula, das comemorações, brincadeiras de pátio. E essas amizades se estenderam para fora da escola. Brincava e andava com meus amigos por toda a cidade. Íamos nadar andar de bicicleta, enfim, até bola no campinho eu jogava. Na adolescência, saíamos à noite, frequentávamos bares e bailes.
2) Como foi sua experiência na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD)?
Minha época de AACD foi cansativa, mas foi extremamente fundamental para o meu desenvolvimento físico e cognitivo. Se hoje cheguei aqui o mais independente possível diante das minhas limitações, foi graças há todo atendimento e estimulações precoce que tive lá. Sabe, têm uns trinta anos que não volto à AACD. Mas tenho vontade de um dia ir lá, caminhar, reviver memórias e ao mesmo tempo ver o quanto àqueles tratamentos me possibilitaram chegar até aqui.
3) Há pouco tempo atrás publicamos uma matéria sobre “O comportamento dos pais diante da deficiência de um filho”. Como foi o comportamento e atitude de seus pais, ao longo dos anos, diante da sua deficiência?
Na verdade, a AACD foi o segundo ponto fundamental na minha vida. O primeiro mesmo foi à família. Por volta de um ano eu já fazia meus tratamentos. Foi uma época muito sofrida, minha mãe, avó, tias me levavam no colo aos tratamentos, pegavam até nove ônibus por dia. Houve um envolvimento total de toda a família. Até que conseguimos a vaga de aluno semi-interno na AACD e pude contar com as peruas. Sempre fui estimulado a ser o mais independente possível. E isto, com certeza, fez toda a diferença.
3)Quando e como começou seu engajamento com a questão da deficiência?
Sinceramente, na década de 70, quando eu estava isolado dentro da AACD ainda não tinha nenhuma consciência política e nem da minha própria deficiência. No ano de 1981, dedicado à Pessoa Deficiente, o movimento ganhou muita força no Brasil e devagar fui tomando consciência dele. Mas digo que sempre gostei mesmo de estar na retaguarda. Minha colaboração mesmo foi na escrita. Enquanto jornalista publiquei mais de 500 artigos e reportagens sobre essa temática em inúmeras publicações do país. Como pesquisador científico, escrevi muitas monografias e mais de 80 artigos científicos sobre pessoas com deficiências dentro da realidade brasileira. Fora alguns livros. E o interessante é que nunca sabemos onde tudo isso vai parar. Só para citar, em 2009, fui fazer uma palestra no sertão de Pernambuco para centenas de professores. Lá fiquei muito emocionado em descobrir que meus escritos são bem conhecidos e utilizados na região nordeste. Tenho todo esse material organizado e guardado. Agora estudo a possibilidade de doá-lo ao acervo do Memorial de Inclusão. Afinal, esses escritos não são propriamente meus, mas pertence à nossa história e ao nosso movimento.
4) Como surgiu o jornalismo em sua vida?
Sabe, desde muito cedo, tive uma queda muito grande pelas artes, produzindo entre os 2 e 5 anos de idade, inúmeros desenhos e pinturas. Fui alfabetizado aos 5 e aos 7 já escrevia meus primeiros poemas e ensaios. Aos 11, fiz a minha grande e primeira loucura; sai da casa de meus pais em São Paulo, indo morar com meus avós maternos em uma pequena cidade do interior paulista, chamada Guaraçaí, como já disse. Aos 12, já realizava e escrevia reportagens para a “Folha de Guaraçaí”; aos 16, escrevia o jornal praticamente sozinho, além de colaborar com outros da região e, aos 18, formei-me em jornalismo técnico. E daí a minha carreira de jornalista deslanchou.
5)Você tem 79 livros publicados e 86 artigos científicos, conte-nos como é essa convivência com o mercado editorial. Você se inspirou em escritor (es) literário(s)?
Durante muitos anos, há cada época me apaixonei por autores diferentes. Mas se tenho que citar alguns, digo: na literatura universal o meu preferido é Miguel de Cervantes por ter criados dois personagens em Dom Quixote tão ricos em interpretações psicológicas; na literatura nacional li toda a obra de Érico Veríssimo e aprendi muito com sua linguagem e estilo; gosto muito do Marcos Rey pelos seus romances bem paulistanos; poetas, aprendi muito com Manual Bandeira e Drummond, mas o meu preferido mesmo é Mário Quintana, com quem me identifico muito em minhas composições. Atualmente, estou redescobrindo e me apaixonando por Fernando Pessoa.
6) E a psicologia, como tudo começou?
Querendo me aperfeiçoar cientificamente, aos 33 anos, voltei a estudar como um novo desafio em minha vida: chegar ao grau de cientista. No final de 2006, bacharelei-me em Psicologia pela Universidade do Sagrado Coração – USC/Bauru com a pesquisa intitulada “Uma análise dos programas de Psicologia do Excepcional nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil”, analisando a Formação do Psicólogo no que se refere à orientação atual dos planos de ensino, de forma particular, as disciplinas “Psicologia do Excepcional” ou outras denominações correlatas nos cursos de Psicologia. Ser psicólogo era um antigo e grande sonho.
7) Para você, como está a inclusão escolar no Brasil hoje?
Tenho 41 anos de estrada. Posso dizer que muita coisa já melhorou nesse sentido. A inclusão escolar ainda está com muitos pontos para serem melhorados, estudados e corrigidos. No geral, sou bem otimista em dizer que estamos no caminho certo. Aliás, o Brasil tem a melhor legislação referente às pessoas com deficiência do mundo. Claro, volto a repetir, ainda temos muito que melhorar e conquistar. Mas não aguento ouvir pessoas que dizem que nada mudou, os pessimistas de plantão! Melhorou sim, temos muitas coisas boas já para contar!
Atualmente quais são seus projetos?
Planos sempre tenho muitos. (riso) Pretendo continuar investindo na minha Clínica Virtual de atendimento e aconselhamento psicológico. Por outro lado, tenho viajado por várias partes do Brasil fazendo palestras sobre Educação Inclusiva. Uma síntese do que tenho falado, está saindo no meu novo livro O QUE É EDUCAÇÃO INCLUSIVA, publicado pela Coleção Primeiros Passos da editora Brasiliense. Porém, tem sido muito grande o número de pais que me procuram perdidos sobre essa questão de terem filhos especiais sendo incluídos em escolas regulares. Essas conversas e orientações têm me inspirado e estou escrevendo os originais de um futuro livro de apoio há esses pais e mãe para que saibam como poderão agir e também serem agentes para o sucesso da Educação Inclusiva.
9) Gostaria que deixasse uma mensagem aos leitores do Blog Deficiente Ciente.
Se nós não corremos atrás de nossos objetivos, ninguém correrá por nós. E, quanto a minha condição física, quero citar o que dizia o psicólogo russo Lev Vygotsky. Uma limitação não pode ser vista como um impedimento pela vida; mas sim como uma motivação a mais para que a pessoa se auto supere e realize coisas imagináveis para a sua condição perante a sociedade!
Emilio mantèm o Blog Correio do Figueira e mais outros blogs.
Recomendo também, que visitem o Blog da psicóloga Carolina Câmara “Meu filho é deficiente. E agora?”. Carolina também é uma pessoa com paralisia cerebral.
Veja:
Olá Emilio como vai, parabéns pela entrevista blog da Vera, e pela sua trajetória de vida um exemplo.
Abraços, Flávio Peralta.
Com toda certeza, uma bela história de vida, que a nós “sem deficiencias” serve como reflexão. Pessoas como o autor fazem toda a diferença no mundo! Deus o abençõe grandemente!
Quem vê essa foto dele em pé pode duvidar que ele tenha paralisia cerebral. A propósito: ele diz que até jogava umas peladas com os amigos, então eu não duvido que ele fosse goleiro…
Boa noite, foi muito interessante a entrevista de Emilio sobre seu trabalho e suas dificuldades em uma época que tudo era muito dificil para as pessoas diferentes, hoje os recursos e opções são mais.
Parabéns pelo pelo trabalho.
gostaria de conhece pessoas com deficiencia e saber como elas lidar com sua deficiencia pois tb tenho uma deficiencia
Amei a entrevista! cada dia aprendendo a lidar melhor com pessoas com necessidade especial. Abs.