Ana Victória Lago: brasileira que se tornou a primeira modelo com microcefalia do mundo

A jovem acumula inúmeros desfiles e já saiu na imprensa de mais de 20 países, mas só recebeu até hoje R$ 250 por seu trabalho

A roraimense Ana Victória Lago, primeira modelo com microcefalia do mundo, tem 22 anos de vida e cinco de carreira. Nesse período, ela abriu o sorriso em inúmeras sessões de fotos e subiu nas passarelas diversas vezes para desfilar em eventos para pessoas com deficiência.

Também foi eleita uma das oito mulheres mais inspiradoras do mundo da inclusão e saiu em reportagens de jornais em mais de 20 países, inclusive o New York Times, dos Estados Unidos, um dos veículos mais prestigiados do mundo.

“A Ana Victória é alguém que entrega a alma para o que ela faz. Quando sobe na passarela, ela é outra pessoa: sabe o que quer e está ali para brilhar”, afirma Viviane Lima, de 41 anos, mãe da jovem. “Ninguém precisa segurar na mão dela, ela sobe no salto e pode desfilar sozinha”, acrescenta.

Mas nada disso foi suficiente para ultrapassar as barreiras de uma sociedade estruturada no capacitismo – como é chamado o preconceito contra pessoas com deficiência – e lhe trazer reconhecimento e sustento por meio da profissão. Ana só foi remunerada uma vez: quando recebeu R$ 250 por ser uma das modelos de uma campanha de diversidade da marca Dove, realizada em 2020, mesmo ano em que recebeu a faixa de Miss Inclusão Amazonas.

Nessa época, ela já tinha uma trajetória de três anos no mundo da moda. Seus primeiros passos como modelo foram dados em 2017, quando ela participou do projeto inclusivo “Arte sem preconceito”, realizado em Manaus (AM), cidade onde mora atualmente com sua família.

Na ocasião, a jovem participou de um desfile, posou para fotos e – depois de demonstrar uma desenvoltura incontestável diante das câmeras – foi convidada para fazer um book pela agência de modelos que promoveu o evento.

“Não me deixaram estar com ela [durante a preparação para o ensaio]. Então, quando ela saiu, estava com um salto enorme e um sorriso maravilhoso no rosto. Para mim, foi uma surpresa, porque nunca a tinha visto andar de salto”, lembra Viviane. “Ficou muito à vontade com o fotógrafo, então, a gente viu que ela se encontrou”, completa.

Uma porta aberta – e várias fechadas

Depois, Ana Victória assinou contrato – que durou apenas um ano – com a agência. “Os clientes diziam que não queriam ‘esse tipo de gente’ no casting”, explica Viviane sobre a brevidade do vínculo.

“Talvez, ela não tenha sido apresentada da forma como deveria e os clientes também não tinham a visão do quanto a Ana Victória poderia acrescentar. É a falta de conscientização de quem é a pessoa com deficiência e quão boa ela pode ser estando na empresa”. analisa.

Diante da falta de portas abertas, e de pessoas fechadas para a diversidade, Viviane resolveu se tornar empresária da filha. Foi quando a carreira de Ana Victória alçou voos mais altos – porém sempre restritos ao universo das pessoas com deficiência (chamadas de PCD). Em 2019, a modelo foi convidada para ser a protagonista do Amazon Fashion Down, o primeiro desfile do moda inclusiva de Manaus.

“Eu estava ruim de grana e tinha ido comprar roupa em Goiânia (GO). Peguei uma calça e um body, que saíram, ao todo, por R$ 50 e até hoje tem gente que me pergunta de que marca são. Mas, na verdade, foi a Ana Victória que fez a diferença na roupa”, conta Viviane, que também é ativista da causa PCD.

Ao longo de toda a carreira da jovem, Viviane arcou com todas as despesas dos looks necessários para que a filha pudesse exercer a profissão. “Ela só teve roupa cedida quando fez o primeiro ensaio e, recentemente, como Miss Inclusão Amazonas”, lembra.

Viviane avalia que Ana Victória tem mais reconhecimento como modelo no exterior, graças às matérias veiculadas na imprensa internacional.

“Ela é conhecida no Brasil porque eu divulgo o dia a dia [na internet], mas não como a profissional que ela pode ser. A minha filha tem toda a capacidade de estrear como modelo igual a essa moça da Victoria’s Secret”, assegura, referindo-se à Sofía Jirau, primeira modelo com síndrome de Down da famosa marca de lingerie.

“A gente já foi para programas de televisão. Existe uma admiração, mas as empresas não contratam”, reitera Viviane. “Por que a Ana Victória não pode estar na Fashion Week? Por causa do preconceito”, conclui.

Inclusão para quem?

Apesar disso, ela reconhece que o mundo da moda se tornou mais inclusivo, mas destaca que ainda é necessário avançar para abraçar mais pessoas – com seus diferentes corpos e características

“O olhar está restrito para diagnósticos mais conhecidos, como a síndrome de Down. é preciso abrir o leque. A moda hoje se abriu para a diversidade, mas não especificamente para a pessoa com deficiência. Esse campo ainda precisa ser muito trabalhado”, defende.

“A gente fala de moda inclusiva, mas a Ana não consegue, por exemplo, usar uma tiara ou boné porque a moda não reconhece a microcefalia e não fabrica itens que caibam na cabeça dela”, acrescenta.

Por causa de olhares capacitistas, a sociedade ainda não está preparada para reconhecer Ana Victória como uma modelo profissional e cheia de talento. Mas esses mesmos olhares seguem curiosos e encaram como um espetáculo a vida e o cotidiano de pessoas com corpos fora do padrão.

A prova disso é o sucesso que Ana Victória e sua irmã, Maria Luiza, que também tem microcefalia, fazem nas redes sociais. A página “Viviane Lima”, no Facebook, onde a mãe compartilha registros das vivências com as meninas, tem mais de 500 mil curtidas e Ana Victória tem mais de 120 mil seguidores no Instagram.

“A gente mostra muito o dia a dia. Eu não trabalho demais essa questão de modelo [nas redes sociais]. Mas temos vídeos com 40 milhões de visualizações”, conta a ativista.

Fonte: https://virtz.r7.com/

Veja Também:

• 10 lindas e famosas modelos com síndrome de down
• 22 pessoas com síndrome de down que estão mudando o mundo
• 18 filmes imperdíveis que abordam a inclusão da pessoa com deficiência