Cadeirante é discriminado na portaria do Grande Teatro em MG
Por Mariana Peixoto
Funcionário do TJ, Jesus Thiago Freitas Alves foi barrado na portaria do Grande Teatro. Funcionários exigiram documento comprovando deficiência física
Foi com muita indignação que Jesus Thiago Freitas Alves, 33 anos, assistiu ao show Atento aos sinais, de Ney Matogrosso, na noite de sábado no Palácio das Artes.
Cadeirante, Jesus havia comprado quatro ingressos (o dele, que custou R$ 100, mais o de sua namorada, sua mãe e uma prima) para assistir ao espetáculo.
Quem tem direito a Lei da meia-entrada?
Chegou por volta das 20h, pelo menos uma hora antes do show. “Quando liberaram a portaria, o rapaz me disse que o ingresso estava ok, mas que eu tinha que passar pela bilheteria para mostrar meu documento”, conta.
Foi aí que começou a confusão. De acordo com Jesus, a pessoa que estava na bilheteria lhe pediu um documento que comprovasse que ele era deficiente físico – o rapaz nasceu com a chamada mielomeningocele, um defeito congênito que afeta a espinha dorsal; ele não possui qualquer movimento da cintura para baixo.
“Simplesmente ela não sabia explicar o que era. Disse, me mostrando um papel, que havia uma lei, um regulamento”, acrescentou.
Com a confusão, Jesus chamou a polícia pelo 190. Enquanto isto, de acordo com ele, outros cadeirantes entravam normalmente no Palácio das Artes.
“Depois que a polícia chegou, muito sorrateiramente uma menina, funcionária da Fundação Clóvis Salgado, me ofereceu duas cortesias. Não aceitei, eu tinha comprado, pagado pelos ingressos.”
Quase na hora do show, é que liberaram a entrada de Jesus. “Um senhor disse que tinha ingressos sobrando e acabou me dando”, diz ele, que ficou com o ingresso que havia comprado no bolso.
Funcionário do Tribunal de Justiça, Jesus é frequentador do Palácio das Artes. “Eu nunca tinha passado por isto, foi uma coisa muito desagradável. O deficiente já sofre com falta de estrutura, o que nem é o caso do Palácio das Artes. Quis assistir ao show para valer o meu direito.”
Procurada pelo EM, a Fundação Clóvis Salgado afirmou que está convocando os funcionários que trabalharam na noite de sábado para apurar o que ocorreu. Somente após esta apuração a FCS iria se pronunciar sobre o ocorrido. Mais tarde, a assessoria de comunicação da Fundação publicou uma nota oficial, dizendo que os fuincionários do Palácio agiram em conformidade com a lei e que seguem apurando o caso. Confira o texto na íntegra:
“NOTA FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO
Em relação ao fato ocorrido na noite do dia 24 de setembro de 2016, na entrada para show realizado no Grande Teatro do Palácio das Artes, a Fundação Clóvis Salgado esclarece que respeita, acata e age em conformidade com a Lei Federal nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, e com o Decreto Federal nº 8.537, de 05 de outubro de 2015, que dispõem sobre o benefício do pagamento de meia-entrada para estudantes, idosos e pessoas com deficiência,entre outras categorias.
No item referente à pessoa com deficiência, consta das normas que a meia- entrada é destinada somente às pessoas com deficiência e que usufruem de benefício social do INSS ou aposentados em razão da deficiência. É importante ressaltar que, de acordo com o Decreto citado, esse benefício não é de ordem geral, ou seja, não se destina a todo e qualquer portador de necessidade especial: “As pessoas com deficiência terão direito ao benefício da meia-entrada mediante a apresentação do seu CARTÃO DE BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL no momento da aquisição do ingresso e na portaria ou entrada do local de realização do evento, ou de documento emitido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que ateste a aposentadoria de acordo com os critérios estabelecidos na Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013”. Essa documentação não foi apresentada no momento em que foi solicitada.
Além disso, e ao contrário do que afirmam os usuários que protagonizaram a situação, o único documento apresentado foi uma carteira de estudante que não seguia o “modelo único nacionalmente padronizado”, conforme exigência do artigo 1º, §2º, da Lei Federal citada, faltando-lhe também a especificação do grau de escolaridade e a data de validade, dados expressamente exigidos pelo art. 1º, §2º do Decreto regulamentar anteriormente mencionado.
Sendo assim, a FCS, por se tratar de instituição da Administração Pública do Governo de Minas Gerais, tem o dever de exigir dos usuários da meia-entrada a documentação constante nas normas descritas, por força do princípio constitucional da legalidade.
Salientamos que os servidores da Bilheteria do Palácio das Artes estão aptos a orientar o público quanto às exigências da Lei. Além disso, destacamos a importância de os usuários conhecerem essa legislação em sua totalidade, que se encontra disponível no site da FCS e em sinalização interna no Palácio das Artes, tendo sido, inclusive, aprovada pela fiscalização do Ministério Público. Informamos, ainda, que será instaurada uma sindicância para a devida apuração dos fatos.
Assessoria de Comunicação Social
Fundação Clóvis Salgado”
Jesus Thiago discorda do argumento da FCS, alegando que seu ingresso corresponde à categoria ‘cadeirante’, e não de beneficário do INSS: “Minha revolta se dá pelo desrespeito e pelo mau trato da funcionária da bilheteria e por toda a exposição que eu fui obrigado a passar, masq uando compro o ingresso ele vem escrito ‘cadeirante’, não ‘beneficiário’. Cadeirante não é aposentado, eu trabalho, me venderam o benefício como deficiente e me exigiram algo diferente de deficiente. Isso deveria ter sido deixado claro no momento da compra e não foi, tenho que comprar esse inclusive pelo lugar reservado. Só perguntaram minha identidade, preenchi e a compra foi efetuada sem nenhum problema, afirma ele, que realizou a compra pela internet.
No domingo, a irmã de Jesus, Thaís Freitas, ex-estagiária de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado, publicou um post contando o ocorrido com ele. No texto, pede que pessoas que presenciaram o ocorrido deem o seu depoimento no post.
Fonte: http://www.uai.com.br/