'Câncer não é sentença de morte', diz blogueira que luta contra doença
Aos 27 anos, Lívia Hernandes foi diagnosticada com câncer de mama. No blog, ela cita otimismo e bom humor como indispensáveis ao tratamento.
Por Fernanda Testa
De dicas de alimentação saudável e formas de “descomplicar” a vida às “vantagens de estar careca”. Com uma linguagem simples e muito bem humorada, a farmacêutica de Ribeirão Preto (SP), Lívia Hernandes, de 27 anos, descreve num blog a rotina de uma paciente com câncer de mama. Diagnosticada com a doença em junho deste ano, a jovem viu na internet uma forma de compartilhar os desafios de conviver com a doença e mostrar que apesar das dificuldades é possível encarar o tratamento com coragem e determinação. “Tento mostrar que o câncer não é uma sentença de morte. Meu câncer não veio como uma pedra no caminho, mas como uma ponte para eu crescer e me fortalecer”, afirma.
A descoberta da doença veio por acaso, conta a farmacêutica. “Estava tomando banho e descobri um carocinho no seio direito, do tamanho de uma uva. Achei estranho e fui mostrar para minha irmã, que mora comigo em Ribeirão. Ela e outra colega acharam estranho. Liguei para minha mãe, que mora em Franca (SP), e agendamos uma consulta com uma mastologista.”
Foram vários exames até o diagnóstico: punção de material, mamografia, ultrassom. A confirmação, no entanto, veio depois de uma biópsia. “Era dia 7 de junho. Estava em Ribeirão e pedi para minha mãe buscar o resultado com a médica em Franca. Meu telefone tocou. Quando atendi, minha mãe falou: Lívia, abre a porta do seu apartamento que eu estou aqui. Abri. Ela me abraçou, começou a chorar e não falou mais nada. Nesse dia começou minha batalha contra o câncer de mama”, diz.
O choque em receber o diagnóstico aos 27 anos – algo raro, visto que o câncer de mama é mais comum em mulheres acima de 40 anos – se agravou logo na primeira consulta no Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto: Lívia foi orientada a fazer uma mastectomia antes mesmo de iniciar o tratamento com a quimioterapia. “Na minha cabeça era só tirar o ‘caroço’ e pronto. Mas meu tumor já estava com três centímetros. Fazer a mastectomia era uma opção para evitar que o tumor voltasse. Tirei o seio inteiro”, conta.
Além da mastectomia, a farmacêutica também teve que conviver com a queda de cabelo, causada pelos medicamentos utilizados na quimioterapia. Primeiro, ela cortou bem curtas as longas madeixas. Em seguida, raspou o restante dos fios com a ajuda do namorado, Luiz Fabiano Aguiar.
Diante de tantas mudanças, ela decidiu tentar encarar a situação da melhor forma possível. “Acostumar-se com essa nova aparência é um pouco complicado. Mexe com a vaidade. Como eu não tinha como escapar disso, pensei: ou eu levava essa etapa com desespero, agonia e choro, ou compartilhando esse momento com minha família e amigos”, afirma.
O nascimento do blog
A ideia de criar um blog, segundo a farmacêutica, começou na verdade pelo Facebook, canal que Lívia decidiu usar no início para compartilhar com os amigos a evolução do tratamento contra o câncer. “Muitas pessoas souberam do meu diagnóstico e vinham me perguntar o que estava acontecendo, se eu estava doente. Até que eu resolvi escancarar de vez pelo Facebook. Frequento um grupo de jovens em Franca, e eles me entregaram um caderno com mensagens de incentivo. Achei tão bacana que postei uma foto do caderno, dizendo que ele ia seguir comigo durante a cirurgia, a quimioterapia, durante todo o tratamento do câncer de mama”, conta.
A partir desta primeira postagem, inúmeras pessoas começaram a mandar mensagens para a farmacêutica. Cada texto publicado na rede social vinha com o incentivo para que Lívia montasse um blog sobre o assunto. “A princípio eu achei bobagem, porque meu intuito era mostrar aos meus amigos como eu estava. Mas depois comecei a pensar. Eu me surpreendi comigo mesma e com a atitude que tive perante o câncer. Acredito que vou me curar, que vou sair dessa e que esse é só mais um de tantos desafios que eu já encarei. Então, por que não compartilhar isso com o maior número possível de pessoas? Decidi colocar a ideia em prática”, diz.
Intitulado “É câncer de mama, e agora?”, o blog foi lançado no dia 20 de agosto e acumula mais de 15 mil visitas. A página na internet tem rendido à paciente contato com internautas de todo o Brasil – principalmente mulheres que já tiveram ou enfrentam uma batalha contra a doença. “Todos os dias recebo mensagens. Converso com mulheres que já tiveram câncer há 10, 15 anos, e que hoje levam uma vida normal. A cada mensagem dessas pessoas que me acompanham, eu recebo um incentivo para continuar a minha luta. Ao mesmo tempo, sinto que também estou dando carinho para as pessoas que vivem a mesma situação”, diz.
Solidariedade
Tornar-se paciente com câncer fez com que Lívia se motivasse não só a compartilhar a luta contra a doença. A farmacêutica deve seguir com ações para estimular a prevenção e mostrar que há sempre uma forma de conviver com a doença sem se deixar desanimar. No dia 26 de outubro, ela fará uma “Festa do Lenço”, para arrecadar lenços e doá-los às pacientes que fazem tratamento no HC de Ribeirão. “Fiz uma festa semelhante para mim quando meu cabelo começou a cair e ganhei 74 lenços. Senti que cada lenço não vinha só como presente, mas carregado de energia, coragem e paciência para me ajudar a superar essa fase. Como eu os recebi com tanto carinho e amor, acho importante passar esse carinho para outras pessoas também”, afirma.
Lívia diz que as transformações que o câncer trouxe a sua vida vão além das mudanças no organismo. Para ela, a doença trouxe crescimento e consciência. “O câncer foi um divisor para mim. Nasceu uma nova Lívia a partir dessa descoberta. É um pouco impactante encarar todas as mudanças. Mas o meu cabelo vai crescer de novo. Meu seio, apesar da mastectomia, tem a possibilidade de ser reconstituído com silicone. É uma nova realidade a qual a gente pode se readaptar. Acredito que apesar de passar por um tratamento difícil, a cura já existe dentro de mim. Tenho só que exteriorizá-la”, diz.
E dentre os segredos para levar a vida mais leve com o câncer, Lívia diz que o fundamental é manter o bom humor. “A gente precisa dar risada nessa vida. Eu dou muita risada do câncer. Às vezes as pessoas vêm falar comigo e eu tenho que descontraí-las, porque elas ficam com medo até de me abordar. A gente tem que encarar qualquer coisa na nossa vida com humor. Sempre fiz piada com tudo. Com o câncer não seria diferente”, conclui.
Fonte G1