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Criança com síndrome de Down deixa escola após direção fazer exigências consideradas abusivas

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Colégio paulista não permitiu rematricula sem um acompanhante contratado pelos pais; MP abriu ação contra rede de ensino

por Clarissa Pains

Uma menina de 7 anos com síndrome de down foi impedida de continuar estudando em uma escola de Paulínia, no interior de São Paulo, porque a direção do colégio decidiu só aceitar a rematrícula da criança se a família arcasse com os custos da compra de material de apoio e da contratação de um acompanhante durante todo o horário de aulas. A exigência foi feita em setembro, quando o Colégio Adventista enviou para os pais da menina o contrato referente ao ano letivo de 2015, com um adendo — que apenas os alunos com alguma necessidade especial receberam. A cláusula 15 desse documento deixava claro que a criança sequer poderia entrar na escola sem o tal acompanhante, que deveria ser contratado pela família no prazo máximo de um mês. A mãe da menina, Rosângela Pimentel Galina, denunciou o caso ao Ministério Público estadual, que, no último dia 25 de junho, tornou pública uma ação civil contra a escola.

A menina de 7 anos ao lado do pai, Romualdo Galina - Arquivo pessoal
A menina de 7 anos ao lado do pai, Romualdo Galina – Arquivo pessoal

De acordo com o recém-aprovado Estatuto da Pessoa com Deficência, sancionado pela presidente Dilma Rousseff na última segunda-feira, dia 6, é proibido haver taxa extra para alunos deficientes em escolas particulares. O Ministério da Educação e Cultura (MEC), a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Código de Defesa do Consumidor também entendem que nenhum colégio pode repassar custos para os pais.

— A nossa Constituição pede que não haja obstáculos para a inclusão dos alunos com deficiência nas escolas. Quando se obriga os pais a pagarem um funcionário para acompanhar a filha, condicionando a rematrícula a isso, o colégio está criando impedimentos para que a menina continue estudando lá — afirma o promotor André Perche Lucke, que deu início ao processo na Vara da Infância e da Juventude.

Rosângela conta que a filha estudava no Adventista desde 2012 e nunca havia tido problemas com a instituição. Ela iria começar, em 2015, o 2º ano do Ensino Fundamental, quando passaria a ler e escrever textos.

— Até agora foi fácil cuidar dela, porque as atividades eram mais simples. Mas, agora, quando ela iria ser alfabetizada de fato, a escola resolveu jogar toda a responsabilidade para nós, os pais. Meu marido e eu não temos condição de contratar uma pessoa para acompanhar nossa filha durante o horário escolar, todos os dias. Teríamos que ter uma funcionária com carteira assinada. E, mesmo que tivéssemos dinheiro para isso, não conseguiríamos contratar alguém no curto prazo que a escola pedia — alega a mãe.

Ao fazer a denúncia ao Ministério Público, Rosângela decidiu que não queria mais que a filha estudasse lá. A partir daí, ela começou uma batalha para encontrar vaga em alguma instituição pública. Em fevereiro, a Secretaria municipal de Educação conseguiu alocar a menina na Escola Municipal Sol Nascente.

— Quando eu fiz a denúncia, não buscava qualquer indenização. Só quero que as próximas crianças com deficiência que venham a estudar no Adventista não tenham esse tipo de problema — diz Rosângela.

O principal argumento de defesa da escola, quando procurada pelo Ministério Público, é que, por se tratar de uma instituição de ensino privada, a cobrança não seria abusiva. O promotor Lucke, no entanto, discorda:

— A escola se esquece de que a permissão que ela tem para existir enquanto instituição de ensino está atrelada à obrigação de seguir as mesmas regras das escolas públicas. Todas as escolas têm que fornecer e custear, integralmente, funcionários e equipamentos para os alunos — alega ele.

Mesmo Problema Ocorreu em Outra Unidade de SP

Um caso idêntico ao da filha de Rosângela ocorreu em outra unidade da Rede Adventista, também durante o último período de matrículas. O colégio de Mogi Guaçu, também no estado de São Paulo, fez as mesmas exigências aos pais de uma criança com deficiência que já era aluna da educação infantil da unidade. Na ocasião, uma ação contra o colégio foi proposta pelo promotor Roberto Lino Junior, também do Ministério Público estadual, e requeria apenas que a cláusula abusiva fosse retirada do contrato daquela criança — objetivo que foi alcançado. Já a nova ação, proposta pelo promotor Lucke, exige que a Rede Adventista não possa mais fazer esse tipo de exigência em nenhum contrato futuro.

Procurado pelo GLOBO, o colégio se defendeu afirmando que a aluna não desenvolveu experiência suficiente no 1º ano do Ensino Fundamental, cursado em 2014, e que, por isso, a instituição decidiu que ela precisaria de uma atenção especial para continuar o aprendizado. A escola alega que não pode se responsabilizar por necessidades extras que os alunos venham a ter.

“No ano de 2014, o primeiro ano do Ensino Fundamental, após o ciclo básico, a aluna não reunia independência e autonomia para a prática das atividades da vida diária, o que não permitia o seu prosseguimento sem o acompanhamento de um mediador pedagógico e/ou tutor, já que estava matriculada em rede regular de ensino. Assim, pela mudança de ciclo em 2014 e aumento das exigências (…) essenciais ao prosseguimento nessa nova etapa, foi esclarecido aos seus pais e responsáveis acerca da necessidade de um mediador pedagógico e/ou tutor”, diz uma nota enviada pela Rede Adventista. “O termo de aditamento apresentado está de acordo com a legislação vigente e com o entendimento dos tribunais, no sentido de que a instituição privada de ensino regular não deve ser responsabilizada por qualquer adequação do seu quadro profissional ou instalações para aceitação da matrícula de um aluno portador de necessidades especiais, tampouco assumir o ônus decorrente de atendimentos particulares”, completa a nota.

APAE é Contra Cobranças Extras para Deficientes

Segundo a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de São Paulo, no entanto, a exigência é ilegal. A supervisora do serviço de apoio à inclusão escolar da Apae paulista, Viviane Périco, ressalta que os alunos com deficiência não podem ser diferenciados dos outros estudantes por meio de cobranças extras.

— Muitos alunos com deficiência precisam de um apoio especial, sim, mas as escolas devem dar esse apoio no contraturno das aulas, como prevê a legislação. O que ocorre é que muitos pais chegam à escola já fragilizados e aceitam esse tipo de acordo só porque têm dificuldade de encontrar outro colégio que ao menos aceite seus filhos com deficiência. Obviamente, isso também é ilegal, mas muitas escolas simplesmente não matriculam crianças deficientes — lamenta ela.

Viviane destaca, ainda, que o melhor ambiente para o aluno aprender é aquele em que há o máximo de diversidade possível. Por isso, em uma escola onde estudam crianças com e sem deficiência, o ganho é para ambos os lados.

— Algumas pessoas, especialmente de colégios particulares, pensam que os alunos com deficiência atrapalham o desenvolvimento da turma inteira, mas isso não é verdade. Em uma sala de aula comum, nós já encontramos alguns que aprendem com mais facilidade, enquanto outros demoram muito mais — diz ela. — O sistema educacional ainda precisa de ajustes para que possa abarcar todos os alunos, com as mais variadas necessidades. Mas acredito que isso vá se resolver com o tempo.

Fonte: O Globo

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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