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Deficiência: reaprendendo a viver – Parte 1

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Pessoas que ficaram deficientes já adultas contam como venceram as dificuldades físicas e emocionais e retomaram suas vidas

Simone Cristina Cardoso Negreiros, de 43 anos, tinha 22 quando ficou paraplégica em decorrência de um tiro. Também com essa idade, Rogério Régis Bittencourt dos Santos, de 33 anos, perdeu a visão devido a complicações da diabete. A mesma doença causou, há um ano, a amputação da perna esquerda de Antônio Gomes Nogueira Neto, de 63 anos. Há cinco anos, José dos Santos, de 56 anos, foi atropelado por um ônibus e perdeu a perna esquerda. Para todos eles, a primeira sensação foi de “morte”, de “perder o chão”, como descrevem. Mas, com apoio de parentes, amigos e profissionais de saúde, eles conseguiram vencer os obstáculos, físicos e emocionais, em um difícil, porém, possível, recomeço.

De acordo com o censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em torno de 15% dos moradores de Campinas (147 mil pessoas) convivem com alguma deficiência. O dado não especifica o percentual de casos congênitos e adquiridos. Em São Paulo, a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência estima que são 5 milhões de pessoas. Milhões de brasileiros adquirem alguma deficiência ao longo da vida, seja em decorrência de alguma patologia ou de acidentes variados. E reaprender a viver com a nova realidade não é tarefa simples.

“O primeiro passo é vivenciar o luto”, diz a neurologista e coordenadora do Programa Municipal de Reabilitação, Maria Luiza Brollo. “A partir daí, a pessoa tem que perceber os dois caminhos que tem à frente: da recuperação, quando possível, ou da adaptação com a função perdida”, explica.

Simone levou um tiro do ex-marido, que não aceitou a separação, e conta que foram três dias para decidir que queria continuar vivendo. “Foi como se o chão se abrisse e eu caísse num buraco sem fim. Durante três dias, me perguntei: fico na cama me remoendo ou ergo a cabeça e sigo em frente? E resolvi pela segunda opção.”

Foram 51 dias internada no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde aprendeu a usar a cadeira de rodas. “No hospital foi fácil, você tem todo apoio. Quando sai para o mundo é que a coisa pega”, diz, citando que a principal dificuldade que enfrenta até hoje são as barreiras arquitetônicas. “Mas, hoje, convivo com a cadeira com toda naturalidade, cuido da casa, cozinho, faço compras, tenho uma vida bem ativa”, diz.

Logo depois de sair do hospital, Simone começou a jogar handebol, na própria Unicamp. “Recuperei a autoestima, me casei, aprendi a lidar com computador, arrumei um emprego, comecei uma faculdade (está no 2º ano de relações públicas), jogo tênis. Estou feliz. Dei um giro de 360 graus na minha vida”, afirma. “Quando você põe na cabeça que consegue, as pessoas param de te olhar com dó.”

Mudança de foco
Para Rogério Bittencourt também não foi fácil. Ele era fotógrafo e, ao perder a visão, teve que repensar e recomeçar também a vida profissional. “Foi uma mudança radical. Mas sou teimoso. Passei uma noite inteira disparando a máquina, depois nunca mais a usei”, conta.

Aprender a usar o computador como instrumento de apoio foi só o primeiro desafio. Para prestar vestibular para a faculdade de letras, em Bragança Paulista, teve que entrar com ação judicial porque o estabelecimento não estava preparado para receber deficientes. “Consegui passar, mas tive que abandonar o curso porque estava desempregado e não tinha como pagar”, diz.

Ele também precisou brigar judicialmente para assumir o cargo do primeiro concurso que prestou, para a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Prestou depois um segundo concurso, para a Prefeitura de Bragança Paulista, e conseguiu o emprego. Sem se acomodar, participou de um terceiro concurso, do Ministério Público (MP), onde trabalha há oito anos.

Nesta maratona, descobriu sua verdadeira vocação e foi fazer Direito. “Depois de tantos processos judiciais que enfrentei, pensei: ‘Quero ser como esses caras e ajudar as pessoas’.” A faculdade foi concluída e Bittencourt agora tenta passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para exercer a profissão. A única barreira que não superou foi a leitura em braile. “Consigo ler marcas, cor de roupas, CDs, mas não leio fluentemente. Supro essa carência com um software que lê os livros no computador.”

SAIBA MAIS
Deficiência | Número de pessoas
Visual | 64.251
Mental | 15.035
Física | 5.479
Auditiva | 26.363
Motora adquirida ao longo da vida | 35.889
Total | 147.017

Fonte: Censo IBGE – 2000

A superação de obstáculos conquistada passo a passo
O apoio da esposa, Maria Valéria, foi fundamental para a superação de Antônio Nogueira Neto, de 63 anos, quando precisou amputar a perna esquerda devido a uma complicação da diabete, há um ano. “Pensei que ia morrer. A sensação foi de que a minha vida tinha acabado. Mas, com a ajuda dela e do pessoal do Centro de Reabilitação, comecei a me recuperar”, afirma.

O primeiro passo foi a fisioterapia e, depois, a prótese. “Graças a Deus estou andando novamente. Uso a muleta apenas como apoio e, às vezes, ando só com a ajuda da bengala”, comemora. “Consegui reagir e não entrar em depressão. No início, nada tinha graça. Depois, fui percebendo a importância de estar vivo. Também tenho muitos amigos e isso é importante”, afirma. Sua casa, diz, acabou se tornando um espécie de clube, sempre cheia de gente. José dos Santos, de 56 anos, foi atropelado por um ônibus em abril de 2005. Apesar de várias cirurgias os médicos não conseguiram recuperar sua perna esquerda, que precisou ser amputada quase que totalmente. “Fiquei com 11 centímetros de coto apenas”, diz ele.

Assim como Nogueira Neto, também precisou de um período para se adaptar à nova condição. “Achava que não sobreviveria, e depois que nunca mais andaria. Mas devagar fui me recuperando a aprendendo a conviver, primeiro com a cadeira de rodas, depois com as muletas e, agora, com a perna mecânica”, conta Santos. Ele ainda precisa do apoio de um muleta canadense (que se encaixa no braço), mas consegue caminhar sem ela. “Foi difícil o processo de reaprender a andar. Caí três vezes no banheiro e duas na rua, mas estou cada vez melhor”, afirma. “Recuperei a vida e a alegria.” Sua recuperação foi tão boa, que hoje ele atua como voluntário no Centro de Reabilitação, ajudando outras pessoas a redescobrir o prazer de viver, apesar das dificuldades ou deficiência.

Fonte: Correio Popular de Campinas (01/08/2010)

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

Um comentário sobre “Deficiência: reaprendendo a viver – Parte 1

  • Oi, Verinha!

    Que bom que voltou. Já estava com saudades. Como foram as férias? Divertiu-se muito? Espero que tenha sido maravilhosas.

    Um beijo, amiga.
    Socorro Melo

    Resposta

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