Deficiente visual na BA defende tese de doutorado em instituição Federal
Trabalho discute a acessibilidade de cegos à educação musical. Ele poderá se tornar o primeiro doutor cego formado pela Ufba.
Com uma bolada nos olhos, em 1986, o então garoto Marcus Welby, de 12 anos, sofreu um deslocamento de retina que provocou uma cegueira total e irreversível. Vinte e oito anos após ao acidente, hoje com 40 anos, ele mostra que perdeu a capacidade de enxergar, mas não a visão de futuro.
Na tarde da última sexta-feira (7), Welby pode se tornar o primeiro doutor com deficiência visual formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Com tese que discute a acessibilidade de cegos à educação musical, o atual professor apresenta o trabalho de pesquisa na Faculdade de Educação da Ufba (Faced), em Salvador, desde às 14 horas [horário da Bahia].
Formado em musicoterapia pela Universidade Católica do Salvador (Ucsal), em 1998, diplomado especialista em fonoaudiologia pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2001, e intitulado mestre em educação musical pela Ufba em 2007, Marcus Welby relata que as conquistas podem ser creditadas a uma inspiração de infância: um violão.
Quando perdeu a visão e pensou que nunca mais voltaria a estudar, um primo lhe ofereceu o instrumento musical em troca da garantia de que não largaria os estudos. “Você sabe como se comporta uma criança quando sabe que pode ganhar um presente. Fiquei louco”, lembra aos risos. Desde então, a música foi a companhia inseparável de Welby durante a trajetória acadêmica. “O violão foi o meu grande incentivador e companheiro”, completa.
As conquistas não fizeram o futuro doutor esquecer das dificuldades que enfrentou por conta da deficiência. Ele lembra que aos 19 anos, quando começou a buscar uma carreira profissional, uma diretora de instuição pública lhe recusou uma vaga de trabalho ao dizer que ele era ‘excepcional’. “Eu não me dei por vencido e fui buscar a instância maior, o diretor do órgão. Ele acatou o meu pedido e me deu a vaga, que foi a minha primeira ocupação profissional”, lembra.
Na trajetória acadêmica, ele também destaca a importância da dedicação. “Eu precisei driblar todas as dificuldades. Por exemplo, eu compro um computador na loja e eu não posso usar na mesma hora. Eu preciso ir atrás de pessoas para instalar um programa necessário para leitura. É como um livro. Eu saio da loja e cheiro o livro, mas só fica no cheiro, porque eu não vou poder chegar em casa e folhear. Eu vou ter que pedir para alguém escanear, passar para o computador e do computador ler”, relata.
Nos quatros anos de pesquisas para a elaboração da tese de doutorado, Welby conta que a universidade disponibilizou três bolsistas para lhe ajudar nos trabalhos, além de computadores com os programas necessários e espaços de pesquisa.
Família e Música
O amor pela música levou o futuro doutor a lançar dois cd’s com composições autorais, sendo que o segundo foi apresentado em shows em Salvador, Natal (RN) e Recife (PE). Por conta talento musical, Welby foi lembrado no livro “Arte – Um Olhar Muito Especial” como um dos 20 brasileiros cegos que mais se destacam na arte no país.
Leci Melo, mãe de Welby, lembra que sempre esteve ao lado do filho. “Procurei dar conselho e o apoiei em relação à música. Com muita fé em Deus, ele vai realizar mais esse sonho. Ele é vitorioso e batalhador. Ele não para com nada: faça chuva ou faça sol”, disse.
Além da mãe, a esposa do músico, que também é cega, ressalta a perseverança do homem que é seu companheiro há três anos. “Só quem está com ele do lado sabe quantas madrugadas eu acordava e não encontrava com ele na cama. Ele estava escrevendo”, lembra Franciene Santos.
Em uma das suas músicas autoriais, chamada ‘Não é um sonho’, Welby traduz os sentimentos que o levaram tão longe. “A vida só vale para quem quer vencer. Pra quem se dá chance de poder crescer. A gente só precisa acreditar, pois o dom da vida é nos fazer conquistar. A vida é bela pra quem sabe nela viver e sonhar. As coisas da vida têm sempre uma saída pra gente chegar. É tão somente a gente acreditar”, canta o músico que já pensa no pós-doutorado.
Fonte: Henrique Mendes, G1