Depoimento de uma modelo com deficiência visual sobre o 3º Concurso de Moda Inclusiva
Caro leitor,
Veja abaixo o depoimento da modelo com deficiência visual Karoll Sales, a respeito do 3º Concurso de Moda Inclusiva promovido pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Antes de tudo e de mais nada, venho falar do meu absoluto respeito a todos os envolvidos na organização e realização do 3º Concurso de Moda Inclusiva, realizado no auditório do Museu Casa Brasileira, na noite de 20/09/2011. Um trabalho como este, exige muito de todos que se lançam a dedicar parte de sua existência nele.
Desejo que o leitor receba as minhas palavras da maneira menos antipática e mais profissional possível. Mais do que falar de moda, abordarei agora as questões de acessibilidade oferecidas para as modelos com deficiência visual.
Indo direto ao assunto e ao contrário do que se pensa, o piso tátil direcional não foi feito para que a pessoa cega caminhe sobre ele, e sim para que a bengala percorra sua extensão. Meus olhos não viram, mas meus pés e a minha bengala sentiram a proposta dos pisos táteis instalados naquele local: refiro-me tanto ao piso de alerta quanto ao direcional.
Tentando trocar em miúdos, o piso direcional foi colocado como uma mini passarela, que tinha seu início e fim marcados por um piso de alerta, que sinalizava tão somente a largura do piso direcional, como se as modelos cegas fossem caminhar sobre ele.
Mas que piso é esse? Alerta, direcional? Qual a diferença entre eles e qual a finalidade de cada um? É justamente aí que eu quero chegar. O piso direcional, como o próprio nome diz, propõe-se a indicar a direção para a qual a pessoa que não enxerga deve seguir. Já o piso de alerta tem a função de indicar situações de perigo, bem como início e término de um determinado trajeto.
Se eu tivesse que fazer uma audiodescrição dos pisos táteis adaptados no desfile de moda inclusiva, diria que o piso direcional era largo bem mais do que o necessário e comprido tanto quanto deveria ser. Já o piso de alerta era bem mais estreito do que o necessário e de tão fácil percepção como deveria ser.
Acontece que eu fui uma das modelos cegas, estive lá, e ouvi comentários desde “tadinha, uma pessoa cega se perde na passarela…”, até “mas como é que ela se perde se o piso está ali”? E eu diria que nem “tadinha” e nem “perdida”. É fato que se questionarmos 100 homens e mulheres cegas a respeito da eficácia do piso tátil, a maioria esmagadora dirá que não gosta de utilizar, mas neste caso em questão, o fato não é nem gostar ou não gostar: trata-se da aplicabilidade correta ou incorreta do tão famoso recurso de acessibilidade, abordado com freqüência na NBR9050 de 2004.
Em linhas gerais, tomo a ousadia de dizer que um piso tátil colocado de maneira inadequada é capaz de prejudicar uma pessoa cega mais do que se ele não estivesse lá. Sim, porque ele teria que ser fininho para indicar a direção através da bengala e alertar de maneira mais extensa, para que as modelos soubessem exatamente onde parar.
Agora, mudando de assunto e continuando no mesmo, a localização por parte das modelos cegas na passarela não seria muito mais fluente se elas pudessem, assim como o público cego da platéia, contar com o recurso de audiodescrição? Há quem diga que sim, há quem diga que não. E é justamente pela necessidade do respeito à diversidade humana que nós, modelos cegas, deveríamos ter tido a chance de optar.
De cegas éramos quatro na passarela: duas com bengala, uma com guia vidente e a outra com seu cão-guia. Acredito que o meu relato, tanto pessoal quanto técnico, retrate mais a realidade das duas que utilizaram bengala, eu e mais uma. Contudo, não tenho a menor intenção de fazer uma crítica apenas para criticar, senão de colocar-me à disposição para contribuir com a acessibilidade adequada para situações e eventos futuros. As minhas palavras são e vão além de proferidas por uma usuária de bengala, pisos táteis e recurso de audiodescrição, mas também de uma pessoa cega que contou com profissionais extremamente qualificados que ministraram o curso de pós-graduação em Acessibilidade, com duração de 12 meses, em uma universidade de São Paulo, onde um dos temas mais discutidos era justamente a aplicação e utilização dos pisos táteis. Profissionais estes, que tem a NBR9050 como bíblia da Acessibilidade e que lutam para que esta norma se aperfeiçoe a cada dia, de acordo com as necessidades das pessoas com todos os tipos de deficiência e mobilidade reduzida existentes no Brasil.
Por fim, vale a pena criticar, desde que seja para somar, agregar valor, promover, neste caso, a inclusão de fato e de direito. Vamos construir juntos, com qualidade e bom senso? Se for assim, e só assim, estou por aqui, cada dia mais disposta a seguir.
Twitter: www.twitter.com/karollinesales
Imagens: Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Gostei do depoimento da Karoll. Que certamente em breve vai fazer parte do casting da agência.
Concordo com o texto, a critica tem que aparecer na intenção de somar. Parabéns Karoll por compartilhar seus conhecimentos tecnicos.
Penso que qualquer tipo de evento as pessoas envolvidas, nesse caso pessoas com deficiência visual, devem ser obrigatoriamente consultadas, suas experiências devem ser consideradas, a fim de evitar problemas como esse relatado pela Karoll.
Infelizmente as pessoas as vezes acabam errando na tentativa de acertar e com certeza se houvesse tido uma consulta com as modelos cegas que utilizariam os pisos, esse problema não haveria. Parabéns Karoll pelo depoimento e por estar disposta a contribuir para a melhoria da acessibilidade!
Nós somos Pedagogas e apoiamos a inclusão, achamos muito interessante este artigo e damos nosso parabéns!!!
Por ser um evento da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, não ter conhecimento das normas é uma verdadeira vergonha. Se eles não sabem imagine as empresas que precisam estar dentro da lei. Só espero que esses procurem as devidas orientações fora da secretaria e consulte quem realmente sabe sobre o assunto.
Já gostei da Karol, ela é das minhas , enfim as pessoas não perguntam para quem entende do assunto , elas simplesmente vão fazendo o que elas acham que sabem ou acham que vai ser um estouro , não é porque trabalham em uma secretária da pessoa com deficiência que entendem , porque não contratam as pessoas capacitadas e com a deficiência para assessorar e realizar o evento , desde da montagem , até a escolha das estilistas e para terminar a seleção das modelos , pois esses tipos de eventos assim , são apenas para aparecer, pois nunca vi uma grife ou alguém realmente realizar uma linha de roupas no seguimento que se é pedido para participar do concurso .
É preciso rever os profissionais que trabalham com intuíto de realizar algo de concreto para as pessoas com deficiência , se realmente elas querem fazer e desejam que aconteça , ou apenas fazer por fazer .
E que as pessoas com deficiência se exponham mais , para brigar pelos seus direitos e não admitirem mais serem coitadinhos para estarem em um lugar ondem não as valorizem como PROFISSIONAIS e só as solicitem para essas atividades , que nem certo as vezes fazem.
Me desculpem se fui sincera demais .
Mas é preciso ter bons profissionais em todas as áreas , e não apenas pessoas ocupando cadeiras .
Não acho que necessariamente precise de uma pessoa com deficiência para tratar de assuntos da causa. O que precisa são pessoas de bom senso que podem ser com ou sem deficiência.
Bom dia, Flor! Gostei do seu nickname e gosto da sua participação, mas seria bem melhor se conhecesse seu nome, como de todos aqui.
Em qualquer empresa bem conceituada, os funcionários são ouvidos, manifestam sua criatividade e empenham-se em registrar ideias. Tudo isso ocorre porque eles são valorizados e incentivados a participar na busca de soluções criativas e melhorar a gestão da empresa. Esse é o trabalho em equipe. Uma equipe trabalhando tem muito mais chance de que o projeto em questão dê certo. Ainda continuo acreditando que em relação ao desfile inclusivo ou outros eventos, as ideias, experiências e opiniões de pessoas com deficiência são fundamentais para o sucesso de determinado projeto.
O bom senso começa ao fazer um trabalho desse tipo.
Abraços,
Meu nome é Valeria.
Fico feliz de ver que eu consegui me expressar sem parecer querer derramar a crítica pela crítica. Conheço muitos dos envolvidos na realização deste evento e, de fato, eu os admiro e respeito. São pessoas que realmente apoiam a inclusão, e é justamente por isso que devemos apontar e corrigir esses detalhes que fazem toda a diferença.
Twitter: http://www.twitter.com/karollinesales
Mais uma vez tendo a oportunidade de poder admirar minha querida e amiga karol, em sua infinita sabedoria e inteligência. Amei a maneira como você faz a critica sem ofender, ou seja criticas construtivas..só tem a contribuir para melhorias…bjkas grandes!!!
Gostei muito do seu depoimento, Karoll parabéns.
Também sou deficiente visual e queremos um Brasil justo.
Karoll , quero parabenizá-la pelo seu depoimento, a maneira construtiva como colocou suas críticas , e por não ter deixado de falar . Sou mãe de uma garotinha de 9 anos , com deficiencia visual, e estou-a educando para que saiba apropriar-se do seu espaço como cidadã na sociedade . Vemos muitos avanços, sobretudo os proporcionado pela tecnologia , porém ainda é muito grande a desinformação e tento lhe explicar isso , que muitas vezes vai caber a ela a tarefa de dizer as pessoas que não há nada de “tadinho” em se ter uma deficiência , e que se algúém de fato quer fazer alguma coisa por essas pessoas, que lute por acessbilidade , para que todas as pessoas possam ter oportunidades de usufruir do que a sociedade oferece . Há recursos para isso, é necessário que se tenha informação e bom senso para colocá-los em prática, como você acabou de nos demonstrar com seu artigo .
E só estou escrevendo mesmo para lhe dizer que pessoas como você , que tem essa maneira de ver as coisas , estão contribuindo para que a nossa sociedade avance e esteja melhor preparada para todas as pessoas com deficiência, se mais pessoas fizessem isso, certamente hoje já estaríamos em um lugar mais acessivel e informado . Um beijo e parabéns pelo seu trabalho ! Rosangela Gera