Depoimento: João Carlos Pecci
Irmão do compositor e cantor Toquinho, João Carlos Pecci sofreu um acidente de carro na Via Dutra em 1968, perdeu o controle de seu Fusca, perto de Aparecida do Norte, quando estava de férias e se dirigia para o Rio de Janeiro. Na época trabalhava como economista. Com o impacto da batida sofreu fratura na sexta vértebra cervical ficando paraplégico.
Depois de muita angústia, de ficar internado e fazer a reabilitação, hoje consegue andar com ajuda de suas bengalas canadenses e dirigir seu Monza adaptado pela Cavenaghi.
Para melhorar os movimentos da mão, começou a pintar quadros, e diz que foi uma terapia que virou profissão. Assim se concretizou mais uma etapa na trajetória de um homem, que encontrou na paraplegia a porta que abriu o caminho para a pintura e que fez crescer seu lado humano, sua sensibilidade e a percepção pela beleza das coisas e das pessoas. Expôs seus trabalhos durante 6 anos na Praça da República, em galerias importantes da cidade de São Paulo e também em clubes e salões.
Pecci escreveu sete livros, são eles:
“Minha Profissão é Andar” (1980 – Editora Summus), uma verdadeira cartilha de reintegração, que tem ajudado diversos deficientes físicos a reorganizarem suas vidas, segue um trecho de suas reflexões: “Meu andar não faz pegadas no chão, mas deixa marcas nas alturas do buscar, do aprender, do realizar. Meu andar agora é renascer aquisições da existência; acrescentar-me; evoluir.”;
“Existência” (1984 – Editora Summus), coletânea de crônicas e poesias que falam da vida e de seus personagens;
“O Ramo de Hortênsias” (1987), um romance de uma garota de 15 anos que se apaixona por um homem de 40, jardineiro de sua própria casa;
“Vinicius Sem Ponto Final” (1994 – Editora Saraiva), remontagem do cotidiano do poeta Vinicius de Moraes;
“Cyngela e o Peixe Cor de Sol” (1985-Ibep), um conto infanto-juvenil;
“Toquinho 30 anos de Música” (1996 – Editora Maltese), um relato da carreira do violonista e compositor;
“Velejando a Vida” (1998 – Editora Saraiva) que conta a história do nascimento de sua filha Marina.
Esta história foi partilhada com Márcia Pecci, com quem é casado há 16 anos. Eles sabiam das dificuldades que iriam encontrar por causa de sua deficiência. Parceira, companheira, coadjuvante, cúmplice, seja qual for a denominação que indique a participação de uma mulher ao lado de um homem, Márcia foi adentrando no seu mundo com majestade e sutileza. Abastecidos de amor, sempre confiaram mutuamente, pactuando intenções que iam muito além do simples viver e que transcendiam o próprio ritmo da existência.
Caminhando juntos e movidos por uma obstinação, conseguiram enfrentar os mistérios da Natureza e realizaram o grande sonho de gerar um filho por meio da auto-inseminação, nascendo Mariana, “sua grande paixão, um grande presente”, se emociona Pecci.
Isso ocorreu graças ao médico urologista Milton Borrelli, que fez várias pesquisas com o método de vibroejaculação, que é a utilização de um vibrador de ponta cônica na cabeça do pênis, como se fosse uma masturbação técnica. Essa estimulação ativa todo um sistema neurológico que chega até o centro da medula, a responsável pela ejaculação.
Em seu livro “Velejando a Vida”, Pecci conta: “Para muitas pessoas, a paraplegia fecha as portas para a vida. No meu caso aconteceu o contrário, abriu as portas que fizeram crescer meu lado humano e sensível. Persistente e determinado, sempre procurei ultrapassar os limites que a paraplegia impõe. Consegui vencer um dos maiores obstáculos e realizar meu grande sonho de ser pai. No mundo são poucos os homens, que sendo portadores de lesão medular, conseguem gerar um filho por meio da auto-inseminação, eu sou um desses homens. Esse livro é a comprovação de que a deficiência física se dilui na magnitude do comum, na liberdade do exercício da vida na vontade de vencer”.
“Velejar a vida é simplificar compensações. Visualizar várias estradas para um mesmo objetivo, e escolher uma, com decisão, mesmo que tenha sobrado a mais sinuosa. Apesar de serem poucos, não sou só eu a velejar assim”, diz Pecci.
Pecci conta que sua casa foi toda projetada e adaptada, com a ajuda do irmão Toquinho. “Viver a vida é acreditar e enfrentar até as barreiras arquitetônicas. Alguém sempre vai te ajudar e estar presente nos lugares é muito importante para mudar a mentalidade das pessoas”.
Fonte: Revista Sentidos
Gostei mt da página. Fui professor e, aí pela década de 1990, passei pros meus alunos do Ensino Médio, a leitura de “Minha profissão é andar”. Com isso, a escola promoveu a presença, em Rio Preto, do autor. Para os alunos, foi um excelente evento, seja pela fala do autor, seja por estarem na presença de um grande lutador e um vencedor. Hoje, com 80 anos e aposentado, gosto de me lembrar desses bons momentos.