Namoro

Devotees e crimes sexuais contra deficientes físicos

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Imagem do filme “Encaixotando Helena”

O artigo abaixo foi extraído do site Jus Brasil.

Por Sara Próton

RESUMO: O presente artigo visa a, por meio da literatura existente, do cinema e da pesquisa de campo, suscitar a reflexão sobre o impacto da ausência de discussões e esclarecimentos sobre a sexualidade do deficiente físico nas relações devotees e a incapacidade de opor resistência, no contexto dos crimes sexuais que envolvem os mesmos. Cabe a cada cidadão exigir o cumprimento das leis, bem como a concretização de seus direitos, e ao Estado, zelar pelo efetivo direito de viver, e viver com dignidade e respeito. Faz-se mister ressaltar que pessoas com deficiência física também figuram no polo passivo de agressões sexuais, e estas poderiam ser evitadas caso o Estado e as famílias não se omitissem diante da sexualidade dos mesmos.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de trazer reflexões sobre os direitos sexuais dos deficientes físicos, sob a seara dos direitos humanos e as consequências da atual ausência estatal no cenário atual. Precípuo se faz um debate jurídico e multidisciplinar sobre a sexualidade das pessoas com deficiência. No início da civilização, com a ausência da evolução moral e mental do homem, sua libido era satisfeita por meio de uma brutalidade quase animalesca, isenta de limites. Aos poucos a humanidade ascendeu sua perspicácia, bem como a moral e princípios aplicados ao indivíduo e à coletividade. Surgiu assim a transformação de um comportamento sexual quase animal, para um comportamento baseado no afeto.

Emergiram diversos mitos ao longo da história no que diz respeito a sexualidade do deficiente, colocando-os à margem das discussões e negando-lhes os direitos e garantias da sua liberdade sexual. Entretanto, assim como qualquer ser humano, o deficiente físico também tem desejos sexuais.

A sexualidade deveria ser discutida de modo natural, afinal todo ser humano tem direito a ela, porém, a negação desta por parte da família, das instituições de ensino e pelo próprio Estado colocam em risco a vida emocional e física das pessoas deficientes, pois se veem obrigados a trilhar por caminhos obscuros, desconhecidos e sem qualquer segurança ou modo de repressão as possíveis violências ocorridas.

No Brasil poucas são as discussões concernentes ao tema, o que na prática significa um verdadeiro apartheid, invisível aos olhos dos que estão de longe; entretanto, os abusos sexuais, estupros, perversões, explorações, prostituição, exclusão, preconceito, dor, agressão e impunidade são vivenciados dia após dia.

Analisar as consequências da ausência do Estado diante da sexualidade do deficiente físico permite adentrar na esfera das parafilias, especificamente o devoteísmo e suas consequências. O devoteísmo, em si, é perfeitamente aceitável assim como qualquer outra parafilia que não atinja outra pessoa incapaz de consentimento, entretanto, no mundo dos devotees, encontram-se também indivíduos sem princípios, e estes que causam preocupação e sofrimento.

Os deficientes físicos possuem para sua defesa, no ordenamento jurídico brasileiro, apenas o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que, embora seja específico a tais indivíduos, não aborda as práticas sexuais criminosas incididas contra eles. Tal ausência de um recorte específico, que verse sobre as peculiaridades que envolve a deficiência física, proporciona um tolhimento do exercício livre, pleno e consciente da sexualidade dos mesmos, uma vez que reflete a falta de segurança jurídica.

O constrangimento de sofrer algum abuso sexual, interligado a sua condição física que não deveria ser um separador social, conjuntamente a falta de preparo do Estado em recepcionar tais indivíduos, prejudica denúncias, o que consequentemente impede a prevenção de tais atos

criminosos. Meio ao século XXI, vive-se ainda a marginalização e obscuridade da sexualidade dos deficientes físicos. Essa obscuridade proporciona a formação de perversos, que praticam todos os tipos de atos levianos com a certeza da impunidade, uma vez que não existe lei que puna exclusivamente tais crimes, nem debates a respeito.

1 DIRETOS SEXUAIS

Podemos afirmar que a tarefa de dominar um instinto tão poderoso quanto o instinto sexual, por outro meio que não a sua satisfação, é de tal monta que consome todas as forças do indivíduo. O domínio do instinto pela sublimação, defletindo as forças instituais sexuais do seu objetivo sexual para fins culturais mais elevados, só pode ser efetuado por uma minoria, e mesmo assim de forma intermitente, sendo mais difícil no período ardente e vigoroso da juventude. Os demais, tornam-se em grande maioria neuróticos, ou sofrem alguma espécie de prejuízo. A experiência demonstra que a maior parte dos indivíduos que constituem a nossa sociedade não possuem a constituição necessária para enfrentar com êxito a tarefa da abstinência. Os que teriam já adoecido sob restrições sexuais mais brandas, adoecem ainda mais rapidamente e com maior gravidade ante as exigências de nossa moral sexual cultural contemporânea. A meu ver, a satisfação sexual é a melhor proteção contra a ameaça que as disposições inatas anormais ou distúrbios do desenvolvimento constituem para uma vida sexual normal. (FREUD, 1977, p. 198)

Existe uma complexidade no tema, pois a sexualidade em geral sofre estigmas, e a sexualidade do deficiente físico, além dos estigmas corriqueiros, passa por diversas formas de preconceito.

Socialmente existe um tabu, falsas ideias de que deficientes físicos não têm desejos sexuais, não obtêm prazer, logo são proibidos de fazê-lo, recebendo o status de assexuados. Engano da maioria da população, pois a limitação do corpo não anula a capacidade de sentir o prazer.

Deficiência física não torna o indivíduo desprovido de sexualidade, pelo contrário, torna-a mais aflorada à medida em que se aceita a própria deficiência e se aumenta a sua autoestima. Esse afloramento, que é reprimido e a falta de informações e ações preventivas, fazem desse público um alvo para abusos e crimes sexuais.

A Declaração dos Direitos Sexuais, aprovada em 1999 durante o XV Congresso Mundial de Sexologia, estabelece que toda pessoa humana tem: “ direito à liberdade sexual, direito à autonomia sexual, direito à privacidade sexual, direito à igualdade sexual, direito ao prazer sexual, direito à expressão sexual, direito às livres escolhas reprodutivas livres e responsáveis, direito à informação baseada no conhecimento cientifico, direito à educação sexual compreensiva e direito à saúde sexual.” (WAS, 2014)

Pedagogicamente tal declaração é belíssima e evidencia que todos são sujeitos de direitos. Todavia, os direitos sexuais, na prática, são negligenciados aos deficientes físicos e a capacitação dos profissionais da saúde ainda é aquém para atender dignamente estes indivíduos, tornando-os invisíveis em sua maioria.

O Ministério da Saúde conjuntamente a Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, após a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), elaboraram algumas diretrizes concernentes aos direitos sexuais e reprodutivos do deficiente, porém, com pouca publicidade e divulgação, e uma parcela mínima do país sabe algo a respeito.

A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) tem por base a Declaração Universal dos Direitos Humanos e possui status de emenda constitucional, sendo responsável por guiar as políticas públicas tanto em âmbito nacional como internacional. Embora a Declaração dos Direitos Sexuais seja da década de 90, e a Convenção tenha sido ratificada pelo Brasil em 2008, esses direitos são novidades para as políticas públicas, o que ressalta ainda mais a necessidade de diálogos sobre o tema e uma verdadeira e transdisciplinar acessibilidade à informação, à saúde, e à segurança sexual.

Erroneamente acredita-se que pessoas com deficiência física são poupadas de crimes sexuais, porém, além de ser uma inverdade, essa fantasia tem como consequência a ausência de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, HIV e até mesmo cuidados básicos como mesa de exame ginecológico aptas a receberem mulheres cadeirantes, ou cuidados específicos ao público homossexual e suas variantes.

Há a noção equivocada de que estes indivíduos não são sexualmente ativos, não fazem uso de drogas ilícitas ou álcool, e que são menos suscetíveis à violência sexual e ao estupro do que pessoas não portadoras de deficiência. No entanto, as poucas pesquisas existentes indicam que, na realidade, elas se encontram em situação de maior vulnerabilidade para todos os fatores de infecção pelo HIV/Aids (GROCE, 2004, p. 2)

Conforme o Censo do IBGE de 2000, um terço das pessoas com deficiência no país não completaram o ensino médio e 90% está fora do mercado de trabalho. Embora nessa pesquisa não tenha apenas deficientes físicos, o número permanece elevado, e baseado nessa estatística pode-se entender um dos motivos que levam alguns deficientes físicos a se prostituírem, o que eleva o risco de doenças sexualmente transmissíveis, assim como diversas formas de violência sexual pela ausência de orientações e diálogos plausíveis.

2 BREVE APONTAMENTO HISTÓRICO ACERCA DA DEFICIÊNCIA FÍSICA

A compreensão do tratamento imputado ao deficiente físico tem por base um extenso período fatalista, ou seja, que o indivíduo nascia ou adquiria a deficiência simplesmente por existir. Independente da cultura ou da época, o que se percebe é a marginalização e depreciação do mesmo.

Desde a pré-história existem relatos de infanticídio (hoje considerado crime, Art. 123 Código Penal de 1940), passando pela Grécia, que cultuava o corpo perfeito, Roma e Índia. Em outras culturas, os pais abertamente deixavam os filhos com deficiência física para adoção, e os que sobreviviam, tornavam-se atrações de circo.

Datam do século V as crenças de que a causa das deficiências seria a ausência de luz divina, ou seja, espíritos, o que trouxe aos indivíduos o caráter diabólico, de poderes malignos e sobrenaturais. Na Pérsia, bem como na religião judaico-cristã o caráter demonológico da deficiência se propagou.

O livro Malleus Maleficarum, 1487, dos autores e monges Sprenger e Kraemer, conhecido como o “martelo das bruxas ou o martelo das feiticeiras”, foi um manual utilizado para justificar a brutalidade da queima de bruxas, e entre as bruxas, estavam os deficientes físicos, pois os demônios e espíritos maléficos apoderaram do seu corpo e alma, o que, segundo os autores, teria causado tal deficiência.

Embora em 2016 não se queimem mais os deficientes físicos, as formas de marginalidade e segregação persistem, tanto pelo falso conceito de incapacidade, quanto pelo preconceito. Mudaram-se os “apelidos”, de “endemoniados” para sexualmente incapazes.

3.1 A superproteção da família versus os desafios sexuais
O enredo da vida humana propícia a mudança de paradigma, e não seria diferente quanto ao tratamento dado à deficiência física. O tabu sobre a espiritualidade, bruxaria e maus espíritos foi superado, e o século XX ostentou progressos relevantes aos cidadãos com deficiência, por exemplo, as bengalas e cadeiras de roda.

Os direitos humanos, a Organização das Nações Unidas, a Constituição Federativa do Brasil de 1988 permitiram a agregação dessas minorias na sociedade brasileira, entretanto, até os dias de hoje tem predominado o caráter assistencial.

O assistencialismo não vem só pelo Estado, mas pela família que continua vendo o seu ente como um incapaz, não em sua totalidade, mas no âmbito da sexualidade. Os pais e os parentes próximos criam um tabu gigantesco, que sequer mencionam a palavra sexo ou relacionamento perto do deficiente físico.

Ignorar uma área tão importante da vida não a impede de florescer. Os seres humanos têm pulsões, e segundo Freud uma delas é a pulsão sexual (trieb), que após surgir não pode ser inibida ou desfeita. O deficiente físico é um ser humano como outro qualquer, revestido de pulsões, logo, não há porque ignorá-las.

A família tem um papel primordial na vida do deficiente, principalmente para a reconstrução ou criação de uma autoestima elevada, o que consequentemente ocasionará relacionamentos saudáveis. A ausência de diálogos e orientações sexuais por parte da família proporciona uma caminhada obscura, solitária e arriscada.

Todo e qualquer relacionamento tem seus riscos, suas dores, perdas e sofrimentos, entretanto, quando o indivíduo não teve a instrução necessária para se envolver com outra pessoa, pois lhe foram tolhidas tais informações, junto às dores e traumas convencionais e possíveis de acontecer, acresce a possibilidade de violência, manipulação, entre outros.

A superproteção da família em negar a sexualidade do seu ente, simples e meramente por ser deficiente físico, não protege, mas coloca em risco a integridade física, mental e psicológica, da pessoa que dizem amar. Amor é cuidado e compreensão e não impor ao outro aquilo que se acha que ele precisa, sendo que as necessidades nem sempre são iguais.

3 CRIMINOSOS SEXUAIS E PARAFILIAS

O fetiche, em francês, do português “feitiço” e do latim “factitio”, como todo objeto fálico imaginário, ocupa o lugar de um objeto interno que foi gravemente danificado. Esse objeto imaginário deve ser eternamente ressuscitado, para ser outra vez reparado ou controlado na cena sexual perversa.

Em todo ato perverso existe, pois, uma cena primitiva condensada ou, mais exatamente, cena compensada por objetos simbólicos e com uma função lúdica. É preciso ainda que o sujeito possua uma aptidão para utilizar simbolicamente esses objetos externos para preencher o vazio interior resultante de uma falha simbólica. (DOUGALL, 1983, p. 51)

A parafilia se diferencia do fetiche no que tange à habitualidade. O fetichista sente excitação por meio de algum objeto ou situação, entretanto, não age de modo obsessivo, já o parafílico só consegue obter prazer sexual e excitação utilizando o seu fetiche. Indivíduos

parafílicos excluem outras formas de prazer, sendo obcecados e realizando-se sexualmente apenas com seus objetos de prazer, considerada uma psicopatologia.

A Parafilia, pela própria etimologia da palavra, diz respeito à “para” de paralelo, ao lado de, “filia” de amor à, apego à. Portanto, para estabelecer-se uma Parafilia, está implícito o reconhecimento daquilo que é convencional (estatisticamente normal) para, em seguida, detectar-se o que estaria “ao lado” desse convencional. (BALLONE, 2005)

As parafilias possuem diversos graus mas ao direito criminal, psicologia forense e ao presente trabalho, interessam apenas as formas gravosas de parafilia, pois estas ocasionam delinquências. Faz-se mister ressaltar que a parafilia por si só não é fato gerador de crimes, na medida em que um cidadão portador de transtornos sexuais nem sempre os exterioriza, e tampouco causa prejuízos a terceiros.

Ao transgredir as regras socialmente impostas, buscando exclusivamente satisfazer sua devassidão, o parafílico enseja a psicopatia sexual. Esse sexopata ou criminoso sexual não se importa com suas vítimas, nem com o sofrimento imposto às mesmas, sofrimentos físicos, psicológicos, emocionais e morais.

3.1 Caracterização do criminoso

O facínora tem compreensão do ato perverso que praticou e, em grande maioria dos casos, não sofre de transtornos obsessivos compulsivos. Os crimes mais comuns praticados por tais indivíduos são: estupro, assédio, abuso, sadismo e voyeurismo.

Isentos de problemas mentais, mas despidos de livre arbítrio em seus atos, ignoram o consentimento de suas vítimas. Os criminosos sexuais predominantemente são vistos como pessoas comuns, saudáveis, educados, sedutores, e raramente apresentam antecedentes criminais, exceto os habitualmente delinquentes, que utilizam seus crimes, por exemplo roubo, como meio para a pratica sexual perversa.

3.2 Características físicas da vítima

Agressores sexuais comumente apresentam transtornos sexuais, como já mencionado, entretanto, neste trabalho, será observado o criminoso sexual que tem parafilia com deficientes físicos.

Ao adentar na esfera das deficiências físicas, existe um rol de preferências: amputações; paraplegia; tetraplegia; triplegia; poliomielite e outros tipos de deficiência congênitas, adquiridas ou hereditárias, em quanto maior a gravidade e incapacidade causada pela deficiência, maior a atração.

3.3 Sadismo sexual versus violentador sádico

O sadismo consiste em cumplicidade entre os companheiros ou parceiros, e nem sempre tem como finalidade o coito. Trata-se de uma agressão e violência premeditada, atendendo a uma finalidade erótica.

O violentador sádico, entretanto, é o criminoso sexual que lesiona suas vítimas psicofisicamente, não tendo que se falar em parceiros, mas em vítimas. Tal violentador pode portar algum transtorno sádico de personalidade, e age segundo o seu livre arbítrio, egocentricamente e revestido de caráter criminoso

3.4 Parafilias e o cinema

3.4.1 Peeping Tom – a tortura do medo

Michael Powell traz uma sensibilidade fascinante em seus personagens. Produzido em 1960, está bem à frente do seu tempo por abordar temas que ainda hoje pouco se fala, exceto nos ramos da psicologia e criminologia.

Mark Lewis, o personagem principal, é um jovem fotógrafo que utiliza do seu trabalho e hobby, para satisfazer e nutrir a sua personalidade voyeur. Influenciado pela sua infância, que era filmado e observado 24 horas por dia, como cobaia para os estudos do seu pai, neurocientista, adquiriu tais hábitos e desvios.

Além de voyeur, Mark Lewis pratica homicídios por parafilia, também conhecido como crimes sádicos sexuais. A facilidade de satisfação da lascívia acarretada pelo seu trabalho é o ambiente ideal para a prática sexualmente delituosa, o que é comum entre os criminosos sexuais.

Com o escopo de fotografar mulheres, se aproxima filmando e no momento ideal usa uma faca inserida no tripé da câmera, para cortar a jugular da sua presa. A finalidade do personagem é captar o auge do medo nos olhos das suas padecentes e na sequência ver as filmagens.

Isento de qualquer atividade sexual com suas vítimas, o personagem elucida o transtorno sexual voyeur, colecionando também as cenas das suas experiências perversas.

3.4.2 Encaixotando Helena

O enredo tem um cirurgião renomado, deslumbrado por uma garota de programa e sua beleza, que o rejeita. Entretanto, não aceita a rejeição e faz de tudo para ficar com a jovem, e após Helena sofrer um acidente, o médico vê a oportunidade para ficar com ela.

Nick Cavanaugh amputa as pernas da prostituta e ao longo do filme, amputa também seus braços, para aumentar a dependência de sua amada e objeto de desejo. No desenrolar da trama, Helena sente-se atraída pelo médico e embora a sua condição física tenha sido provocada, demonstra a realidade de todo e qualquer deficiente físico no que concerne a sexualidade.

O médico tem relações sexuais com sua namorada, e supera as expectativas da mesma, e Helena observa sua desenvoltura. Observar a performance do Nick mexe ainda mais com a libido de Helena.

Independente da condição física, todos os seres humanos têm necessidades sexuais, e com os deficientes físicos não seria diferente, como demonstra o filme.

3.4.3 Crash, Estranhos Prazeres

Baseado no livro com o mesmo título e de autoria de J. G. Ballard, há uma rica exposição das pulsões sexuais humanas, bem como exemplifica e ilustra vários aspectos que serão trabalhados no presente artigo, além de ricas metáforas. Para alguns, o filme é perturbador, entretanto, retrata as possibilidades que envolvem as parafilias e até mesmo os crimes que podem ser praticados para a satisfação das mesmas.

Após James Ballard sofrer um acidente automobilístico, que ocasionou a morte do motorista do outro carro, e companheiro de Helen Remington, que sobreviveu à colisão, passado algum tempo, tornam-se amantes e frequentadores de um grupo que tem fetiche com acidentes de carro. O grupo reproduz acidentes automobilístico famosos e se excitam com as mutilações decorrentes dos acidentes.

Faz mister ressaltar que as encenações dos acidentes não possuem qualquer equipamento de segurança, o que aumenta a excitação sexual dos envolvidos. Os veículos utilizados facilitam a satisfação da lascívia, mas a libido se desenvolve com as desfigurações que os acidentes causam, e não com o acidente em si.

As feridas sempre foram exaltadas, erotizadas, desde a religião, com Jesus Cristo sangrando, e toda a devoção que os ferimentos acarretaram, bem como na psicanalise, Freud relaciona as feridas sangrentas às diferenças sexuais e a castração masculina. O que o filme faz é mais uma vez trazer todo o erotismo que as feridas envolvem.

Assim como devotees que fotografam deficientes físicos sem a devida autorização ou compartilham tais fotos, a película exemplifica a violação à imagem, à privacidade e à honra das pessoas acidentadas, quando têm suas fotografias tiradas pelo personagem Vaughan, após os acidentes, e que servem para estimular sexualmente, tanto no filme, quanto na vida real.

Outro aspecto importante do filme é expor que deficiência física não é impeditivo para a realização da sexualidade do indivíduo, e o cineasta David Cronenberg não teve qualquer receio em mostrar esse desejo, representado por Gabrielle.

A esposa de James, Catherine Ballard, também se envolve sexualmente com Vaughan após observar suas cicatrizes e se sentir atraída por elas, e ao final do filme, presencia-se a cena em que Catherine se revela uma wannabe, que é uma espécie de devotee, ao provocar seu acidente em busca de prazer sexual, mas também de causar dano ao seu próprio corpo.

É muito prazeroso! Não sei se entendi bem. É o futuro, Ballard, e você já faz parte dele. Você está vendo isso pela primeira vez. Há uma psicopatologia benevolente que sinaliza em nossa direção. Por exemplo, acidente de carro é uma forma de semear, em vez de um evento destrutivo… A explosão da energia sexual. Mediando a sexualidade daqueles que já morreram. Com uma intensidade que é impossível ser mensurada de outra forma. Experimentar isso, viver isso, “isto” é meu projeto. (CRASH, 1996.)

4 DEVOTEES

A sociedade “burguesa” do século XIX e sem dúvida a nossa, ainda é uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada. Isso, não de maneira hipócrita, pois nada foi mais manifesto e prolixo, nem mais abertamente assumido pelos discursos e instituições. Não porque, ao querer erguer uma barreira demasiado rigorosa ou geral contra a sexualidade tivesse, a contragosto, possibilitado toda uma germinação perversa e uma série de patologia do instinto sexual. Trata-se, antes de mais nada, do tipo de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que, justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição: ao contrário, que procede mediante a redução das sexualidades singulares. Não fixa fronteiras para a sexualidade, provoca suas diversas formas, seguindo-as através de linhas de penetração infinitas. Não exclui, mas inclui no corpo à guisa de modo de especificação dos indivíduos. Não procura esquiva-las, atrai suas variedades espirais onde prazer e poder se reforçam. Não opõe uma barreira, organiza lugares de máxima saturação. Produz e fixa o despropósito sexual. A sociedade moderna é perversa, não a despeito de seu puritanismo ou como reação á sua hipocrisia: é perversa real e diretamente. (FOUCAULT, 1990, p. 46)

4.1 Origem e conceito

O termo devoteísmo foi implementado na medicina na década de 1980 e surgiu no país em 1990, sendo, porém, até hoje pouco discutido, limitando-se ao mundo virtual. Grande parte da sociedade não sabe do que se trata o termo mencionado e tampouco ouviu essa palavra, já que fazem da deficiência um tabu.

Devotee, também denominado devoto, é aquele que tem devoção ou admiração. “Homens e mulheres que, independente de sua opção sexual, idade, credo, raça, origem, nível intelectual, nível social econômico ou condição física, sente-se atraído por pessoas com deficiência. Tendo essa atração, em muitos casos, um forte cunho sexual” (KRONOS, 2010, p. 71).

Devotees sentem amor pelo individuo com deficiência, por exemplo os pais e familiares, entretanto, alguns sentem atração física, uma espécie de fetiche, assim como outro qualquer. Todavia, existem os devotees interessados apenas na deficiência e estes, certamente são parafílicos e merecem atenção especial, por possivelmente causarem danos a terceiros.

4.2 Benefícios e malefícios

Faz-se mister ressaltar a positividade dos devotees na vida dos deficientes físicos, que muitas vezes estão com problemas de baixa estima, e sentem-se bem, sentem-se vivos e desejados por esses admiradores. A devoção dessas pessoas, muitas vezes, permite o passo inicial para a redescoberta da sexualidade e da sua própria beleza, de modo saudável e construtivo.

Nas palavras de Jacques Lacan, “o que o ser humano mais quer é ser desejado por outro ser humano”, e é exatamente isso que alguns devotees proporcionam. Os devotos possibilitam uma fenda meio aos estereótipos hollywoodianos de beleza. Algumas pessoas têm atração por barba, loiras, morenas, altos, baixinhas, carecas, tatuados, fortes, magras, outros por deficientes físicos.

A atração de um devotee nem sempre é consumada, às vezes por medo, por vergonha, por serem pretenders/wannabes (o primeiro sente prazer em se passar por deficiente físico, enquanto o segundo quer ser um deficiente físico e comumente causa danos a si mesmo, inclusive amputações), ou porque conseguem fotos na internet e saciam seu desejo por meio

delas. No entanto, não existem apenas admiradores nessa seara, mas exploradores sexuais, criminosos sexuais, homicidas por parafilia, sexopatas, pessoas sem qualquer pudor.

Os malefícios de um devotee despido de respeito e bondade são imensos. Encontram-se relatos em diversos sites dos próprios deficientes físicos quanto a fotografias publicadas sem autorização, a ofensas e humilhações, violência doméstica (especificamente mulheres), a tristeza de se sentir um objeto, a melancolia por ter a sua deficiência como atração e não o ser humano que é. Dificilmente depara-se com algum relato de crime sexual, mas não porque inexista, e sim pelo constrangimento que o envolve.

Parafílicos adentram no mundo virtual e também em ambientes físicos, como centros de reabilitação, reuniões, institutos voltados a deficientes físicos. São eles muitas vezes médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e familiares. Alguns são sutis, outros mais agressivos e incisivos, mas o estrago psicoemocional e por vezes, físico, é imensurável.

Diversas vezes, por falta de informação, as vítimas acreditam ser simplesmente um assédio e sucumbem ao mesmo, e depois percebem ser um criminoso sexual, dada as consequências sofridas.

4.3 Devotees e as bonecas sexuais na deep web

Países do Leste Europeu, a Tailândia por exemplo, são conhecidos por perversões e crimes sexuais, e entre a vastidão de delinquências sexuais, é de conhecimento geral, as bonecas sexuais humanas. Essas bonecas sexuais, conhecidas como Lolita slave toys, consistem em crianças, que são vendidas pelos pais ou abandonadas em orfanatos, e levadas a centros cirúrgicos para retirada dos membros inferiores e superiores e uma série de modificações físicas, que as transformam em verdadeiros brinquedos sexuais.

As Bonecas sexuais são encomendadas por meio dos “Doll Makers”, e são totalmente dependentes de seus donos, para comer, beber e evacuar. Tornam-se escravas sexuais e mentais, incapazes de emitir sons, ou mover-se, ainda virgens e impúberes.

O filme “A Centopéia Humana” traz uma experiência semelhante às Lolitas slave toys, mas não quanto ao cunho sexual, e sim cientifico, com as alterações físicas nos seres humanos, bem como o livro “Frankenstein” de Mary Shelley.

Tais obras nada importam quanto aos devotees, foi uma mera elucidação no que concerne às transformações físicas. Entretanto, as bonecas sexuais exprimem o anseio de diversos devotees, emanados de caráter criminoso. O domínio doentio e prazer com a

deficiência física, mesmo que provocada por seu criador ou proprietário, exemplificam o caráter perverso e parafílico do mesmo.

A história biológica e ambiental de cada criminoso sexual é formadora da personalidade deste, que executa sua atividade sexual mediante violência, psicológica ou física. Contudo, a criminogênese não será abordada no presente trabalho. Basta a informação de que a composição biológica e ambiental influencia o devotee parafílico e psicopata sexual, não sendo necessário adquirir uma boneca sexual para se enquadrar como tal.

5 ENQUADRAMENTO LEGAL DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA DEFICIENTES FÍSICOS

Diz-me Eutidemo, acreditas que a liberdade seja um bem nobre e magnifico, que se trate de um particular ou de um Estado? – É o mais belo que é possível ter, responde Eutidemo. – Mas aquele que se deixa dominar pelos prazeres do corpo e que, em seguida, torna-se incapaz de praticar o bem, tu o consideras um homem livre? – De jeito nenhum, diz ele. (FOUCAULT, 1984, p.73)

5.1 Estupro, Estupro de vulnerável, exploração sexual, assédio sexual, coação sexual e abuso sexual

A palavra estupro vem do latim stuprum, que significa relação culpável. Inicialmente, como o Brasil não possuía uma legislação autônoma, baseava-se nas Ordenações Filipinas, e o tratamento das mesmas para o estupro era a pena de morte, mesmo que o agressor se casasse com a moça, salvo em caso de tal mulher ser escrava ou meretriz.

Ao longo dos vários códigos penais que entraram em vigor no país, observa-se a reestruturação do conceito de vítima e a mudança de paradigmas quanto à mulher no que diz respeito à prostituição e comportamentos desviantes.

Em 1830, o Código Penal brasileiro, denominado Código Criminal do Império, trouxe o crime de estupro, entretanto, esse código não se orientou por meio da Constituição do Império de 1824, que dizia que todos são iguais para a lei seja no âmbito da proteção, seja no âmbito do castigo. Diferenciava mulher honesta e prostituta, conforme seu artigo 222:

Art. 222. Ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer mulher honesta.

Penas – de prisão por três anos a doze anos e de dotar a ofendida. Se a violada for prostituta.

Penas- de prisão por um mês a dois anos.

O Código de 1890 abrandou a pena do estupro.

Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena – de prisão celular por um a seis anos. § 1º Si a estuprada for mulher pública ou prostituta: Pena – de prisão celular por seis meses a dois anos. § 2º Si o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será aumentada da quarta parte.

Em 1940 surge o novo Código Penal, que veda a pena de morte, e no que diz respeito a diferenciação que os códigos anteriores trazia sobre as mulheres, este código deixa de condicionar a honestidade da vítima a existência do crime. “Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena – reclusão, de três a oito anos”, artigo 213. Com a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, o Código Penal acrescentou os parágrafos ao artigo 213:

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

No que concerne ao ponto principal do presente trabalho, que é a definição de crimes sexuais contra deficientes físicos, praticados por devotees, o mesmo enquadra-se no artigo 217- A do Código Penal de 1940, e incluído pela Lei nº 12.015, de 2009, e denomina-se estupro de vulnerável.

Art. 217. A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (Vetado.)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

Pessoa vulnerável é uma denominação recente, criada por meio da Lei nº 12.015/2009, e diz respeito a criança, adolescente, mentalmente incapazes, mas diz respeito também, a pessoas com qualquer forma de incapacidade física, que impeça a sua resistência a prática criminosa, sendo tal conceito apresentado de forma taxativa.

O presente artigo traz um lamentável simplismo no que concerne aos deficientes físicos, porém, esse simplismo, ou quase um silêncio, não significa que tais crimes sejam impunes.

Nem mesmo a Lei nº 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência Física, aborda o tema com a devida amplitude.

Entretanto, ao final do artigo 217-A, do CP, existe menção à incapacidade de esboçar reação, e nesta, pode-se enquadrar a ausência de mobilidade física, ou restrições motoras (exemplo: tetraplegia, acidente vascular encefálico, poliomielite). Nesse mesmo entendimento:

Se a vítima não tiver ou não puder usar o potencial motor, é evidente que não pode oferecer resistência. Assim, doenças crônicas e debilitantes (tuberculose avançada, neoplasia grave, desnutrições extremas); uso de aparelhos ortopédicos (gesso em membros superiores e tórax; gesso aplicado na coluna vertebral; manutenção em posições bizarras para ossificação de certas fraturas, etc.); paralisias regionais ou generalizadas; miastenias de várias causas etc. São casos em que a pessoa não pode oferecer resistência (MARANHÃO, p. 209, apud GRECO, 2014, p. 545).

O cumprimento da pena para o estupro de vulnerável é inicialmente fechado por se tratar de um crime hediondo (art. 1º, VI, Lei 8.072/90), e sua progressão ocorre após 2/5 para réu primário ou 3/5 em caso de reincidência. Quanto a prisão temporária, o prazo é de 30 dias, e para o benefício do livramento condicional, o réu deve cumprir 2/3 da pena. Destarte, a concessão da liberdade antecipada ocorre apenas na ausência de antecedentes criminais ou não exista reincidência em crime hediondo ou equiparado.

O estupro de vulnerável ocorre pela conjunção carnal, bem como pela prática de ato libidinoso, independente de violência ou grave ameaça. Independente da pluralidade de atos sexuais, o agente delituoso responde por apenas um crime, o que impede a cumulação, e seu reflexo na dosimetria da pena.

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADOS COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. LEI 12.015/09. NOVA TIPIFICAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. DESFAVORABILIDADE. MULTIPLICIDADE DE ATOS LIBIDINOSOS. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. A Lei 12.015/09

promoveu sensível modificação nos dispositivos que disciplinam os crimes contra os costumes no Código Repressivo, ao reunir em um só tipo penal as condutas antes descritas nos arts. 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor), ambos do CP. 2. Reconhecida a tese de crime único pela Corte Estadual, a quantidade de atos libidinosos deve ser sopesada na aplicação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria, pela desfavorabilidade das circunstâncias do crime (STJ, HC 171243 / SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, j. 16/08/2011).

No que concerne à tentativa, a mesma deve ser permitida, por se tratar de crime plurissubsistente, ou seja, que se perfaz com diversos atos. Entretanto, existe entendimento diverso, por exemplo o do julgamento do REsp 1313369/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/06/2013 pela 6ª Turma, STJ. Em tal julgamento, o STJ se manifestou acerca da

inadmissibilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para o reconhecimento do estupro de vulnerável na forma tentada.

O STJ entende que o estupro de vulnerável independe da gravidade da conduta, e que para a caracterização de tal crime, basta a prática de qualquer ato libidinoso, o que contraria os princípios da individualização da pena, proporcionalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. O crime praticado é de enorme relevância, mesmo que tentado, porém o agente deve ser julgado e tratado com o que realmente praticou, não pela sua intenção inicial.

O STJ, assim como o legislador, quer imputar um crime mais gravoso do que a conduta praticada pelo sexualmente desvirtuado. Segundo tal entendimento, basta a prática de qualquer ato libidinoso para a caracterização do estupro de vulnerável.

A pena de um estuprador não deve ser a mesma de quem forçou um beijo, um toque físico ou impôs algum tipo de violência ou ameaça, que embora também viole o corpo da vítima, os traumas e lesões são ínfimos perto de um estupro consumado. Não se pode mensurar os danos impostos à vítima, mas punir o agente por um resultado que não ocorreu viola os princípios basilares da Constituição Federal.

Além do estupro de vulnerável, os deficientes físicos podem sofrer outros tipos de violência sexual, entre elas, a mais comum e sutil, é a exploração sexual. A exploração sexual é típica e pouco comentada devido a sua imperceptibilidade. É comumente praticada por médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, e pessoas que têm um certo poder.

Esse crime consiste em algum tipo de envolvimento sexual entre o prestador de serviço ou pessoa de confiança, com o deficiente físico que procurou o explorador para receber algum auxílio ou ajuda profissional. Diversos devotees trabalham nas áreas ligadas a medicina e fisioterapia para se aproximarem de suas vítimas com maior facilidade e se camuflarem nos ambientes frequentados por deficientes.

Outro crime comum sofrido pelos deficientes físicos impostos pelos devotees é o assédio sexual. Esse delito diz respeito a aproximação sexual, oferecimento de favores, ou seja, qual for o comportamento verbal ou físico de cunho sexual, quando não é bem-vindo.

O assédio sexual se diferencia da coação sexual, pois esta necessariamente tem a grave ameaça. Pode ser a prática repetitiva de aproximação sexual, pressões psicológicas e violências emocionais, como também pode ser o contato sexual em si. Na coação sexual, simplesmente não existe o consentimento real. Exemplo: uma mulher conversa com um devotee por algum tempo, está apaixonada, porém ainda não se sente preparada para uma relação real, e o mesmo faz a mulher se sentir ameaçada e com medo dele encerrar o “romance”, por não ter suas expectativas sexuais satisfeitas; ou um casal de devotees e deficiente saiu para jantar e como a deficiente comentou anteriormente que eles teriam relação sexual, houve insistência para a consumação deste.

Abuso sexual é a atividade sexual proveniente da incapacidade de oferecer resistência da vítima. Essa incapacidade no caso dos deficientes físicos, diz respeito a própria limitação física que as vezes possuem. Por exemplo: um cadeirante entra no carro com uma mulher devotee e sem o seu consentimento, é impelido ao sexo oral e a masturbação. Além de não consentir, não pode descer do carro, pois a sua cadeira de rodas está no banco de trás e precisa de um pequeno auxilio para descer do carro.

Na realidade, os crimes sexuais praticados por um devotee contra um deficiente são os mesmos que qualquer outra pessoa pode sofrer. A diferenciação está na vulnerabilidade física e muitas vezes psicológica e emocional, assim como a privação de discursos sobre a sexualidade, o que impede a devida inclusão e preparo quanto a existência de predadores sexuais.

5.2 Aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no estupro de vulnerável

O princípio da proporcionalidade, nas palavras de Alberto Silva Franco, “exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena).” (FRANCO, 2011, p. 110)

Conforme mencionado anteriormente, no tópico da tentativa, o STJ não utiliza de tal princípio para aceitar a conduta criminosa mais amena, porém, utiliza-se desse princípio na dosimetria da pena.

O estupro de vulnerável contraria a ética e moral da sociedade, bem como desestrutura psicologicamente e fisicamente a vítima, além de desnortear as ideias que dizem respeito a proteção com o deficiente físico, todavia, nem todo parafilico devotee, com intuito criminoso, pratica o estupro, mas alguns atos que o precedem.

É desproporcional a aplicação de uma pena que supera a pratica delitiva. É certo que a vulnerabilidade dos deficientes físicos deve ser resguardada e protegida pela sociedade como um todo, e não violentada, mas deve-se utilizar desse princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro para a aplicação da exata pena, de acordo com o concreto comportamento do criminoso.

É de conhecimento que alguns devotees extrapolam em seus encontros, porém, nem todos efetivam o estupro. E a estes, cabem a individualização da pena, pautada na proporcionalidade.

5.3 Inexistência de inimputabilidade

A presença de desvio sexual (parafilia), como no presente trabalho, o devoteísmo, não caracteriza alienação mental considerável para os fins de inimputabilidade, mesmo que os criminosos sejam homicidas por parafilia, ou seja, indivíduos com um desejo obsessivo e de origem sexual, que matam para satisfazer seu prazer sexual, ou após a satisfação sexual matam suas vítimas e objetos de gozo.

Também denominados criminosos sádicos seriais, os mesmos atuam com livre arbítrio, dolo e capacidade de compreensão da ilicitude de sua conduta, não tendo que se falar em medida de segurança de tratamento ambulatorial, exames de sanidade mental e tampouco surtos psicóticos.

5.4 Código Penal Português

O abuso sexual de pessoa incapaz de resistência tem fulcro no artigo 165 do Código Penal Português, e refere-se a incapacidade precedente que a vítima possui, logo, o agente criminoso aproveita de tal incapacidade para a prática de algum ato sexualmente relevante ou cópula, coito anal ou coito oral. Um dos cenários passíveis de designar essa incapacidade de oferecer resistência da vítima é a deficiência física.

Diferentemente do Código Penal brasileiro, o Português adota a denominação abuso sexual, enquanto no Brasil, o termo estupro de vulnerável, todavia ambos permitem refletir em torno do impacto da incapacidade de opor resistência. Mais uma diferença é quanto a ação penal, no primeiro, a ação penal é incondicionada, já no Código Português ação penal é privada (queixa).

Art. 165 Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência

1 – Quem praticar ato sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado ou incapacidade, é punido com pena de prisão de 6 meses a 8 anos.

2 – Quem, nos termos previstos no número anterior, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos

Art. 177 Agravação

1 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:

a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou

b) Se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.

2 – As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos do n.º 2 do artigo 163.º, do n.º 2 do artigo 164.º, da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea

c) do n.º 2 do artigo 175.º

3 – As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 171.º a 174.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível.

Art. 178 Queixa

1- O procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163 a 165, 167, 168 e 171 a 175 depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.

2- Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima de opuser.

Enquanto o Código Penal brasileiro trata a morte como um crime preterdoloso (não era a vontade do agente), e tem tal acontecimento como qualificadora do crime de estupro de vulnerável, o artigo acima, referente ao Código Português, trata a morte da vítima para fins de ação penal.

5.5 Vítima prostituída e a presunção de violência

A maioria das pessoas traz um preconceito e concepções acerca da sexualidade e espera que todos respondam e atuem de forma idêntica. Independente do grau de instrução, é comum a ideia errônea sobre a vida sexual de deficientes físicos. O Estado é omisso, escolas e a própria família também, na maioria das vezes. Prefere-se não admitir que um deficiente físico é sexuado e muitas vezes sequer imaginam, pelo preconceito existente.

Faz-se mister ressaltar que assim como existem famílias “superprotetoras”, que temem que o filho se envolva com alguém, mas tentam orientá-lo, existem famílias que simplesmente abandonam os filhos, afetivamente ou fisicamente, por meio de maus tratos, abusos sexuais e em outros casos, ainda auferem lucros com a deficiência física do filho.

No e-book Textos Especiais no Mundo das deficiências, a autora Márcia Gori, cadeirante e candidata a vereadora de São José do Rio Preto/SP, escreve:

Existem sim em nosso meio, pessoas com deficiência, conscientes de seus encantos que usam desses mecanismos para a prostituição consentida pela família, como forma de sustento para seus lares. Parece que estamos falando de um mundo surreal, mas está embaixo dos nossos olhos e insistimos em não enxergar. Outra situação que

também temos notícias é o tráfico destas pessoas para fora de nossas fronteiras, para serem usadas como prostitutas ou escravas sexuais para fetichistas ou sabe-se lá o que a mente humana permite. (GORI, 2013, p. 7)

Embora a prostituição seja comum entre devotees e deficientes físicos, a experiência sexual da vítima não pode representar empecilho para a punição do estupro de vulnerável, tampouco se o deficiente físico aufere lucro com seu próprio corpo. Os códigos penais anteriores diferenciavam meretriz e honestidade, entretanto, o mesmo não pode ser aplicado ao presente código, sob pena de violação e desrespeito ao valor constitucional da liberdade.

Qualquer conduta descrita no tipo penal do artigo 217-A do Código Penal é criminosa, sem exceção. O legislador adotou um caráter absoluto de presunção de vulnerabilidade, assim como ofensa a dignidade sexual.

Ao tratar de violação a dignidade sexual, não é possível aplicar as teorias de direito penal mínimo, pois tal violação contraria o princípio da dignidade humana, inerente a todo e qualquer ser humano, e princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro. Independente das circunstâncias da prática criminosa, por exemplo, a prostituição da vítima, o bem jurídico tutelado pela normal penal é o mesmo.

Não cabe ao direito julgar a conduta da vítima do delito e seu modus vivendi, mas zelar pela segurança, aplicabilidade da lei e resguardar o direito de se exercer a atividade sexual em liberdade. O direito não se confunde com moral, logo, aplica-se também a presunção de violência ao caso de deficientes físicos que fazem programas com devotees, e são violentados sexualmente.

5.6 Homicídio por parafilia

O homicida por parafilia, também chamado de sádico sexual, foi abordado anteriormente por meio da análise do filme Peeping Tom, entretanto, no filme, o criminoso sexual era voyeur e o homicídio em questão é sobre a parafilia devoteísmo. Mas em qualquer deles, trata-se de portadores de disfunções sexuais, sem qualquer doença alienante, ou seja, agem conscientemente e de forma autônoma.

5.7 Fotografias

Entre os devotees é comum a troca e coleção de fotografias de deficientes físicos, porém, nem sempre a divulgação das mesmas é autorizada e estão disponíveis em diversos sites.

Para alguns, o devoteísmo é apenas um fetiche, como quem tem atração por pés, por exemplo. Mas, para outros, a aproximação de alguém pela deficiência é uma espécie de doença ou desvio de personalidade. Para Lia, o impacto que causa na vida dessas pessoas com deficiência, que são vítimas dos devotees, é imenso, uma vez que fotos são tiradas sem permissão e divulgada na rede. (TEMPERANI, 2010).

5.8 A palavra da vítima, denúncias e aborto

A palavra da vítima tem um papel primordial, segundo o Ministro Marco Aurélio Bellizze, pois os crimes contra a liberdade sexual são praticados em locais isolados, e na maioria das vezes não deixam vestígios. Ausente de respaldo pericial, exame de corpo de delito, não se impede a condenação, desde que haja concordância entre a palavra da vítima e outro meio de prova.

Por vez, denunciar gera um constrangimento à vítima, além de dar vida às lembranças do estupro, durante as declarações, interrogatórios e reconhecimento do criminoso. Nem sempre a autoridade policial está preparada para lidar com a situação, ainda mais quando a condição física desacredita as pessoas por falta de informação e preconceito.

Quando a vítima, deficiente físico, é prostituída, o tratamento é apático e pouco é feito por ela, como se nada tivesse acontecido ou que a culpa foi dela. Falta preparo do Estado em receber tais vítimas e propiciar segurança, justiça e tranquilidade.

A deficiência física não gera incapacidade de autodeterminação, todavia, por se tratar de uma incapacidade permanente de oferecer resistência a prática sexual criminosa, a ação penal é pública incondicionada.

Como consequência do estupro de vulnerável, pode ocorrer gravidez, e sendo vontade da vítima, pode-se aplicar extensivamente o aborto consoante o artigo 128, II, do Código Penal.

6 PESQUISA DE CAMPO

6.1 Instituto Médico Legal BH

Durante visita ao Instituto Médico Legal para o levantamento de dados concernentes a crimes sexuais sofridos por deficientes físicos, contatou-se um enorme descaso com esse grupo

de vulneráveis. Não existe qualquer relatório que separe as vulnerabilidades, o que impediu a constatação da porcentagem de crimes sexuais sofridos por essa categoria.

6.2 Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso (DEADI)

Conforme entrevista com a Delegada Larissa Maia Campos, da Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso (DEADI), na Av. Augusto de Lima, nº 1942, Barro Preto, Belo Horizonte/MG, embora o atendimento seja especifico para o público deficiente, não existe qualquer relatório que especifique quantitativamente os crimes sexuais sofridos por estes cidadãos.

A Delegacia segue a Resolução PCMG nº 7.196, de 29 de dezembro de 2009, que até em seus termos de tratamento, “pessoa portadora de deficiente”, se mostra aquém do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146 de 2015, que não denomina os deficientes como “portadores”. Essa resolução está voltada para os empecilhos impostos ao deficiente no que concerne a sua acessibilidade, trabalho, educação e outras formas de discriminação.

Foi informado pela Delegada Larissa, que têm ciência do lapso a respeito da catalogação dos dados concernentes a violência sexual do público que atende, que tais crimes ocorrem, entretanto, inexiste um relatório. Baseado nesse lapso, foi criada uma delegacia especializada em crimes sexuais, porém esta ainda está em desenvolvimento e não tem os dados necessários à presente pesquisa, mas que o intuito é que essa nova delegacia resolva tamanho descuido.

Mais uma vez, assim como o IML não possui qualquer estatística que abordem os crimes sexuais sofridos pelos deficientes físicos, a delegacia que atende tal público também não tem. Essa realidade mostra o completo descaso e desinteresse por parte do Estado. Não se pode afirmar que tal descaso se pauta no preconceito em acreditar que deficientes físicos não figurem no polo passivo de crimes sexuais, entretanto, é assustador em meados de 2016 não existir qualquer estatística a respeito.

Faz-se mister ressaltar que existem dados concretos e em diversos locais do país, sobre a taxa de crimes sexuais envolvendo deficientes mentais e crianças, que também são vulneráveis, mas ocorre uma completa abstenção do Estado no que diz respeito ao deficiente físico. Tal fato é incompreensível.

6.3 Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS)

A primeira vez que foi divulgado o número de estupros de vulneráveis em Minas Gerais ocorreu em 2013, o que revela por si só o descaso com esse tipo de crime. Ocorre que em 2016, embora as estatísticas sejam mais transparentes, nada foi revelado acerca de crimes sexuais envolvendo deficientes físicos.

O próprio site da Secretaria de Estado de Defesa Social revela que os “estupros de vulneráveis representam mais da metade de todos os estupros registrados no Estado”, todavia, não aponta qual a porcentagem inclui os deficientes físicos.

Estatísticas mostram que Minas Gerais em 2015 teve 1.763 casos de estupro de vulnerável consumado, mas dentre esse número encontramos crianças e deficientes mentais. Não há qualquer registro que diz respeito exclusivamente a deficientes físicos.

A base do problema é a falta de diálogo e debates a respeito de toda expansão e totalidade do estupro de vulnerável. Na prática ocorre uma limitação do artigo 217-A, do Código Penal, abarcando apenas crianças, adolescentes e mentalmente incapazes.

Segundo os gráficos analisados na página www.numeros.mg,gov.br, de janeiro a setembro de 2016 só em Belo Horizonte, ocorreram 218 casos de estupro de vulnerável, tentado ou consumado. O grande problema é: qual a percentual desses estupros pertencem aos deficientes físicos? Tal omissão é grave e impede a criação de medidas protetivas eficientes, bem como repressão e sanção.

6.4 Pesquisa virtual sobre devotees

Joan é uma jovem negra de 19 anos de idade. Ele teve queimadura em mais de 80% do seu corpo como resultado de um acidente. Seu rosto ficou gravemente cicatrizado e ela perdeu quase totalmente o uso de um braço. Quando caminhava próximo à sua casa, ela foi agarrada por um agressor que a forçou a entrar em seu carro e a levou a uma área isolada, estuprando-a em seguida (GOCHENOUR, 1981).

Foi realizada uma pesquisa informal, com um questionário enviado a pessoas aleatórias, sem qualquer vínculo e encontradas em páginas do facebook voltadas para deficientes físicos, cujo link do questionário foi disponibilizado por mensagem que solicitava o preenchimento especifico para o presente trabalho.

O título do questionário é “Relacionamento e opinião sobre devotees” e o mesmo se encontra no endereço: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdu6Svyq_ CG3pxkaukxg73X1SGmmqAJsOuxGnNlYEYhDHJ_0Q/viewform.

Através de tal pesquisa, onde apenas 20 pessoas responderam, concluiu-se que 65% é do sexo feminino enquanto apenas 35% do sexo masculino, com faixa etária predominante (30%) de 25 a 35 anos.

Dos 20 indivíduos que contribuíram com a pesquisa, 85% já manteve ou mantém algum tipo de relacionamento com um devotee, mesmo que esse relacionamento seja apenas virtual. E um resultado alarmante tange ao tratamento dado pela família à sexualidade dos mesmos, quando 72,2% responderam que os familiares não tocam no assunto e preferem ignorar.

Questionados sobre devotees que colecionam fotos ou vídeos de pessoas com deficiência, 55% conhece alguém que tenha tal prática, entretanto, 75% desconhece a publicação e divulgação de fotos ilegais e tampouco teve alguma foto tirada a força ou sem autorização.

No que diz respeito aos sentimentos despertados por um devotee, 30% não se sente bem nem confortável em saber que alguém sente desejo pela sua deficiência física; enquanto 40% se sente muito bem e gosta de se relacionar com eles. Alguns deficientes se relacionam apenas com devotees, 20% e entre essas 20 pessoas que responderam o questionário, uma (10%) respondeu que aufere lucros e benefícios ao se envolver com devotees.

Baseando-se nas próprias experiências, 65% disse que existem diferentes tipos de devotees, por exemplo os que querem nutrir um relacionamento de modo saudável, e os que querem apenas satisfazer suas fantasias egoisticamente. A violência psicológica em conversas ou encontros é de apenas 30%, enquanto a violência sexual 35%.

Perguntados se devotees podem causar algum tipo de violência, 60% respondeu que sim, porém, em casos de violência ninguém denunciou, 25% sequer comentou a respeito e 75% contou a algum amigo.

Embora não sejam vistos como devotees por sem encontrarem em ambientes diversos do virtual, 40% já sofreu algum tipo de assédio sexual no trabalho, local de estudos, centros de reabilitação ou qualquer outro local, por parte de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, familiares, professores, superiores hierárquicos, entre outros.

Repontaram que é necessário a criação de órgão ou entidade que proteja e discuta os direitos sexuais dos deficientes físicos (85%), não obstante, caso exista uma delegacia especializada em crimes sexuais contra deficientes físicos, e sofressem algum tipo de violência sexual, 55,6% não procuraria a delegacia.

Por meio dessa pesquisa, apesar de apenas 20 pessoas responderem, pode-se confirmar alguns dados que levaram a realização da mesma: a inexistência de diálogos entre os familiares e o deficiente físicos no que tange à sexualidade deste, e os diversos abusos sexuais que sofrem, mas preferem contar a algum amigo ou guardar para si, que procurar uma autoridade competente.

Importante ressaltar que a pesquisa também comprovou a existência de vários tipos de devotees, o que demonstra a existência de malefícios, mas também de benefícios por parte desses fetichistas ou parafílicos, o que inclusive torna-os importantes personagens na descoberta ou redescoberta da sexualidade dos deficientes físicos. Todavia, a realização de diálogos efetivos e abertos sobre a sexualidade e suas possibilidades evitaria o emaranhado de devotees que utilizam da inexperiência do deficiente físico para a exteriorização de suas imaginações perversas e criminosas.

7.5. Censo

Conforme a Cartilha do Censo 2010, sobre Pessoas com Deficiência, apenas 71,6% das pessoas com deficiência física são alfabetizadas, e a taxa de atividade se restringe a 41,3% para os homens e 27,4% para as mulheres. A incidência de deficiência física entre as mulheres é maior que no público masculino, 8,5% para elas e 5,3% para eles. Dentre os tipos de deficiência, 7% é física, e entre esse percentual, 1,62% não consegue se movimentar.

O nível de escolaridade trazido pelo Censo comprova o descaso do Estado e dos familiares, 61,1% tem o ensino fundamental incompleto ou não tem instrução; 17,7% tem o ensino fundamental completo; 14,2% ensino médio completo e apenas 6,7% tem graduação.

Quando se compara a deficiência física com outros tipos de deficiência e a taxa de alfabetização, constata-se que 83,1% dos deficientes visuais são alfabetizados, 52,8% de quem possui deficiência metal ou intelectual também é alfabetizada, ficando a deficiência física com 71,6%, ou seja, entre as deficiências, é a segunda com o maior índice de alfabetização. Entretanto, apenas 71,6% de alfabetização não é motivo de orgulho.

No que tange a taxa de atividade, ou seja, pessoas economicamente ativas, encontra-se os números de 41,3% para os homens e 27,4% para as mulheres com deficiência física. Se contraposto a taxa de atividade das pessoas com deficiência visual por exemplo, 63,7% e 43,9%, ou deficiência auditiva 52,4% e 31,3%, observa-se que a falta de oportunidade no mercado de trabalho para o público deficiente físicos se sobrepõe a estas duas deficiências, ficando à frente apenas da deficiência mental ou intelectual 22,2% e 16,1%.

7 CONCLUSÃO

Diante da pesquisa de campo em ambientes diversos, Instituto Médico Legal (IML), Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso (DEADI) e Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), conclui-se que o Estado é paternalista e ao mesmo tempo omissivo, despreparado e despreza a sexualidade do deficiente físico e que esse público também é vítima de agressões sexuais. O Estado pouco se manifesta sobre a sexualidade dos mesmos.

Os deficientes físicos são vítimas da família, que negam a existência de sua sexualidade, das instituições de educação e do Estado, que deveriam zelar pela liberdade sexual de cada indivíduo que o compõe, mas se abstêm até mesmo quando já existe a consumação do estupro de vulnerável.

Vários indivíduos encontram-se em processo de recuperação, adaptação e aceitação da deficiência, quando passam pelo trauma de um estupro e outras formas de violência sexual. O agressor utiliza-se exatamente de tal vulnerabilidade, física, e por vezes psicológica e emocional para a impunidade.

Trata-se de um crime vil, e praticado em diversos casos por pessoas que deveriam resguardar, proteger e auxiliar o deficiente físico, encontrando-se na função e garantidor, entre eles fisioterapeutas, médicos, e até mesmo familiares.

Os devotees e o ambiente virtual propiciam uma válvula de escape para esse grupo que tem sua sexualidade tolhida pela sociedade, entretanto, pela abstenção de diálogos reais com a família, e a devida discussão do Estado com a coletividade, alguns devotees buscam mais que conversas, trocas de experiências e relações sexuais, buscam a satisfação de seus desejos criminosos e pouco se fala a respeito, pois as vítimas não são levadas a sério.

A omissão do Estado é tamanha, que em Minas Gerais, por exemplo, não existe qualquer estatística sobre estupro de vulnerável voltada aos cidadãos deficientes físicos, enquanto existem estatísticas sobre crianças, adolescentes e deficientes mentais. Deficientes físicos também precisam de respeito como qualquer outra pessoa. É inconcebível tamanha diferenciação, que existe até mesmo dentro um grupo de pessoas elencadas como vulneráveis.

O papel do Estado não é tolher a liberdade sexual do deficiente físicos, ausentando-se como se a mesma não existisse, a fim de permear o tabu culturalmente existente, mas assegurar a cada um desses indivíduos que viva dignamente, e isso inclui o exercício pleno e livre da sua sexualidade. É inaceitável a manutenção de criminosos sexuais e homicidas por parafilia, por mera ausência e preconceito estatal.

Deficientes físicos têm direito a uma vida sexual saudável, e o direito a uma saúde sexual saudável é um direito fundamental. A sexualidade é integrante dos direitos de personalidade, e nela se inclui os direitos à autonomia sexual, integridade sexual, à segurança do corpo sexual e a educação sexual, com fulcro na Declaração dos Direitos Sexuais, de 1999.

Não cabe à sociedade capacitar ou incapacitar as pessoas para o exercício da sexualidade pautando-se em achismos, preconceitos e assistencialismo, mas reprimir e punir todas as formas de agressão e violência sexual impostas aos vulneráveis, em especial, os deficientes físicos, pois estes recebem um tratamento insuficiente por parte do Estado e de todo o corpo social. Negar a sexualidade a uma pessoa é impedir que se faça um ser humano completo.

REFERÊNCIAS

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Fonte: https://saraproton.jusbrasil.com.br/

*Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva; Pós-Graduanda em Ciências Criminais, PUC Minas e Direito da Saúde, Faculdade Arnaldo

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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