Diversidade e respeito: caminho para uma sociedade melhor
A matéria abaixo foi extraída da Revista Crescer.
A todo momento, ouvimos que um olhar novo para a diversidade é o caminho para uma sociedade mais feliz. Mas de que forma a gente começa essa conversa dentro de casa?
Por Thais Lazzeri
Quando Ana Beatriz, 3 anos, entrou na escola pela primeira vez há dois meses, falava muito dos novos amigos. Em casa, enfileirou seus bonecos um ao lado do outro e formou ali uma cópia da sua nova pequena sociedade: a sala de aula. Cada um ganhou o nome de um dos colegas. A mãe, Letícia Franco, foi acompanhar mais de perto a diversão da filha e viu que um dos amigos foi excluído da representação. Perguntou para Ana por que uma das meninas não estava ali e veio a surpresa. “Ela me disse: ‘Eu não gosto dela, mãe, ela é diferente’.” A menina que Ana julgou como diferente tinha Síndrome de Down. “Foi difícil lidar com aquilo. Não imaginava que ela, tão pequena, já pudesse rejeitar alguém somente por ser diferente.”
Para a publicitária Ana Clara Oliveira a saia-justa foi ainda mais precoce. Em uma praça perto de onde mora, notou que seu filho, Murilo, ainda um bebê na época, parecia preferir brincar sempre com as mesmas crianças. “Se eu insistia para ele brincar com outras, repetia um ‘eu não quero’, bem alto, e eu morria de vergonha. Um dia me dei conta que a rejeição era somente com as crianças negras”, afirma. Ana Clara continuou levando o filho ao local, tentou horários diferentes e, com calma, conta ter virado o jogo. “Ele passou a brincar com quem aparecesse.” Hoje Murilo está com 5 anos e, pouco tempo atrás, Ana Clara quase inutilizou todo o esforço feito quando o menino era pequeno. “Tudo ia bem e eu fiz uma bobagem. Estávamos voltando para casa e um cara que eu julguei como ‘mal-encarado’ veio em nossa direção. Com medo, acelerei o passo e entrei com meu filho em uma padaria. Não contente, ainda disse para o atendente: ‘Nossa, que medo!’ Na mesma hora, Murilo olhou para mim e disse: ‘Você ficou com medo porque ele era diferente?’ Ouvir aquilo me derrubou, simplesmente porque ele poderia mesmo estar falando a verdade”.
DE OLHO NO BULLYING
Está lá bem claro nas palavras do documento chamado Carta da Terra, uma espécie de código planetário com princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global mais justa, elaborado em conjunto com mais de 100 mil pessoas no mundo todo: “Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social”. Para acontecer, é bom parar de pensar que isso é discurso de político para ganhar prestígio ou de grandes líderes que lutam pela paz. Precisa pulsar dentro da sua casa, na escola, no ônibus, na festa de aniversário, no cinema, ao utilizar um serviço público, ao comprar uma roupa no shopping.
Se a criança conta que a classe toda riu de um menino que usa óculos, ou de um outro gordo demais e que caiu da cadeira, fique alerta: é preconceito que pode culminar em bullying, humilhação transformada em agressão física ou psíquica e que somente há pouco tempo ganhou os holofotes. E sabe a sociedade que o ditador Adolf Hitler queria para a Alemanha? Uma raça única de brancos iguais e perfeitamente saudáveis que, para ser conquistada, impulsionou a morte de 6 milhões de judeus e uma das maiores vergonhas da humanidade? É bullying também no maior extremo possível.
Rejeitar essas intolerâncias que podemos julgar como “pequenas” prepara o terreno para falar com as crianças sobre diferenças religiosas, o porquê das guerras e das grandes desigualdades sociais. Só assim podemos mudar números como o apontado por uma pesquisa realizada em junho do ano passado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 501 escolas da rede pública. Dos 18.599 mil alunos, pais e funcionários, nada mais nada menos que 99,3% deles admitiram algum tipo de preconceito, como racial, socioeconômico ou com portadores de necessidades especiais. Não tem jeito: educar uma criança é escancarar seus valores como uma mala se revela em um raio X de aeroporto. “A criança envolve-se com as atitudes e não com as palavras dos pais: caso eles pratiquem algum tipo de discriminação, o filho vai ser banhado por isso”, diz Maria Teresa Egler, educadora e professora da Unicamp (SP).
EDUCAR É MOSTRAR À CRIANÇA COMO IR ALÉM DO QUE ELA VÊ
DIVERSIFICAR PARA MUDAR
Mas o que fazer se na classe do seu filho, por exemplo, não há muita diversidade? Se você mora na parte urbana da cidade, pode até fazer viagens para uma comunidade ribeirinha que vive no norte do país ou para uma cidade de interior no sul, visitar o trabalho de uma ONG com crianças carentes ou um templo de uma religião diferente da sua, por exemplo. São ótimas ideias, sem dúvida, mas que tal simplesmente conversar sobre a diversidade? Vá mostrando, com sutileza, que qualquer grupo é passível de variações: um tem cabelo crespo, o outro liso; uma mãe prefere usar salto alto e outra só tênis, um aluno adora matemática, o outro língua portuguesa. “Ficará claro que as diferenças não farão ninguém gostar mais ou menos de outra pessoa. Assim, você ensina seu filho a respeitar o ser humano como ele é”, afirma Luciana Zaterka, diretora da Unidade II da Escola Carlitos (SP).
Uma das primeiras variações que uma criança percebe é a tonalidade da pele. Pesquisa feita em 1997 por norte-americanos mostrou que a partir de 6 meses os bebês reconhecem faces de uma raça diferente e que, por volta dos 3 anos, tendem a se aproximar mais daquelas cujo tom de pele é parecido. Não é preconceito e há o que fazer. “Mostre as semelhanças que seu filho não conseguiu ver. Você respeita o outro quando vê um pouco de si nele. Educar é transcender a diferença”, diz a monja Coen Sensei, uma ativista pela paz no Brasil.
O tema também pode estar na sala de aula. Mas não necessariamente algo formal, cheio de conceitos e lições de moral. A literatura infantil e outras manifestações culturais, como o teatro, por exemplo, é matéria-prima para a escola abordar esses assuntos. Promover encontros para quebrar a barreira social-econômica que a escola particular impõe é outra alternativa. Se é espaço de saberes, é de reflexão também. E mais do que mostrar a diferença, explicar como reagir a ela e o que ela significa. “Não é para você dizer que todo mundo é igual, porque não é. Se o outro tem uma deficiência, por exemplo, diga que aquilo não a torna nem melhor nem pior do que quem não tem”, diz Valter Roberto Silvério, sociólogo e consultor da Unesco.
Unir as palavras respeito e diversidade do jeito que deveriam é trabalho para a vida toda. Quanto mais seu filho respeitar o próximo, mais vai respeitar você e as pessoas que o rodeiam. E vai também respeitar a si mesmo e exigir – inclusive dos pais – que suas ideias e gostos sejam levados em conta. Vai aprender também outra palavra: compaixão. E diante de uma situação injusta, possivelmente gerada por preconceito, não somente terá discernimento para entender, como argumento e coragem para intervir.
João Wainer é fotógrafo da Folha de S.Paulo e dirigiu os documentários A Ponte e Pixo. Autor dos livros Aqui Dentro – Páginas de Uma Memória – Carandiru e Últimas Praias. Suas fotos já estiveram em exposições em São Paulo e Paris.