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Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação – Parte 1

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Caro leitor,
Durante as próximas semanas analisaremos o artigo “Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação” dos pesquisadores Antônio Álvaro Soares Zuin e Deborah Christina Antunes, ambos da Universidade Federal de São Carlos.

” . . . desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia” (Theodor W. Adorno)

Resumo

O objetivo deste artigo é realizar uma análise crítica de um tipo de violência escolar que vem sendo estudado no Brasil nos últimos anos, denominado bullying. Para isso, apresenta inicialmente seu conceito, a descrição dos comportamentos enquadrados, suas classificações, causas e determinantes. Por meio da crítica à razão instrumental realizada principalmente por Adorno e Horkheimer, denuncia-se como o conceito de bullying pertence a uma ciência pragmática que atende à manutenção da ordem vigente ao invés de colaborar para a emancipação dos indivíduos. Por fim, ao apresentar o conceito de preconceito aponta que se trata do mesmo fenômeno e que, como indicado pelos autores da Escola de Frankfurt, não deve ser combatido via imperativos morais, mas pela reconstituição da capacidade de experienciar nas diversas relações sociais vividas.

” . . . desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia” (Adorno, 1971/2003).

O “hoje em dia” de Adorno, da epígrafe, refere-se à Alemanha das décadas de 1950 e 1960, palco recente de um dos maiores genocídios que a humanidade já presenciou e realizou. No entanto, transposta à realidade educacional brasileira, essa frase não perde o valor, e com isso concordam muitos daqueles que vivenciam a violência dentro das escolas, e também daqueles que a conhecem de longe, por meio dos noticiários alarmantes, também formadores de opinião.

A preocupação com a violência no ambiente escolar, segundo Sposito (2001), emergiu nos estudos acadêmicos brasileiros a partir da década de 1980, ou seja, parece que a preocupação com a barbárie e o compromisso com uma educação contra a violência são ainda muito recentes no Brasil – apenas 26 anos. Mas, de fato, a história da educação no Brasil, comparada com o Velho Mundo, é recente. Segundo Sposito (2001), o estudo da violência escolar parte da análise das depredações e danos aos prédios escolares e chega ao final da década de 1990 e início dos anos 2000 com o estudo das relações interpessoais agressivas, envolvendo alunos, professores e outros agentes da comunidade escolar. De acordo com Abramovay e Rua (2003), a violência escolar é um fenômeno antigo em todo o mundo e configura um “grave problema social”, podendo ocorrer, conforme já classificado pela ciência e adotado pelo senso comum, como indisciplina, delinqüência, problemas de relação professor-aluno ou mesmo aluno-aluno, entre outros. Segundo Martins (2005), vários são os conceitos existentes que envolvem a violência na escola, além dos citados, tais como conduta anti-social, distúrbio de conduta e bullying, conceitos estes decorrentes de estudos realizados em diversas partes do mundo, revelando-se uma das grandes preocupações das sociedades industrializadas.

Bullying contra alunos com deficiência

Embora atualmente o estudo da violência tenha classificado suas diversas formas de apresentação e ocorrência nas escolas públicas e privadas, tais como a presença de gangues, de armas e do tráfico de drogas nas instituições escolares, a análise que se pretende realizar neste artigo é a respeito de uma delas, que se convencionou chamar no mundo todo, de bullying, denominação inglesa surgida na década de 1970 na Noruega, adotada atualmente por países europeus e africanos, além de Austrália, Japão, Estados Unidos, Canadá (Smith, Cowie, Olaffson & Liefooghe, 2002) e nos últimos anos, pelo Brasil, como nos trabalhos de Almeida Jr. e Queda (2007) e Chiorlin (2007).

Esse tipo de violência, que tem sido objeto de investigação em alguns estudos nacionais e divulgado cotidianamente pela mídia1, é conceituado como um conjunto de comportamentos agressivos, físicos ou psicológicos, como chutar, empurrar, apelidar, discriminar e excluir (Lopes Neto, 2005; Smith, 2002), que ocorrem entre colegas sem motivação evidente, e repetidas vezes, sendo que um grupo de alunos ou um aluno com mais força, vitimiza um outro que não consegue encontrar um modo eficiente para se defender (Lopes Neto, 2005; Martins, 2005; Rigby, 2002; Smith, 2002). Tais comportamentos são usualmente voltados para grupos com características físicas, sócio-econômicas, de etnia e orientação sexual, específicas (Smith, 2002). Alguns estudos apontam que ciganos, artistas de circo, estrangeiros e outros grupos nômades (Lloyd & Stead, 1998, 2001), além dos alunos obesos (Griffiths, Wolke, Page, Horwood & ALSPAC, 2005; Sjöberg, Nilsson & Leppert, 2005) e acima do peso (Janssen, Craig, Boyce & Pickett, 2004), os de baixa estatura (Stein, Frasier & Stabler, 2004) e os homossexuais e filhos de homossexuais (Clarke, Kitzinger & Potter, 2004; Holmes & Cahill, 2003; Ray & Gregory, 2001), são, estatisticamente, mais alvos de seus colegas do que crianças e jovens considerados “normais”.

Martins (2005) identifica o bullying em três grandes tipos. Segundo a autora, baseando-se no estudo teórico de produções na área, o que se chama por bullying é dividido da seguinte maneira: diretos e físicos, que inclui agressões físicas, roubar ou estragar objetos dos colegas, extorsão de dinheiro, forçar comportamentos sexuais, obrigar a realização de atividades servis, ou a ameaça desses itens; diretos e verbais, que incluem insultar, apelidar, “tirar sarro”, fazer comentários racistas ou que digam respeito a qualquer diferença no outro; e indiretos que incluem a exclusão sistemática de uma pessoa, realização de fofocas e boatos, ameaçar de exclusão do grupo com o objetivo de obter algum favorecimento, ou, de forma geral, manipular a vida social do colega. Lopes Neto (2005) alerta para um novo modo de intimidação, chamada cyberbullying, que na verdade é a utilização da tecnologia da comunicação (celulares e internet, por exemplo) para a realização desta violência.

Além desse conceito geral, os autores que trabalham no estudo desse fenômeno fazem referência à função do bullying para aquele que o pratica. Segundo Lopes Neto (2005), sua função é a realização da afirmação de poder interpessoal por meio da agressão, o que vai ao encontro do que Martins (2005) defende, a saber, que autores do bullying costumam agir com dois objetivos, primeiro para demonstrar poder, e segundo para conseguir uma afiliação junto a outros colegas. Há também, segundo Fante (2005), Lopes Neto (2005) e Smith (2002), a diferenciação de papéis. Assim haveria os intimidadores (líderes ou seguidores), as vítimas (passivas, agressivas provocadoras, e vítimas que também intimidam outros) e os não participantes (os que reforçam a intimidação, os que participam ativamente dela e que poderiam entrar na categoria de intimidadores seguidores, aqueles que apenas observam, e os que defendem o colega ou buscam por ajuda).

Alguns autores dissertam também a respeito de suas causas, que incluem, além de fatores econômicos, sociais e culturais, os relacionados ao temperamento do indivíduo, às influências familiares, de colegas, da escola e da comunidade (Lopes Neto, 2005), às relações de desigualdade e de poder, tidas como naturais por Smith (2002), a uma relação negativa com os pais e um clima emocional frio em casa, e às relações de poder existentes no ambiente escolar (Yoneyama & Naito, 2003).

De fato, a violência conceituada como bullying é observada nas escolas – e em outros ambientes como no trabalho, na casa da família, nas forças armadas, prisões, condomínios residenciais, clubes e asilos como apontam Fante (2005) e Smith (2002). Porém, antes de prontamente aceitar esta definição e classificação, é necessário refletir a respeito da medida em que elas possibilitariam a compreensão do cerne da violência. Apesar da divulgação ampla de tal conceito e de ter adentrado com todas as forças nas discussões sobre violência escolar no Brasil, nota-se a dificuldade de encontrar algum estudo que se proponha a investigar criticamente o bullying. Iniciar uma reflexão nesse sentido é a proposta desse artigo.

Acesse aqui e veja a segunda parte desse artigo.

Fonte: Revista Psicologia e  Sociedade. vol.20 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2008

Texto Completo
http://74.125.155.132/scholar?q=cache:LjKLV6y6jdsJ:scholar.google.com/+PRECONCEITO&hl=pt-BR&as_sdt=2000

Veja também nesse blog:
Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação – Parte Final
Bullying: características e tipos
Bullying em escolas
Internet permite novas dimensões à prática do bullying Bullying no trabalho é comum, mas vítima nem sempre percebe
Bullying: marcas de violência na escola

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

Um comentário sobre “Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação – Parte 1

  • O maior problema é que as escolas não tem administradores competentes, os supostos “educadores” são comodistas e deixam o circo pegar fogo para depois punir uma vítima de bullying que revide de forma considerada “violenta”. A meu ver, o moleque que é agredido sistematicamente quando revida com alguma truculência não está sendo violento, está apenas reagindo a uma violência anterior. Essa conversa de que “violência gera violência” e de apontar que a vítima “perde a razão” quando reage é idêntica à politicagem de desarmar o cidadão de bem para que esse não abata a tiros um assaltante que esteja tentando roubar…

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