E se um deficiente quiser viajar sozinho?
A matéria abaixo foi extraída do site Gazeta do Povo. O texto foi escrito pelo jornalista Rafael Bonfim do blog Inclusilhado.
O Governo Federal convocou reuniões preliminares para discutir a intensificação de ações voltadas ao turismo da pessoa com deficiência. A idéia é unir esforços com outros órgãos públicos e com a iniciativa privada para a implantação de projetos que estimulem e possibilitem o acesso aos destinos e empreendimentos turísticos.
Esses encontros iniciais reuniram a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que discute a adaptação de parte da frota das transportadores turísticas para atender à pessoa com deficiência, e, por fim, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A principal referência para a implantação de novos programas é o modelo de turismo acessível da Europa.
Depois de ler a notícia, fui buscar alguns dados e tive a dificuldade recorrente de encontrar números relacionados ao universo das pessoas com deficiência. Algumas perguntas que eu fiz a mim mesmo ficaram sem resposta:
– Qual é a parcela que a pessoa com deficiência representa no turismo do Brasil?
– Quantos atletas com deficiência o Brasil tem? São muitos eventos desportivos que temos, então esse pessoal precisa viajar.
– Uma cidade muito visitada, como o Rio de Janeiro, recebe uma média de quantos turistas deficientes no ano?
Eu sei que as perguntas parecem ser muito pontuais, mas se eu dirigir dúvidas similares aos idosos, não terei tanta dificuldade em ter pelo menos uma estimativa dessas informações. A terceira idade já foi incorporada como um nicho de mercado do turismo. A pessoa com deficiência não. Por que?
Comecei a lembrar das minhas experiências como turista e eu sempre viajo sozinho. Mas como é essa experiência em um país despreparado? Eu não penso e nem planejo meticulosamente minhas viagens. Escolho um destino e vou. Será que isso funciona?
Eu já passei a virada do ano em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Visitei também Foz do Iguaçu e Montevidéu e em todos os destinos eu não estava acompanhado por ninguém. Por uma razão de economia e de vivência, eu sempre tento me hospedar em albergues, ou hotéis mais baratos e, claro, não encontro instalações acessíveis. Eu insisto nisso por uma questão bem simples: a acessibilidade atitudinal.
A oportunidade de por vezes ser o primeiro hóspede com deficiência que um estabelecimento recebe é interessante para mim. A minha falta de companhia é relativa, porque quando chego ao lugar onde vou ficar, é inevitável conhecer pessoas, que acabam se envolvendo com as minhas demandas. Essa predisposição não é regra e eu já fui impedido de me hospedar em alguns lugares.
Quando fui ao Rio de Janeiro, liguei para mais de 8 albergues. Nenhum deles tinha elevador, nem quartos grandes e nem banheiros com acessibilidade fácil. Eu já sabia disso, então a falta desses elementos não influenciou minha escolha. Eu escolhi o único lugar que me disse “Nós não temos elevador e o acesso aos quartos é por escada, mas venha que a gente dá um jeito”.
Outra coisa que faz parte da viagem e que eu gosto muito é perceber como a cidade lida com a questão da inclusão. Os problemas que eu encontrei são muito parecidos, mas a maneira como a população responde a isso muda muito de um lugar para o outro.
O Uruguai me surpreendeu nesse sentido. Nenhum dos lugares que eu visitei ali estava arquitetonicamente pronto para um cadeirante, só que eu nem precisava pedir ajuda. A população se oferecia a me ajudar a atravessar a rua, subir escadas, abrir portas, guardar a cadeira em taxis e por ai vai. O mais interessante é que os uruguaios que eu conheci não faziam nenhum tipo de discriminação em relação a mim. Nem pelo fato de eu ser deficiente, ou por eu ser estrangeiro e não falar espanhol.
Essa inclusão por meio de atitudes não é a resposta para um turismo inclusivo. O ideal é que isso esteja sim acompanhado por programas que envolvam obras, treinamento de profissionais e até pacotes especiais. Honestamente, o Brasil está muito longe disso e na minha opinião, é por falta de visão holística.
A Mara Gabrilli tem um depoimento muito legal sobre o turismo na vida dela. Ela esteve em muitos lugares, no Brasil e no exterior, e trouxe um conceito interessantíssimo, que viu no Japão, de acessibilidade. Ela notou que em alguns hotéis não há quartos adaptados e nem cotas para isso. Eles resolveram o problema fazendo com que 100% dos quartos fossem acessíveis para deficientes, idosos, obesos, crianças e adultos, tudo ao mesmo tempo. Se não houver nenhum hóspede que precise disso, tudo bem, se houver, está tudo certo.
Esse é o Desenho Universal e é notável por não fazer distinção. Ao invés de ficar separando coisas, ou encarando a inclusão como algo a parte, especial, eles incorporaram isso ao global. Pronto.
Enquanto isso não acontece por aqui, vou continuar encorajando que pessoas com deficiência viagem para onde quiserem, acompanhadas, ou não. É um desafio, sem dúvidas. Eu já passei por situações difíceis por estar em um lugar não preparado para me receber e por não dominar o idioma local, mas eu sobrevivi. Além disso, eu tenho certeza que a atitude de quem me atendeu mudou permanentemente. Foram vivências de aprendizagem mutua muito válidas.
A pessoa com deficiência tem um potencial individual de transformação que merece ser encorajado. Abra a sua cabeça. Faça as suas malas.
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