Educação Inclusiva

Educação Inclusiva: da utopia a uma política educacional

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Andy Holzman/Staff Photographer)Caro leitor,

O artigo abaixo foi extraído do site Revistas Eletrônicas Unijuí. O artigo foi escrito pela pesquisadora Lenir Santos Schettert.

RESUMO

Este texto propõe uma reflexão sobre a Educação Inclusiva, que se apresenta como um novo paradigma educacional, a partir dos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96. O conhecimento da Educação Inclusiva é condição basilar para uma prática que se enseja emancipatória e inclusiva, sendo necessário aprofundar os estudos sobre os aspectos teóricos que têm norteado o processo educacional voltado para a inclusão do aluno portador de necessidades especiais.

A presente reflexão fluiu dos questionamentos que surgiram a partir da própria prática educacional, sobretudo no que se refere ao trabalho do dia-adia dos professores em escolas de ensino regular, principalmente daqueles que atuam no Ensino Fundamental, diante do reordenamento legal da educação, expressando um novo conceito de inclusão para os alunos portadores de necessidades educacionais especiais. Traz no seu bojo o conceito de educação como um processo de formação que constrói identidades e sujeitos na interação com o mundo cultural. Isso significa que o ser humano se desenvolve à medida que age e interage num mundo de diversidade e de enriquecimento com o heterogêneo.

A escola não pode homogeneizar o processo ensino-aprendizagem, sob pena de prejudicar a formação de identidades dos seus alunos. Toda a discriminação que resulta em dualidade torna-se nociva para a construção da identidade de qualquer pessoa. Nos dias atuais, é preciso superar a visão de que cabe ao aluno adequar-se à escola; ao contrário, cabe a escola tornar-se acolhedora, criando um ambiente prazeroso, que garanta ao aluno o acesso a ela, o que vai além da mera matrícula, priorizando a permanência com qualidade, o que implica apropriação do saber e oportunidades educacionais.

Ao longo da história da humanidade as pessoas com necessidade educacionais especiais foram muitas vezes banidas da vida em sociedade por preconceitos que se estabeleceram, cristalizados em práticas excludentes, baseadas na sobrevivência dos grupos sociais em épocas mais primitivas, mais tarde em mitos alicerçados no senso comum e, posteriormente, em fundamentos teleológicos/filosóficos. No decorrer dos séculos essas práticas serviram como modelo, influenciando a concepção de mundo e de homem nas sociedades, determinando as formas de relações que se estabeleciam com as pessoas que apresentassem qualquer tipo de deficiência (Pessoti, 1984).

Foram necessários muitos séculos de lágrimas e dores para que estudiosos começassem a estudar e a pesquisar as causas das deficiências, o que contribuiu para que se alterasse a concepção acerca das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. No Brasil, desde a instalação da vida em sociedade, a situação não foi diferente e seguiu os mesmos parâmetros em relação à deficiência trazidos pelos colonizadores. Somente a partir da metade do século XIX começaram a surgir algumas ações voltadas para essa questão.

As primeiras décadas do século XX, no Brasil, segundo Jannuzzi (1985), caracterizaram-se como um período voltado para as vertentes médico-pedagógicas, uma vez que o diagnóstico em relação às práticas pedagógicas e psicopedagógicas estavam subordinadas ao médico. O modelo clínico e a institucionalização eram priorizados, predominando a segregação no atendimento educacional.

A partir da metade do século XX são criadas as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais no Brasil, a primeira em São Paulo, em 1951, tendo o movimento apaeano, a partir daí, alastrado-se por vários recantos do país, desenvolvendo um trabalho de relevância social e de respeito aos portadores de necessidades educativas especiais. As Apaes foram, ao longo das últimas décadas do século XX, um suporte qualificado no atendimento educacional das deficiências, voltando-se para a defesa dos direitos dos portadores de deficiência, com a participação das suas famílias em todo o desenvolvimento do processo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorrida em 1948, significou uma conquista para a evolução da visão da sociedade em relação à deficiência, com uma concepção de direitos humanos fundamentada no reconhecimento da dignidade de todas as pessoas e assegurou o direito de todos à educação pública e gratuita, reforçando o movimento mundial de integração de pessoas com deficiência e defendendo oportunidades educacionais e sociais para todos. Isso contribuiu fortemente para a criação dos serviços de educação especial e classes especiais em escolas públicas no Brasil. De acordo com Kassar (in Gaio; Meneghetti, 2004): […] estavam vinculadas diretamente ao Ministério da Educação e Cultura – MEC e tinham como funções: a promoção em todo o território nacional, de treinamento, reabilitação e assistência educacional às pessoas com de ficiências; a cooperação técnica e financeira com entidades públicas e privadas; e o incentivo de organização de cursos e entidades voltados a essa área.

Quando foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 4024/61, que expressou uma política nacional de educa-ção com recomendação para a integração, no sistema geral de ensino, da educação dos excepcionais, denominação dada na época às pessoas com deficiências, o panorama existente apontava para uma série de instituições particulares de caráter assistencial e classes especiais públicas. A proposta da LDBEN nº4024/ 61 para a educação especial, contudo, segundo Mazzotta (1996), referia que “[…] as ações educativas desenvolvidas em situações especiais estariam à margem do sistema escolar” ou “sistema geral de educação” (p. 68).

A partir de 1971, com a LDBEN nº 5692/71, no seu artigo 9º, a clientela da Educação Especial foi definida como aqueles alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais, e aqueles que se encontrassem em atraso quanto à idade regular de matrícula e, ainda os superdotados, com tal definição sendo respaldada pelo discurso das potencialidades inatas. Isso serviu para que as crianças ditas “atrasadas” em relação à idade regular de matrícula fossem consideradas “deficientes mentais educáveis”, ou “treináveis”. Assim,  a clientela da Educação Especial passou a ser considerada como aquela que apresentava “problemas de aprendizagem” ou problemas “sociais”, uma vez que com a expansão da rede pública de ensino ocorreu o ingresso da população economicamente menos favorecida (Carneiro, 1996).

Conforme Monte e Santos (2004), em março de 1990, em Jomtien, na Tailândia, ocorreu a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, com uma abordagem que destacou a importância de universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade, assinalando ainda que as necessidades básicas das pessoas portadoras de deficiência necessitam uma atenção especial e de medidas que possam garantir a igualdade de acesso à educação aos portadores de deficiência sem restrições, integrando essas pessoas no sistema educativo.

Esse contexto foi propício para que ocorresse também a Conferência Mundial sobre as Necessidades Educacionais Especiais – Acesso e Qualidade, em 1994, numa promoção do governo espanhol juntamente com a Unesco, cujo documento oficial apresentou as diretrizes básicas para a educação especial.

Todo esse movimento mundial enfocando novos conceitos para a educação especial também se fez sentir no Brasil. Sabe-se que o reordenamento civil ocorrido no país, a partir de 1988 favoreceu uma ampla discussão referente às questões políticas, sociais e educacionais, buscando respostas mais justas e fraternas para a sociedade. A educação, sobremaneira, tem sido palco de profundos e profícuos debates, o que tem propiciado que a questão sobre a educação de pessoas com deficiência avance e que a sociedade se mobilize no sentido de buscar alternativas que correspondam aos seus anseios.

Atualmente existem mecanismos legais que garantem o direito de aprender a qualquer pessoa; é preciso, então, que as políticas existentes tornem-se mais efetivas, atendendo aos princípios legais da política nacional de educação, que resguarda o direito da pessoa à educação, com respeito à diversidade da população escolar. Construir e criar condições, possibilitando o atendimento às diversidades dentro da escola, é o grande desafio da educação atual, ou seja, perceber o aluno na sua totalidade e considerar suas necessidades e peculiaridades, promovendo seu pleno desenvolvimento.

No Brasil, o direito à educação a todas as pessoas portadoras de necessidades especiais é assegurado pela Constituição Federal de 1988, que inclui em seu texto legal a priorização do atendimento ao aluno com deficiência no ensino regular, explicitando a participação das instituições particulares, e pela Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, de 1989, expressando ambos os textos garantia a uma vida digna, ao acesso à escola, à oportunidade de trabalho, ao lazer e ao esporte de forma plena.

No âmbito escolar, a criação de serviços para o atendimento das pessoas em suas necessidade especiais é um dever do Estado. A Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, preconiza os fundamentos legais para que essa transformação ocorra na escola, de forma que a educação atenda aos princípios democráticos. Em relação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de acordo com Kassar (In Gaio; Meneghetti): Especificamente quanto ao atendimento das pessoas com deficiências, a Lei 9. 394/96 propõe “o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (art. 4º, III) e prevê, pela primeira vez, a existência de serviços de apoio especializado na escola regular (art. 58, § 1º), abrindo a possibilidade ao atendimento em classes, escolas ou serviços especializados, quando não for possível a integração na classe comum. Explicita, também, a oferta de Educação Especial como dever do Estado, na faixa etária de zero aos seis anos, dentro da previsão das mudanças que devem ocorrer na educação infantil (art. 58, § 3º) (2004, p. 36).

Essa orientação também encontra-se expressa no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01) e no Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. O Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul também tratou da educação especial. A Comissão de Educação Especial desse Conselho elaborou normas para a oferta dessa modalidade de ensino – Parecer nº 441/2002 – que trata dos parâmetros para a oferta da educação especial no sistema estadual de ensino, e da Resolução nº 267/2002, que fixa os parâmetros para a oferta da educação especial no sistema estadual de ensino.

A inclusão de alunos portadores de necessidades educacionais especiais está, pois, definida na legislação educacional como uma modalidade que perpassa todas as etapas e níveis de ensino, garantindo-lhes o direito ao acesso e permanência no sistema regular de ensino. A Educação Inclusiva vem, assim, referendar a democratização do ensino, que preconiza a universalização do atendimento educacional com qualidade, buscando superar uma prática seletiva e excludente. A partir dessa nova ótica torna-se evidente uma necessária reestruturação dos sistemas de ensino que favoreça a reorganização escolar, assegurando aos alunos as condições de acesso e permanência em classes de ensino regular.

É uma mudança que deve ter como ponto de partida a qualificação dos professores, por meio da formação continuada, oferecendo-lhes as condições indispensáveis ao desenvolvimento de uma prática pedagógica que atenda à diversidade das necessidades de seus alunos e, nesse sentido, esta reflexão é uma contribuição com a prática pedagógica dos professores que atuam no ensino regular e, muitas vezes, sentem-se ansiosos e despreparados para trabalharem a partir do paradigma inclusivo, alegando que as escolas não estão suficientemente preparadas para tal prática, bem como os cursos de formação que cursaram não os qualificaram para essa finalidade.

Sabe-se que no mundo atual há uma exigência cada vez maior com a qualidade da educação, para que esta corresponda às necessidades da sociedade. Esta não é uma questão meramente epistemológica mas, sobretudo, implica uma postura histórico-reflexiva dos educadores sobre a educação, pois conforme Gudsdorf (1987, p. 14) “a educação é o alargamento do horizonte intelectual, relacional e expressivo, na dinâmica das expectativas vividas e na totalidade da aprendizagem da humanidade pelos homens.”

A Educação Inclusiva assume, assim, um caráter interativo na educação geral, apontando para uma ação transversal, permeando todos os níveis e modalidades de ensino. Para a sua concretização, contudo, são necessários recursos humanos habilitados, que viabilizem a transformação efetiva da prática educativa. Isso requer em formação e capacitação docente continuada para que o sistema educacional inclua a todos, dando conta da diversidade dos alunos e oferecendo respostas adequadas as suas características e necessidades.

A escola, numa perspectiva de inclusão, precisa aprofundar sua reflexão quanto à fundamentação teórica, pois o fazer pedagógico inclusivo não ocorre somente no âmbito da práxis. Essa construção exige o embasamento de referenciais teóricos, objetivando à qualificação do processo educacional, o que requer uma atitude mais científica do educador. A força da lei que prevê a inclusão no ensino regular do aluno portador de necessidades educacionais especiais não é, por si só, garantia de efetivação da inclusividade no ensino regular. A Educação Inclusiva não pode ser encarada como um modismo ou uma prática sem conseqüências, principalmente porque a prática de ações irrefletidas concorrerá para a produção de resultados contrários àqueles esperados, reduzindo as possibilidades educativas.

No âmbito da educação especial, a democratização implica um conceito de educação como direito social, superando o modelo médico do cuidar, do clínico e terapêutico, apontando para um padrão social e cultural que valorize a diferença como forma de aprendizagem. O paradigma da Educação Inclusiva substitui a visão de aluno “deficiente e incompleto” pela visão de aluno que apresenta diferenças individuais e, por isso, não precisa ser isolado para receber tratamento especializado, mas exige da escola respostas de caráter pedagógico e com melhor qualidade. Este é, pois, o grande desafio que está posto aos educadores na atualidade, muito embora saiba-se que a estrutura da escola regular tenha muito a avançar para que esse processo se efetive satisfatoriamente.

Existe um compromisso legal para com a educação de alunos com necessidades especiais no país que abarca todos os entes federados e municí- pios. Para que os preceitos legais possam realmente se efetivar, contudo, há necessidade de que esse compromisso seja assumido efetivamente, não só pelos educadores que atuam na educação especial, mas por toda a sociedade, para que as mazelas historicamente construídas em relação à deficiência sejam superadas.

A evolução histórico-social do conceito de inclusão indica a necessidade de um aprofundamento do debate sobre a diversidade. Significa uma busca pela compreensão da heterogeneidade, das diferenças individuais e coletivas, das especificidades do ser humano e, principalmente, buscar compreender as diferentes situações da realidade social e do cotidiano escolar.

É necessária uma profunda reflexão sobre os conceitos historicamente construídos acerca da deficiência dos alunos que, de certa forma, foram se cristalizando no imaginário social, induzindo a uma prática pedagógica limitadora, ainda presente na escola. Nas palavras de Monte e Santos: Embora haja avanços na esfera conceitual, as representações míticas, os preconceitos e estereótipos acerca das pessoas com deficiência construídos culturalmente determinam e expressam nossas atitudes e ações consciente ou inconscientemente no contexto familiar, escolar ou comunitário. Essas barreiras atitudinais são, por vezes, evidenciadas pelos mecanismos de negação das possibilidades dessas pessoas, fortemente firmados no conceito de limitação e incapacidade, manifestos pelo assistencialismo e paternalismo ainda vigentes em nosso meio (2004, p. 11).

Ressalta-se que a inclusão está edificada numa dimensão humana e sociocultural que busca realçar maneiras de interagir que sejam positivas, dando sustentação para que as pessoas com necessidades educativas especiais tenham oportunidades de buscar sua superação. Para que isso ocorra o ponto de partida é o acolhimento desses alunos e de suas famílias na comunidade escolar.

Segundo Sassaki, uma prática inclusiva pode ser geradora de modificações que propiciem a construção de uma sociedade inspirada em princípios que celebrem as diferenças e priorizem a qualidade de vida de todos os sujeitos, pois o autor entende a inclusão social como “o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade (1997, p. 41).

Cabe, então, à comunidade escolar questionar-se sobre o real significado da educação inclusiva, que propõe a igualdade de oportunidades para todos os alunos, refletindo sobre as demandas e as necessidades que se impõem nesse processo de aprendizagem. A escola deve questionar se a sua organização atende às demandas que se apresentam e se a sua prática pedagógica está voltada para a diversidade; deve também estar atenta ao nível de participação dos pais, alunos, enfim, da comunidade. São dúvidas e inquietações que perpassam todo esse processo, mas que podem servir para que essa reflexão ocorra de forma mais sistematizada, contribuindo para que o desenvolvimento do trabalho se dê com mais qualidade.

O princípio norteador na educação de pessoas com necessidades educativas especiais é o respeito às diferenças, alicerçado na concepção e na busca concreta de uma inclusão responsável, percebendo esse aluno na sua totalidade humana e levando em consideração seus aspectos orgânicos, suas condições sociais, psicológicas, familiares e econômicas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 10% da população mundial apresenta algum tipo de necessidade especial, ou seja, deficiência física, visual, auditiva, mental ou múltipla, distúrbios de conduta ou superdotação, conforme expresso no PNE/ 2001. Por isso, a inclusão deve estar voltada para todos os alunos, independentemente de etnia, classe, gênero e características individuais. Uma proposta de educação, segundo Aranha:

[…] deve sensibilizar os educandos para novas formas de convivência baseadas na solidariedade e no respeito às diferenças, valores essenciais na formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres e sensíveis para rejeitarem toda a forma de opressão e violência (2004, p. 10).

A inclusão exige muito mais que meros recursos didáticos, arquitetônicos ou atitudinais, com uma aceitação das singularidades dos indivíduos e, como afirma Werneck:

Participar da construção de uma sociedade inclusiva é como fazer longos passeios por novas idéias e sentimentos. Refletir sobre a inclusão acorda nossos monstros mais íntimos. Com alguns deles nunca havíamos nos deparado antes. Não adianta querer reduzir as dimensões do que será caminhar pela trilha de uma sociedade inclusiva. Temos que nos arriscar (1997, p. 157).

A educação é um direito fundamental e no atual contexto histórico, político e educacional, apresenta uma dimensão de inclusão, posto que trabalha com conceitos estruturantes numa concepção que tem como pressuposto os direitos humanos. É, pois, um caminhar para a frente, sempre em busca da “utopia” que tenha como pilar principal para uma nova prática pedagógica a ideia da diversidade como fator de enriquecimento social e o respeito às necessidades de todos os alunos, contribuindo para a construção de espaços
inclusivos em todas as instâncias da vida na sociedade.

A prática da educação inclusiva percebe o aluno como o ponto central de toda a ação educativa, tendo com principal objetivo garantir a sua caminhada no processo de aprendizagem e de construção das competências necessárias para o exercício pleno da cidadania. Por isso, é imprescindível que toda a comunidade escolar, isto é, gestores, professores, alunos, familiares, funcionários, participem ativamente das ações propostas. É importante, contudo, que tenhamos presente as palavras de Aranha:

Sabemos que as escolas públicas geralmente fazem parte de uma rede, o que, historicamente, as manteve em situação de dependência administrativa, funcional e mesmo pedagógica, limitadas na autonomia e controladas sob mandatos. No que se refere ao professor, sua liberdade de ação se restringiu, durante muito tempo, às ações internas da sala de aula (2004, p. 8).

É necessário que ocorram mudanças nessa cultura e nas suas práticas para que se efetive a escola inclusiva. A superação dessas dificuldades somente ocorrerá se houver convicção de que a escola precisa mudar, construindo-se novas formas de relações para a prática pedagógica, que considerem o potencial e o interesse dos alunos. Incluir todas as crianças e adolescentes na escola é supor considerações que dizem respeito à ética e à justiça e ainda ao direito de todos de acesso ao saber e à formação.

A inclusão impõe-se como uma possibilidade favorável ao aperfeiçoamento da educação escolar, propiciando desenvolvimento a todos os alunos, tenham eles alguma deficiência ou não. Sobretudo, porém, diz respeito a uma disponibilidade interna do ser humano para se colocar diante dessas inovações e, essa é uma condição que nem sempre é própria de cada professor. Mantoan enfatiza que:

A inclusão escolar envolve, basicamente, uma mudança de atitude face ao Outro: que não é mais um, um indivíduo qualquer, com o qual topamos simplesmente na nossa existência e com o qual convivemos um certo tempo, maior ou menor, de nossas vidas (in Gaio; Meneghetti, 2004, p. 81).

Há também que se considerar que para as mudanças propostas pelo ensino inclusivo possam de fato se efetivar, é necessário uma reestruturação quanto aos métodos e técnicas de ensino, haja vista que persiste em boa parcela das escolas uma prática identificada com a abordagem tradicional, sustentando a transmissão de conhecimentos e a individualização das atividades de
aprendizagem.

A escola inclusiva tem presente que o aprender pode ser um ato cooperativo entre os alunos, o que contribui para a socialização, respeito e aceitação do outro, principalmente quando as atividades tenham como referência o interesse e as possibilidades de cada aluno, pois:

A cooperação cria laços muito fortes entre os alunos e propicia interações que encorajam os menos habilitados. Muitas vezes acontece a um aluno ser tutorado naturalmente por outro colega mais capacitado em uma matéria.

Esse apoio espontâneo é mais um meio de se fazer com que a turma reconheça que cada um tem suas habilidades, talentos, competências, dons, facilidades para abordar o leque dos conteúdos acadêmicos (Mantoan, in Gaio; Meneghetti, 2004, p. 85).

A escola inclusiva é um direito de todos, e se apresenta como uma árdua tarefa para aqueles professores comprometidos com a educação. Não é, porém, uma proposta inexeqüível, uma vez que é possível superar os entraves ainda existentes no meio educacional e ir adiante com a proposta de uma prática inclusiva, embasada na democracia, promotora do ser humano e acolhedora de todos os alunos.

A educação para pessoas com necessidades especiais apresenta hoje um enfoque de educação integradora, alicerçando-se em um paradigma que considera a diferença como algo inerente na relação entre os seres humanos.

Há entraves, contudo, que precisam ser superados, como o modelo pedagógico de caráter clínico, ainda tão presente na educação, o qual determina para o “aluno com problemas” somente a intervenção terapêutica. Por isso, os procedimentos didático-pedagógicos necessitam ser repensados, pois eles só têm sentido se considerarem todos os alunos como seres aprendentes, respeitando-se e valorizando-se o “tempo” de cada um, num permanente diálogo com as diferenças.

Não podemos mais nos referir apenas de aluno ou pessoa especial, mas de aluno ou pessoa diferente. O conceito de diferente é mais abrangente que a noção de especial, pois nele não se incluem só os portadores de deficiências, mas todas as minorias que vêm lutando para afirmar suas diferenças. Por isso, devemos entender o conhecimento como construção a partir de condições socioculturais que buscam integrar o todo, pois segundo Gaio e Meneghetti:

A pior deficiência é a deficiência da alienação, do silêncio, que leva os membros de uma sociedade que têm olhos, ouvidos, cérebro em perfeitas condições, enfim corpos biologicamente perfeitos, a não verem, a não ouvirem, a não entenderem e nem pensarem nas necessidades dos seres humanos. Estes que nasceram ou se tornaram diferentes em sua estrutura corporal, são igualmente capazes e gritam por liberdade moral e social. Eles querem mostrar– se, realizar todas as atividades possíveis e imagináveis, querem amar e ser amados, enfim, querem viver, pois não estamos mais no
período histórico no qual a organização priorizava a sobrevivência humana e esta dependia única e exclusivamente do poder do homem em lutar contra seus predadores (2004, p. 172-173).

A Educação Inclusiva, na sociedade atual, deve ser fruto das peculiaridades do ser humano, como diferenças no mundo constituído das singularidades. Assim, cada sujeito, com suas características individuais, contribui positivamente nos sentidos de vida e plenitude, na multiplicidade das formas de existência humana. Quando todos os alunos estiverem incluídos em uma escola, estudando, o que é um direito seu, certamente teremos avançado na caminhada pedagógica a qual nos propusemos, superando obstáculos e persistindo sempre.

Concluindo, é urgente entender que vivemos numa sociedade global, constituída pelas diferenças e que, por isso, a Educação Inclusiva assume a condição de permanente desafio para aqueles educadores que, ultrapassando as fronteiras do imaginário pedagógico tradicional, percebem o processo de inclusão como um trabalho de construção contínua, sem verdades pré-estabelecidas. E, ao ressignificar o fazer pedagógico, esses educadores sejam capazes de promover a emancipação dos seres humanos, com respeito, afeto e dignidade, estabelecendo um processo inclusivo e projetando um futuro possível para a educação.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria S. F. Educação inclusiva. Brasília: MEC; Seesp, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
______. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, 1989.
______. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.
______. Conselho Estadual de Educação. Comissão Especial de Educação Especial.
Pareceres nº 441/2002 e Resolução nº 267/2002. Porto Alegre, 2002.
CARNEIRO, Moaci Alves. LDB Fácil. Petrópolis: Vozes, 1996.
GAIO, Roberta; MENEGHETTI, Rosa G. K. Caminhos pedagógicos da educação
especial. Petrópolis: Vozes, 2004.
GUDSDORF, Georges. Professores, para quê? Para uma pedagogia. São Paulo: Mennon, Editora Senar, 1997.
JANNUZZI, G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez,
1985.
MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil – histórias e políticas públicas. São
Paulo: Cortez, 1996.
MONTE, Francisca R. F.; SANTOS, Idê Borges. Saberes e prática da inclusão. Brasí-
lia: MEC, Seesp, 2004.
PESSOTI, Isaías. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A. Queiroz; Edusp, 1984.
SASSAKI, R. K. Inclusão – construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro:
WVA, 1997.
WERNECK, Cláudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Porto
Alegre: Mediação, 1997.

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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