Eles ficam até morrer: adoção de crianças com deficiência em abrigos é rara
Em quase 10 anos, apenas seis crianças foram adotadas em Salvador
Por Alexandre Lyrio
Aos 34 anos, Valdir é um bebê. A voz aguda e a fala incompreensível, o olhar perdido, as birras infantis. Encontrado por garis dentro de um saco de lixo ainda recém-nascido, desde então mora em uma instituição de acolhimento de Salvador. Ainda pequeno, apresentou problemas psicológicos. Jamais foi adotado. Nunca viveu longe da Organização de Auxílio Fraterno (OAF), na Lapinha.
Apesar disso, mesmo sem qualquer referência de família, Valdir ainda surpreende o diretor presidente do abrigo. “A OAF é o pai e a mãe de Valdir. Somos a família dele”, disse Jozias Sousa, emendando uma pergunta ao rapaz. “Quer ver? Valdir, se aparecer uma família querendo te levar daqui, você vai?” O olhar que era perdido ficou atento. Valdir com seus 34 anos respondeu na lata: “Vou, sim! Eu queria uma família.”
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Se tivesse um pai, talvez o presenteasse hoje, Dia dos Pais, com um abraço. Carinho que seria estendido à mãe, irmãos, quem mais o acolhesse. Ter uma família é algo intrínseco a qualquer ser humano, mas ainda é uma possibilidade muito distante para um grupo específico de pessoas: crianças e jovens com deficiência que vivem em instituições de acolhimento de Salvador. Foi o que mostrou um relatório da Human Rights Watch (HRW), uma organização internacional que realiza pesquisas sobre direitos humanos no mundo inteiro.
A HRW visitou 19 instituições de acolhimento nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal, e fez 171 entrevistas com pessoas com deficiência. Entre elas, 10 crianças, familiares, funcionários das instituições, Defensoria Pública e autoridades. Denominado “Eles Ficam Até Morrer”, o relatório final deste trabalho afirma que a esmagadora maioria dessas pessoas entra nas casas de acolhimento ainda crianças e continua a viver lá quando adultos, algumas por toda a vida, boa parte delas em condições de isolamento e sem qualquer autonomia.
A radiografia feita pela pesquisa é fortalecida pelos números da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador. Em quase 10 anos, entre 2009 e 2018, cerca de 250 crianças e jovens foram adotadas na capital baiana através do Cadastro Nacional de Adoção. Apenas seis delas tinham algum tipo de deficiência física ou mental leve. Duas tinham síndrome de down.
Em Paripe, um jovem acometido por uma deficiência progressiva que compromete os músculos de suas pernas é um dos anônimos citados pela HRW. O descobrimos no Lar Pérola de Cristo, na orla da Praia de Tubarão, Subúrbio Ferroviário, que hoje tem 66 acolhidos, dez deles com deficiência. Diferente de Valdir, Charles Santos Pereira, 21, chegou na instituição aos 10 anos em condição de risco social. Foi adotado por uma família durante alguns anos. Mas, acabou devolvido para a instituição.
“Algumas pessoas pensam em adoção como se fossem levar para casa algum objeto. E desse mesmo jeito, como se fossem objetos, elas devolvem. Infelizmente, no Brasil não há punição para quem resolve devolver uma criança adotada”, afirma uma das assistentes sociais do Pérolas de Cristo, que pediu para não ter o nome divulgado. “O transtorno de uma criança não impede que se tenha um laço de amor e carinho com uma família. A sociedade precisa conhecer essas crianças”, afirma.
À Human Rights, durante a pesquisa realizada em 2017, Charles disse que sonhava em voltar a ver o mar, que fica a 200 metros de seu quarto. Na época, não tinha sequer uma cadeira de rodas para se locomover. Andar é muito doloroso para ele. 8De lá para cá, conseguiu ter acesso a uma cadeira. Pode voltar a ver o mar, mas o retorno para uma família é algo quase inatingível. Principalmente pela sua idade.
Na verdade, Charles tem um padrinho afetivo (veja mais abaixo). É a única coisa que, além dos jogos do Brasil na Copa do Mundo, faz os seus olhos brilharem de verdade. “Ele me leva para passear. Ele me trata bem”. No caso de Charles, as chances de que ele seja institucionalizado para sempre são grandes. Foi o que aconteceu com os irmãos Firmino e Carlos, da OAF. Antes de Valdir, viveram e morreram na instituição com cerca de 40 anos.
Mas, há sim esperança de que algumas dessas crianças com deficiência possam ser adotadas. Guilherme e Gabriel, ambos de 8 anos, são dois dos xodós da OAF, que cuida de 73 crianças e jovens, entre elas os três especiais (Valdir, Gabe e Gui). “No caso de Valdir, claro, é muito difícil. Mas, Guilherme e Gabriel podem, sim, levar muita alegria para uma família”, aposta Jozias Sousa.
As chances de adoção aumentam um pouco quando as crianças são bem novinhas. No Lar Vida – Valorização Individual do Deficiente Anônimo, na Estrada Velha do Aeroporto, dois bebês recém chegados dão ainda mais vida ao lugar. Rafael e Victor foram abandonados. O primeiro no Hospital Martagão Gesteira. O segundo na Maternidade Tsylla Balbino. Ambos nasceram prematuros. Ambos têm hidrocefalia. Ainda serão colocados para adoção.
“Sinceramente? Você está fazendo esse trabalho, mas acho difícil que essa realidade mude. Existe um preconceito, sabe? Além, claro, de essas crianças demandarem uma atenção especial”, afirma Maria Cristina Caldas, que fundou o Lar Vida 32 anos atrás.
A casa de acolhimento cuida de 39 crianças e adolescentes com deficiência. Mas, no total, são 103 institucionalizados. Os demais são adultos. A maioria cresceu na instituição. Por isso, as esperanças de adoção que recaem sobre os dois recém-nascidos estão muito longe da realidade de Leonardo Bahia, 34, o Leléu, um dos primeiros a chegar no Lar Vida. Seu sobrenome, como o de muitos ali, foi criado. Não se sabe sua origem.
Leléu é cego e tem dificuldades de locomoção. Os médicos dizem que ele também é surdo. Mas, ao ouvir a voz de Maria Cristina, levanta as vistas.
“Ele é lindo. Todo dia eu tenho que vir aqui por causa de Leléu. Ele fica me esperando”, diz Maria Cristina, levando-o para a equoterapia que funciona dentro do espaço da instituição.
Ali, todos chamam Maria Cristina de mãe. “Eu nunca pedi. Eles que chamam”. Depois de mais de três décadas de atuação, o Lar Vida só teve “oito ou nove” crianças adotadas, conta nos dedos Maria Cristina. “São poucas, mas significativas”, diz.
“Eu acho que, pelo menos, essa reportagem pode ajudar a sensibilizar o poder público a investir mais nas instituições ou a dar um suporte maior às famílias onde nascem essas crianças especiais”.
Condições
É exatamente o que diz o relatório da HRW. A falta de políticas públicas que amparem as famílias das crianças seria uma das causas do problema. Por isso, além de tratar das dificuldades de adoção, o relatório denuncia as condições que muitos desses jovens vivem dentro das instituições.
“Nessas instituições, crianças e adultos podem enfrentar negligência, condições desumanas e abuso, com pouco respeito a sua dignidade e necessidades ou preferências individuais”, diz um trecho da pesquisa.
Muitos adultos que vivem em instituições são vítimas de detenção ilegal, de acordo com as obrigações do Brasil perante o direito internacional, uma vez que um responsável legal os coloca nessa situação, sem reconhecer-lhes o direito de contestar essa decisão. O governo brasileiro oferece apoio insuficiente para que famílias de crianças com deficiência criem seus filhos em casa”, continua o relatório.
Nas três instituições que visitou, o CORREIO confirmou alguns dos problemas citados no relatório, como a falta de individualidade. Muitos dos institucionalizados são colocados em ambientes coletivos.
“Vimos em uma instituição da Bahia que a troca de fraldas em jovens com paralisia cerebral era feita sem qualquer privacidade. Em outra instituição, as crianças e adultos não tinham sequer suas próprias roupas”, lembra Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil.
No Lar Vida, as crianças que têm autonomia exibem as chaves dos seus armários e as colocam penduradas no pescoço. “Tentamos dar o máximo de individualidade. Mas, muitas vezes é difícil”, diz Maria Cristina.
“A gente não acha que esses gestores fazem isso de uma forma intencional. Essas instituições não fazem isso por maldade, mas por desconhecimento dos direitos da pessoa com deficiência”, pondera. A diretora da HRW insiste que a origem do problema está na falta de apoio às famílias e, depois, na ausência de suporte às instituições.
“Se as famílias tivessem esse amparo inicial, certamente não quebrariam esse laço. Famílias que têm pouco apoio acabam abandonando seus filhos e deixando para a adoção. Essa é a realidade”, diz Maria Laura da HRW.
Por isso, as críticas do relatório da Human Rights Watch apontam principalmente para a falta de políticas públicas voltadas para as instituições e famílias. A defensora pública Ana Virgínia Rocha, da Curadoria Especial da Criança e do Adolescente, acompanhou os pesquisadores da HRW e concorda com as críticas. “O Estado Brasileiro optou pelo modelo assistencialista, que muito nos custa, mas na prática não devolve esse apoio aos mais pobres. O repasse é insuficiente”, afirma. “Temos uma rede de assistência social muito complicada. Temos que trabalhar para que essa rede funcione, para que cada ator cumpra o seu papel, para que essas crianças retornem aos seus lares ou tomem um rumo”, afirma Ana Virgínia.
Em nota enviada ao CORREIO, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) comentou o relatório da HRW a respeito do Serviço de Acolhimento no Brasil, e informou diversas questões indicadas pela entidade “envolvem ações compartilhadas entre os governos federal, estadual e municipal, dado o caráter descentralizado da política de assistência social”. “Assim, todos os entes federados têm a responsabilidade de cofinanciar, coordenar e monitorar a política em seu âmbito de atuação”, diz o MDS. O comunicado cita ainda que, atualmente, das 258 unidades de acolhimento para adultos com deficiência – com capacidade de atendimento de 5.588 pessoas -, 77,9% são mantidas e operadas em parceria com entidades socioassistenciais. Destas, 89% recebem recursos públicos para a sua manutenção (leia a nota na íntegra mais abaixo).
A diretora de Proteção Especial da Secretaria Municipal de Promoção Social (Semps), Juliana Portela, afirma que o foco atual é promover o reestabelecimento do vínculo familiar ou comunitário dessas crianças. “A adoção é o último recurso”, diz a diretora da Semps, órgão ao qual é ligada a maioria das instituições que cuida de crianças e adolescentes que perderam seus vínculos familiares.
As casas de acolhimento também são vinculadas ao Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). Das 310 instituições ligadas ao CMAS, oito são para crianças e adolescentes. Apenas duas são exclusivas para crianças com deficiência – o Lar Vida e o Núcleo Espírita Campo da Paz.
No total, segundo a 1ª Vara da Infância e Juventude, 300 crianças e adolescentes vivem nessas instituições. A Prefeitura informou que, em junho, um edital para organizações da sociedade civil foi aberto para que vagas de acolhimento sejam ofertadas.
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Lei do reordenamento levanta discussões
O relatório da Human Rigths Watch afirma que a maioria das instituições estaria descumprido a resolução nº 23/2013, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Conhecida como lei do reordenamento, a resolução muda o conceito da assistência às crianças que perderam suas famílias ou que estão em processo de retornar para elas.
De acordo com o reordenamento, a ideia de “casa-lar” substitui a de abrigo e o novo conceito preza pela não diferenciação de crianças deficientes das tidas como “normais”. Todas devem conviver na mesma comunidade. As casas-lar não podem ser verticalizadas, como apartamentos. “O reordenamento exige mudanças de estrutura dos antigos orfanatos. Não se pode colocar mais várias crianças em um único quarto ou cozinhas coletivas tipo bandeijão”, exemplifica Ana Virgínia. “Os formatos devem ser de casa-lar”.
Mesmo com todas as dificuldades, a maioria das casas de acolhimento se diz disposta a se adequar. “Defendemos que as crianças sejam acolhidas de forma plena. Nossa leitura é ‘inclusão já’”, afirma a assistente social do Pérolas de Cristo. Mas, o desafio está posto e, admitem as casas de acolhimento, é difícil de superá-lo. “Nosso desafio hoje é conseguir receber essas crianças especiais como elas merecem”, diz a assistente social.
O presidente do Conselho Municipal de Assistência Social é contra a resolução. “No papel é tudo muito bonito. Mas, como vou acolher um público que não consigo trabalhar? Eles querem impor uma condição que foge às nossas condições”, afirma Jozias Sousa.
Na instituição que ele coordena, a OAF, há sete apartamentos, cada um com dez crianças em média. Os quartos têm um beliche e duas camas. No caso dos berçários, cada quarto tem quatro berços.
“Pelo reordenamento, nós não estaríamos nem funcionando. Temos apartamentos verticalizados e não casas horizontais”, admite Jozias. Sobre a presença de crianças com deficiência, ele afirma que faz além do que sua estrutura permite. “A gente já faz o que pode com as crianças ditas ‘normais’. No caso de crianças especiais como Gabriel e Guilherme, a gente precisa se desdobrar. Não conseguiríamos atender mais gente nessa condição”.
O juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Walter Ribeiro Costa Júnior, afirma que o reordenamento desconstrói preconceitos e que as instituições precisam se adaptar. “Assim como as famílias de uma pessoa com deficiência precisam se adaptar, essas instituições também precisam”. Jozias diz que o reordenamento não se sustenta. “Quem fez o estudo do reordenamento não conhece a realidade”.
Existe um Grupo de Trabalho (GT) com diversos membros da sociedade que estuda a melhor forma de colocar em prática o reordenamento. Coordenado pela Semps, o GT estuda a possibilidade de haver um incremento na verba destinada às instituições. Além de donativos, dez casas de acolhimento de Salvador vivem do dinheiro oriundo das esferas federal, estadual e municipal. Seis delas são da sociedade civil e quatro unidades da Fundação Cidade Mãe, da própria Prefeitura.
Aos municípios cabem fazer o repasse da verba. Segundo a Semps, atualmente a Prefeitura de Salvador repassa R$ 1.180 mensais por cada uma das crianças acolhidas em dez instituições. Esse valor seria dividido da seguinte forma: R$ 500 (Governo Federal), R$ 440 (Município), R$ 240 (Governo Estadual). “Para haver um incremento é preciso que todos os entes concordem. O último aumento da verba federal é de 2013. O estado não aumenta o valor há dez anos. Já o município aumentou ano passado”, afirma a diretora de Proteção Especial da Semps, Juliana Portela.
A superintendente de assistência social da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) disse que o Estado também promoveu no ano passado um reajuste no repasse de cofinanciamento. O valor por institucionalizado passaria a ser R$ 750 / mês e cerca de R$ 1,3 milhão / ano. Mas, esse incremento tem ocorrido gradualmente e começou por 24 cidades do interior. “A partir de 2019 estamos com a proposta de ampliar inclusive para Salvador”, justificou Leísa Mendes de Souza..
Nos anos de 2017 e 2018, destacou a superintendente, a SJDHDS priorizou o investimento em prevenção. “O acolhimento institucional é a última instância. A ideia é manter essa criança e esse adolescente convivendo com sua família ou parentes. Estes dois anos também priorizamos população de rua, mulheres com risco iminente de morte e crianças e adolescentes. Mas, no caso de crianças e adolescentes fizemos esse ponto de corte para outras cidades e a partir de 2019 priorizaremos Salvador”, explicou.
A defensora Ana Virgínia lembra que o prazo inicial para que o reordenamento estivesse concluído era novembro de 2017. “Mas, isso vem sendo protelado em todo o Brasil”, considera. Sem falar, diz ela, nas diretrizes do Estatuto da Pessoa com Necessidades Especiais, de 2013. “O Estatuto afirma que não existe uma pessoa totalmente incapaz. O Estado negligencia isso. Negligenciava quando essas pessoas eram crianças e negligencia agora enquanto adultos”.
Apadrinhamento afetivo e família hospedeira tentam criar laços
Com todas as dificuldades cognitivas e até de memória, Charles Santos Pereira, 21, se anima com alguns assuntos. Só de ouvir o nome do seu padrinho afetivo, a fisionomia do rapaz muda. Se empolga ao lembrar os lugares que ele o leva para conhecer. “Eu gosto muito dele. Ele me leva para passear e me trata bem”. “E se ele quiser te levar para morar com ele?”, perguntei. “Eu vou!”, respondeu.
Charles é apenas um exemplo de um programa lançado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O chamado Apadrinhamento Afetivo é um projeto de alternativa à convivência familiar e comunitária, para crianças e adolescentes institucionalizados e sem possibilidade de adoção ou reinserção na família de origem.
Nestes casos, as famílias podem custear financeiramente cursos, atividades e melhorias nas instalações do institucionalizado, além de visitá-lo periodicamente. Há também o projeto de Família Hospedeira. Essas famílias podem hospedar as crianças e jovens em suas casas durante finais de semana ou períodos determinados.
“Tanto o Apadrinhamento Afetivo quanto a Família Hospedeira são formas de criar laços. E esse laço afetivo pode ocorrer com jovens deficientes, porque não?”, pergunta o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Walter Ribeiro Costa Júnior. “Também fazemos encontros lúdicos, quando reunimos famílias com as crianças em eventos. É diferente de eles irem até o abrigo para ‘escolher’ uma criança como se elas fossem um objeto ou bicho de estimação”, observa o juiz.
As iniciativas são elogiadas pela HRW. “Esse programa desenvolvido na Bahia é muito interessante e pode mudar a vida de muitas crianças e adolescentes”, apoia Maria Laura Canineu, diretora da HRW.
No caso do Lar Vida, do total de 39 crianças e jovens, cinco são hoje apadrinhadas, como Matheus, abandonado pela família. “Nossa ideia é trazer pessoas do Cadastro Nacional de Adoção para conhecer essas crianças e apadrinhá-las. Se elas perceberem que a deficiência não é esse bicho-papão todo, essa relação pode culminar em uma adoção”, acredita Monique Almeida, assistente social do Lar Vida. Apesar disso, nos oito anos em que trabalha na instituição, Monique diz nunca ter ocorrido um caso sequer de adoção.
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‘Quanto mais der trabalho, melhor’, diz assistente social que adotou cinco filhos; dois deles especiais
Reparem bem na foto abaixo. Há muito mais do que uma família feliz. No centro, uma mulher que resolveu ser a exceção da exceção. A história de Nívea dos Santos Sacramento, 33 anos, é tão surpreendente quanto as semelhanças físicas que ela tem com três dos seus cinco filhos, todos adotivos. Isso mesmo. Nenhuma das jovens da foto é filha biológica de Nívea, que foge a todos os padrões das pessoas habilitadas para processos de adoção.
Entre 2013 e 2018, ela adotou cinco crianças e jovens, dois deles com retardo mental e três com idade avançada, uma delas era maior de idade. Formada assistente social, aprovada na seleção de emprego em uma casa de acolhimento, logo no primeiro caso que enfrentou conheceu Michele, que havia sido rejeitada em um processo de adoção junto com duas irmãs. “Desde o princípio, eu tinha um afinidade muito grande com Michele”, lembra Nívea. Como funcionária da casa, acompanhava de perto seu tratamento psicológico e, com autorização da instituição, chegou a levá-la para casa em datas especiais como o Natal.
Michele completou 18 anos e não poderia ficar mais no abrigo. Nívea também saiu do emprego. Seria o momento da separação? Nada! Sem o vínculo com a casa, iniciou-se o processo de adoção. Só que Michele, hoje com 24 anos, tinha duas irmãs: as gêmeas Lorena e Emanuele, hoje com 23. Nívea então adotou as gêmeas também. “Emanuele foi morar comigo junto com Michele. Lorena nunca ficou aqui em casa morando comigo, mas dou toda a assistência que posso como mãe mesmo”.
Nívea achou que sua missão como mãe havia se encerrado. Estava enganada. No mesmo abrigo, conheceu uma jovem grávida que já tinha uma filha em outra instituição. Se tornou madrinha da menina. “Com mais algum tempo ela pediu que eu adotasse ela. Eu disse: ‘olha, se eu te adotar com seus dois filhos pode me internar porque eu tô louca'”.
Mas, com a ajuda da comunidade da igreja, Nívea acabou colocando a adolescente e os dois filhos dentro de casa. Com o tempo, a jovem disse que não queria mais a criança e iria embora. Foi e deixou Sara, hoje com 4 anos, e Samuel, de 2 anos. Sara tem convulsões, transtorno mental, dificuldades cognitivas e de coordenação motora. Nívea adotou os dois. Agora são cinco.
“Eles são os rejeitados. São tidos como os que dão trabalho. Costumo dizer que quanto mais der trabalho, melhor”, brinca Nívea. “Se Michele não tivesse nenhum problema, eu não estaria com ela. O que me motivou foi isso. Porque ela iria se virar. Consequentemente não estaria com as outras”, acredita.
460 famílias esperam na fila da adoção
Meninas, brancas, com no máximo 2 ou 3 anos e sem qualquer deficiência. O perfil mais procurado pelas 460 famílias habilitadas para adotar uma criança mostra que os processos de adoção não estão livres dos preconceitos.
O juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Walter Ribeiro Costa Júnior, afirma que, entre as 300 crianças de abrigos, hoje há um grupo de 30 crianças disponíveis para adoção que praticamente é excluído das adoções.
“Eles são meninos negros entre 5 e 17 anos ou têm alguma deficiência. Hoje temos 30 deles para adoção” aponta Costa Júnior.
“Reparem numa coisa: o número de famílias habilitadas é maior que a de crianças nos abrigos. Parece contraditório, mas é preciso ser muito criterioso ao se concluir um processo de adoção”, diz Jozias Sousa, do Conselho Municipal de Assistência Social. “É realmente necessário que se faça um pente fino. E, mesmo assim, há muitos casos que terminam mal, inclusive com crianças devolvidas. Temos crianças aqui que foram devolvidas. Isso é muito triste”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que as crianças e jovens só podem ficar nas casas de acolhimento por dois anos ou até completarem 18 anos. “Essa é outra utopia. Isso também só existe no papel. Na vida real essas crianças completam 18 anos e continuam institucionalizadas. E muitas ultrapassam muito os 24 meses aqui dentro”, afirma Jozias. “A gente que milita nisso fica desanimado, sabe. Porque não há vontade dos entes públicos. A gente se sente nadando contra a maré”.
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Leia a íntegra da nota do governo federal sobre o relatório da Human Rights Watch:
Em resposta às questões apontadas pela organização Human Rights Watch a respeito do Serviço de Acolhimento no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) esclarece que a Política Nacional de Assistência Social tem como objetivo a garantia das necessidades básicas, da convivência familiar e comunitária e a potencialização da autonomia dos indivíduos.
Diversas questões indicadas pela Human Rights Watch envolvem ações compartilhadas entre os governos federal, estadual e municipal, dado o caráter descentralizado da política de assistência social. Assim, todos os entes federados têm a responsabilidade de cofinanciar, coordenar e monitorar a política em seu âmbito de atuação.
Atualmente, das 258 unidades de acolhimento para adultos com deficiência – o que representa a capacidade de atendimento de 5.588 pessoas – 77,9% são mantidas e operadas em parceria com entidades socioassistenciais. Destas, 89% recebem recursos públicos para a sua manutenção. Nos casos em que o município oferte o serviço de acolhimento em parceria com entidades, cabe a este complementar o repasse de recursos, seguindo as diretrizes e orientações técnicas para a oferta.
Ao órgão gestor nacional da Política de Assistência Social, Ministério do Desenvolvimento Social, por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), cabe o monitoramento de atividades gerenciais e o apoio técnicos aos Estados. A fiscalização remete-se a atuação do órgão gestor da assistência social do município e aos órgãos de controle, que, no caso do SNAS, é realizado pelos Conselhos de Assistência Social Nacional, Estadual e Municipal.
A fiscalização, no caso do controle externo, conta com a atuação dos órgãos de controle, tais como os Ministérios Públicos, os Tribunais de Contas da União e dos Estados, além da Controladoria Geral da União. Situações, portanto, que envolvam a violação de direitos, requerem a atuação destas instituições. Ressalta-se, ainda, a responsabilidade do Ministério Público, das Varas da Infância e dos Conselhos relativos aos temas específicos.
Importante ressaltar que o MDS solicitou a identificação das instituições à Human Rights Watch para poder apurar todas as denúncias destacadas no relatório. No entanto, a organização recusou-se a fornecer qualquer informação. Por isso, não é possível identificar quais as instituições são, de fato, de assistência social ou recebem cofinanciamento federal. É necessário, portanto, que a organização faça uma denúncia ao Ministério Público para a apuração desses casos.
Só sei que dói o coração ver tudo, adoção tem q ser feita com o coração, e não características ,pq qdo geramos os nossos filhos não sabemos como virão por mais avançada q esteja a medicina e já amamos( deixando claro,pais de verdade). Agora resumindo, sou mãe biológica de dois rapazes e mãe adotiva ( só pr contar a história,pq sou a mãe verdadeira pq é assim q me sinto) de um rapaz com paralisia cerebral e deficiência física,ele é cadeirante, está comigo a 10 anos eu o adotei ele tinha 14 anos e hj está com 25 anos pq no ano que ele veio pr a nossa casa no final do ano ele completaria 15 anos e trabalho de Deus faz aniversário no mesmo dia q eu 28/12 foi amor a perder de vista, eu era voluntária do abrigo q ele se encontrava. São 10 anos de amor e dedicação minha e de nós todos aqui em casa, pai e irmãos é o nosso bebê, vai a escola hj ,tem vida social , só vou aos lugares se ele for ,gosto q o respeitem,como dizemos na escola mães de criança especial é q nem dragão, soltamos fogo pelas ventras pr defende los e eu defendo mesmo , não permito que faltem com respeito a ele.Sou mãe dele de verdade parece q eu o crio desde pequeno, Amor incondicional.
Parabéns Odinira! Muito linda sua história!
Grande abraço! 🙂