ComportamentoSíndromes

Encontrando palavras para falar sobre deficiência com crianças

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Crianças deitadas sobre um tapete e sorrindoCaro leitor,

A matéria abaixo foi extraída do site Inclusive.

Por Amy Julia Becker, autora de A Good and Perfect Gift: Faith, Expectations and a Little Girl Named Penny

Tradução Felicia Jennings-Winterle

William chegou em casa da escola algumas semanas atrás e disse “Mãe”. Ele falou do jeito que ele fala quando tem algo importante para me dizer. E disse de novo: “Mãe. Minha amiga Ashley não ouve bem. E ela grita”.

William tem 3 anos. Ele vai à uma pré-escola pública, e está em uma classe integrada, o que quer dizer, uma turma onde crianças típicas aprendem e brincam com crianças que tem alguma deficiência.  Há três anos, a irmã mais velha de William, Penny, estava na mesma classe, mas ela entrou  com um programa educacional individualizado (“I.E.P.,” Individualized Education Plan). Penny tem Trisomia 21, também conhecida como síndrome de Down, e este terceiro cromossomo tem influencia quase todos os aspectos do desenvolvimento dela.

Ela usa aparelho ortopédico para dar apoio à seus pés chatos e tornozelos fracos. Quando ela estava na pré-escola, usava a língua de sinais, além da fala para se comunicar. Ela fazia terapia ocupacional, fono e fisioterapia como parte de sua experiência em sala de aula. Mas o fato de eu ter uma filha com deficiência, não quer dizer que eu saiba como falar sobre deficiência com meus filhos.

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Quando a Penny nasceu, eu me deparei com um labirinto de palavras que nunca tinham tido importância para mim – anormalidade, deficiência, gravidez de alto risco, aconselhamento genético, necessidades especiais. Isso se tornou mais fácil com o tempo. Eu comecei a usar a linguagem da “pessoa primeiro”, me referindo a minha bebê como, “bebê com síndrome de Down”, ao invés de “bebê Down”. Eu substitui “normal” por “típico ou sem deficiência” quando precisava compará-la a outras crianças. Em minhas gestações seguintes, eu falava sobre a “probabilidade” de ter outra criança com síndrome de Down, ao invés do “risco”.

E com o tempo, as palavras se tornaram mais do que tentativas politicamente corretas para apoiar minha nova identidade de mãe de uma criança com deficiência. Com o tempo, as palavras se tornaram realidade. Eu realmente vi Penny como primeiro uma criança, e a síndrome de Down apenas como parte de sua descrição, um característica secundária. Eu realmente comecei a acreditar que indivíduos com deficiência não são pessoas que merecem pena, ou pessoas que precisam de ajuda, mas pelo contrário, que são seres humanos exatamente como eu.  Nossas particularidades são diferentes, mas eu comecei a entender que todos nós temos limitações e pontos vulnerávies que precisam de ajuda, e que todos temos possibilidades para alegrias, relacionamentos e doação.

Fiquei super feliz quando William foi aceito através de sorteio em uma pré-escola integrada. Mas fiquei pensando se eu conseguiria colocar palavras em sua experiência. Pensei se eu seria capaz de ajudá-lo a ver Ashley (e Carlos, e Megan e Landon) como seus coleguinhas. Fiquei pensando se eu seria capaz de falar sobre deficiência de uma forma que fosse honesta e positiva, de uma forma que construísse pontes, ao invés de criar categorias e julgamentos. Então quando William me contou que Ashley não escutava bem e gritava, eu respirei fundo.

Eu disse, “talvez ela ainda não tenha aprendido como ouvir”.

Ele abanou a cabeça.

E daí perguntei, “No que Ashley é boa?”

Ele abaixou a cabeça. “Ela é boa de jogar jogos e de correr”.

“No que você é bom?”

“Ouvir”

“ O que é difícil para você?”

“Colorir”

Foi o fim da conversa. William tem falado sobre a Ashley desde então, mas somente porque ele me conta coisas sobre sua amiga – que eles pegam o ônibus juntos, fazem de conta que cozinham juntos, que ele gostaria de ter um quadro cheio de adesivos como o dela. Até onde William pode entender, Ashley é somente outra menina em sua classe. Algumas coisas são difíceis para ela. Algumas coisas ela faz muito bem, assim como ele.

Um dia, William vai se dar conta de que muitos aspectos de nossa cultura – da linguagem à legislação – erguem muros entre crianças como ele e crianças como Ashley. Mas eu espero que crescendo com uma irmã que tem síndrome de Down e indo à escola com meninos e meninas que enfrentam desafios diferentes dos dele, possa abrir seus olhos, e seu coração, para entender que todos têm em comum serem humanos. Eu espero que ele cresça com a habilidade de ver além dos rótulos, de acreditar que ele tem algo a oferecer a todos que ele encontrar, e que ele também tem a receber destas pessoas. Eu espero, pelo bem das duas crianças, que ele e Ashley continuem amigos.

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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