Entrevista com a psicóloga Karla Garcia Luiz
Caro leitor,
A entrevistada desse mês no Blog Deficiente Ciente é Karla Garcia Luiz, psicóloga, pós-graduada em Educação Especial, presidente do Conselho Municipal de Educação de Garopaba (SC) e colaboradora do Núcleo de Estudos Sobre a Deficiência da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Acompanhe a entrevista que a linda Karla, gentilmente, concedeu ao blog.
Deficiente Ciente: Qual seu tipo de deficiência?
Karla Garcia Luiz: Tenho mobilidade reduzida em decorrência de ter nascido com Artrogripose Congênita Múltipla. Essa patologia refere-se a um congelamento das articulações (cotovelos, joelhos, punhos, tornozelos, etc).
D.C.: Qual foi a reação de sua família?
K.G: Bom, ninguém se prepara para ter um filho com deficiência, então foi um choque para os meus pais. Eu fui a primeira filha deles e, no início dos anos 80, quando nasci, não era possível detectar a Artrogripose ainda na gestação. Além disso, naquela época, não se falava tanto em deficiência, não existia o Google e o contato com outros pais de crianças com Artrogripose era bem mais restrito. Mas eles aprenderam a lidar muito bem com isso e puderam me ensinar, desde cedo, que somos todos iguais na diferença.
D.C: Conte um pouco sobre sua infância.
K.G.: Minha infância foi marcada por órteses, cirurgias, sessões de fisioterapia e muitas alegrias. Eu fui uma criança cercada de amigos e não tive dificuldades na escola. Minha família sempre me conferiu o status de pessoa antes de qualquer coisa, então sempre tive participação ativa na vida familiar e social. Embora possa parecer sofrido ter enfrentado as intervenções cirúrgicas, os gessos, os exercícios repetitivos, eu tenho muito mais coisas boas do que ruins como lembranças da minha infância, principalmente porque sei que tudo que conquistei foi construído não só pelos dispositivos de enfrentamento da deficiência, mas também pelas barreiras que enfrentei – que, aliás, todas as pessoas enfrentam em suas vidas.
D.C.: Qual é a idade de seus pacientes da APAE? E como é seu envolvimento com eles?
K.G.: Na APAE de Garopaba atendemos 76 alunos com idade de 0 a 70 anos. É um público bem variado, temos deficientes intelectuais e outras deficiências associadas. O meu trabalho acontece no atendimento direto ao aluno ou indireto, através do atendimento à família (na própria escola ou com visita domiciliar) ou com a equipe técnica. Estou constantemente em contato com os professores, pois são os eles que passam mais tempo com os alunos, então é muito importante ouvi-los. Depois de ouvir a queixa, dependendo do caso, atendo o aluno ou repasso aos demais profissionais (nutricionista, fisioterapeuta, assistente social, etc.) ou chamamos os responsáveis ou vamos até a casa do aluno. Tudo depende de cada caso. É sempre um desafio, enfrentamos resistências dos pais, em geral, mas é maravilhoso trabalhar na APAE. Não consigo me imaginar trabalhando fora do universo da deficiência.
D.C.: Fale um pouco sobre o blog “Koisas com Ká”.
K.G.: O blog surgiu numa fase bem importante e difícil da minha vida. A princípio, o blog era uma ferramenta para eu escrever minhas impressões sobre as koisas em geral, como possibilidade para ressignificar meus conteúdos emocionais – por isso o nome é Koisas Com Ká, por ser um espaço onde eu pudesse compartilhar as minhas koisas. Um tempo depois, o blog tomou uma proporção muito maior e passei a discutir koisas relacionadas mais à deficiência, especificamente. Esse desenvolvimento aconteceu num movimento de mão dupla: de dentro para fora e de fora para dentro. Hoje o meu blog tem o intuito de discutir questões mais políticas e sociais ligadas às minhas vivências enquanto deficiente.
D.C.: Como você se relaciona na sociedade em relação a sua deficiência?
K.G.: Relaciono-me com a sociedade como qualquer pessoa. Sou pessoa COM deficiência, e não APESAR DE ter deficiência. Estudo, trabalho, namoro, consumo, voto, viajo, etc. Tenho a deficiência como um modo de vivenciar o mundo. Nada mais. Minha vida é bonita, cheia de altos e baixos como a vida de todo mundo.
D.C.: Como você vê a questão da acessibilidade atitudinal? E a arquitetônica?
K.G.: Infelizmente, acredito que a fiscalização e o cumprimento das normas relacionadas à acessibilidade não funcionam como deveriam. Estamos numa mudança gradativa em relação à acessibilidade, mas ainda falta muito. Falta, principalmente, as pessoas entenderem que a acessibilidade se refere ao acesso com segurança e autonomia. Ou seja, não basta fazer a rampa de qualquer jeito ou colocar o piso tátil como quiser, pois há um gabarito que deve ser obedecido e um órgão (no caso, a ABNT) que rege essas normas. Acredito que, então, contamos mais com a acessibilidade atitudinal. Por exemplo: se sensibilizamos de modo efetivo os alunos de arquitetura, eles poderão perceber a importância da acessibilidade arquitetônica. No quesito da acessitude, tenho a impressão que a evolução é maior, mais fácil e pré-requisito para que a acessibilidade arquitetônica aconteça.
D.C.: Quais são seus planos para o futuro?
K.G.: Meu plano é trabalhar e estudar cada vez mais na área da deficiência. Tenho me dedicado ao Mestrado e, posteriormente, pretendo fazer Doutorado. Quero continuar a parceria com o caro mestre Prof. Dr. Adriano Nuernberg nas pesquisas do Núcleo de Estudos Sobre a Deficiência da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do qual faço parte e, quem sabe, poder lecionar nessa instituição. O caminho é longo, mas possível diante da disponibilidade que tenho lançado para alcançar esse objetivo. Além disso, quero continuar participando dos eventos pertinentes ao meu trabalho e a tudo aquilo que acredito dentro do modelo social da deficiência. E claro, vou continuar compartilhando minha koisas no blog.
D.C.: Deixe uma mensagem aos leitores do blog Deficiente Ciente.
K.G.: Quero agradecer a oportunidade de conversar com o leitor do Deficiente Ciente e dizer que estou às ordens, caso queiram entrar em contato. E desejo que sejamos todos cientes das questões que nos envolvem, nunca esquecendo o lema da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Nada sobre nós sem nós!
Deixo meu agradecimento ao fotógrafo Fabiano Augusto, pessoa de sensibilidade ímpar que fez as fotos que estão nessa entrevista.
Linda, linda, linda… Kaká, minha melhor amiga de infância, companheira de muitos tempos bons, que sempre me passou segurança, pessoa verdadeira e alegre. Agora mais que nunca batalha por fazer o bem. Tô muito feliz por ti minha amiga. Parabéns, sucesso pra ti sempre.
Ótima entrevista. Respostas coerentes e inteligentes. Muito bom, adorei.
Querida Kaká, temos saudades de vc, que vocação para realizar com qualidade! Ficamos felizes pelo belo trabalho que vc faz, parabéns! .Adoramos também as fotos, bjos,Edna e Hélio(Santos SP)
Mariana, Dudé, Professores Hélio e Edna!
Agradeço pelas palavras e pelo carinho. Cada qual tem um lugar e um momento muito especial na minha vida!
Beijos.